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Educação, Cultura e Diversidade

Mara Lúcia Martins

Conferência do FME aborda temas essenciais para o desenvolvimento da Educação no país

A I Conferência que aconteceu no Fórum Mundial da Educação, dia 24/3/2006, no ginásio do Sesc de Nova Iguaçu, foi marcada pela presença de cerca de 5.000 pessoas. Apesar do calor e do sol fortes, da distância onde se localiza o Sesc e da variedade de opções que ocorriam paralelamente à Conferência, comparecer a um ginásio com a lotação esgotada era o melhor programa para um público, principalmente de mulheres - 90% do total -, discutir Educação.

A Conferência foi iniciada por uma apresentação do "Grupo de Poetas de Nova Iguaçu", que apresentou algumas poesias de Mario Quintana, tornando claro que a palavra marcaria ali a grande comunicação entre todos os presentes.

A relatora da mesa, professora da Universidade Federal Fluminense(UFF) Célia Linhares, fez um breve relato de quem eram os palestrantes e do que ela, particularmente via naquele ambiente - um ginásio lotado por interessados em Educação. "Quem leu os jornais de hoje verificou que na primeira página estão os conflitos de Paris - sendo a França um dos modelos de cultura mundial - e a nossa marcha em Nova Iguaçu, pela paz e por uma educação mais justa para todos", anunciou com entusiasmo Linhares.

No início da Conferência fomos convidados a nos levantar e fazer um minuto de silêncio para as pessoas que não podiam estar presentes e homenageá-las nas suas lutas por uma Educação melhor para o Brasil. "Educar não é um comércio, é uma luta contra injustiça e desigualdade, é uma luta para que todos os seres humanos tenham oportunidades iguais", sentenciou Célia Linhares abrindo a Conferência e passando a palavra para a integrante do Movimento os Trabalhadores Sem Terra Clarice Aparecida dos Santos.

Educação: um êxito do MST

Historicamente, o campo e a educação sempre estiveram em posições opostas, mas houve um avanço muito grande nesses 20 anos de luta do Movimento que alavancou a Educação e torno-a exemplo para os mais diversos segmentos da sociedade. Para que isso ocorresse o MST fez vários questionamentos sobre qual a Educação que o Movimento gostaria de trazer para seus seguidores e como fazer para que esta educação chegasse ao campo.

"Os piores índices de Educação sempre estiveram no campo, que nunca teve acesso aos melhores meios para que lá ela fosse desenvolvida, mas a realidade mostra que, hoje, conseguimos muito mais do que esperávamos", assim começou sua palestra a militante do MST Clarice.

Para a militante os problemas da Educação no campo são problemas estruturais, porque as pessoas não consideram o campo um lugar de desenvolvimento social. "Para mudar esse quadro nós fomos buscar na pedagogia a utilização dos processos educativos, aquilo que desse ao sujeito social do campo liberdade e cultura, e assim mudamos a história que colocou os habitantes do campo como incluídos do processo educativo", comemorou Clarice. Para ela, o movimento de luta pela terra, pela reforma agrária, foi essencial para que nascessem outros movimentos de inclusão do campo no processo de desenvolvimento do país e, o principal deles, a educação foi uma conquista singular.

E para exemplificar, Clarice, citou os números que hoje acompanham o desenvolvimento e o sucesso da Educação no campo e, principalmente, o sucesso das Escolas Itinerantes, que acompanham os trabalhadores na jornada dos deslocamentos pelas terras brasileiras, sem prejudicar o andamento das crianças nas escolas. "Nesses 20 anos de movimento, cerca de 100.000 pessoas do MST foram alfabetizadas, tanto nos assentamentos como nos acampamentos; existem perto de 1.000 escolas públicas nos assentamentos, temos mais de 4.000 educadores de nível superior formados pelos assentamentos; 24 turmas de vários cursos nas universidades públicas; 48 turmas de nível médio profissionalizante - em nove estados do Brasil - e, em agosto, será iniciado na Universidade Federal de Santa Catarina uma especialização da educação voltada para jovens e adultos", concluiu com entusiasmo Clarice, ainda salientando que "tudo isso foi conseguido por meio do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra como um direito do movimento no eixo da Educação".

Longos anos de diferença entre os estudantes

O segundo palestrante do dia, Ricardo Henriques, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad / MEC), demonstrou por meio de números a desigualdade e exclusão das pessoas em relação à educação. "A Educação vem reforçar o núcleo da desigualdade quando os números falam que: 65 milhões da população está abaixo da 8ª série do Ensino Fundamental, 33 milhões abaixo da 4ª série desse mesmo nível, e 16 milhões ainda são analfabetos", definiu Ricardo.

"E esta relação está paralela ao índice de renda no país, onde: 10% dos mais ricos possuem metade da renda do país e onde 50% dos mais pobres detém 10% da renda do país", anunciou o membro da Secad. Para ele a relação da etnia fica bem clara quando vemos que um homem branco de 25 anos estuda 8,4 anos enquanto que um homem negro, com a mesma idade, estuda 6,1 anos.

O professor Ricardo chamou-nos a atenção para o que é mais importante nessas estatísticas: elas têm o mesmo índice tanto em relação à geração dos nossos pais como em relação à geração dos nossos avós. Pouca coisa mudou e as desigualdades continuam sendo mantidas e com os mesmos índices do passado.

"E quando pensamos em relação aos lugares é tão grande a diferença entre as regiões, que esse reflexo mostra que o universalismo não garante a igualdade: o pior que poderia acontecer a uma pessoa seria ser jovem, negro, pobre e morando no nordeste - este jovem terá que estudar, em média 22 anos, para chegar perto de um jovem dos grandes centros urbanos que estudaria, até se formar em uma universidade, cerca de 15 anos", uma calamidade sem igual para o nosso país, nos esclarece Ricardo.

Esses índices são, para o professor, um reflexo de que não existe nas comunidades periféricas um ajuste perfeito para o ingresso de um estudante nas escolas. Para que esse ajuste seja feito é preciso uma organização, principalmente das entidades de ensino, para pensarem em termos de qualidade e oportunidade para todos: com democratização, dando acesso, permanência e sucesso aos estudantes; qualidade aos atores - professores, funcionários e alunos -, aos processos e à produção que envolvem a Educação e, principalmente, impondo a noção de equidade, com o direito à educação para todos e apesar das diferenças.

Fazer uma análise sobre as políticas públicas em relação à educação e fazer uma relação com o comércio que se estabelece nessa relação, intimamente ligado ao modo como este país conduz o seu desenvolvimento, é um desafio para quem lida com Educação. O desenvolvimento do país se reduziu à ideia do crescimento - crescimento econômico, sem levar em conta outros tipos de crescimentos, tais como: o social, o cultural, o político etc.

Ricardo finalizou sua exposição pedindo que todos nós fizéssemos uma reflexão quanto ao direito à educação desvinculando a ligação estreita que existe com o desenvolvimento econômico. Para ele "a Educação deveria ser pensada como um direito universal independente de raça, gênero, região, nível econômico, opção sexual etc., tendo que ser recusada qualquer forma de desigualdade dentro da sociedade. Educação com qualidade é um direito de todos", concluiu.

Direito à aprendizagem é fundamental

O relator da ONU pelo Direito à Educação Vemor Muñoz, representante da Costa Rica, apesar dos fones de tradução simultânea não terem funcionado, apresentou sua palestra em português, prevalecendo sua fala no direito à aprendizagem. Para Munõz cabe ao Estado à garantia a essa aprendizagem. "Ao menos, e isso é imprescindível, deveria se ter 6% do Produto Interno Bruto (PIB) aplicado à Educação", falou Muñoz.

Para o relator, a Educação tem que estar disponível para todos, sem diferenciação de qualquer tipo. "Não podemos pensar a educação como um grande negócio, no sentido operativo - educação não pode ser vista como mercadoria, os direitos humanos devem ser preservados acima de qualquer possibilidade de rendimento", disse-nos Muñoz.

Para que essa Educação, sonhada por todos, venha a ser aplicada, Vemor Muñoz garante que existem obstáculos a serem transpostos, tais como a cultura patriarcal, que está estruturada, não só na denominação dos homens, mas no sistema de opressão, com assimetrias, discriminações raciais e sociais e valores sociais e culturais injustos. Para ele os problemas que estão fora da Educação são muito grandes e podem ser responsáveis, já que existem empecilhos políticos e econômicos, por deteriorar a Educação.

"Trabalhar para a desigualdade humana é trabalhar pela diversidade, pois sociedades com rédeas são inúteis como paradigmas. Assim, os processos educativos são muito melhores aproveitados em comunidades livres e mais amplas", garantiu o costa-riquenho.

Lutar pela Educação é lutar por uma sociedade antiracista

A militante do Instituto da Mulher Negra - Geledés - Rosângela Costa Araújo começou sua palestra nos falando sobre o objetivo da sua luta como representante do Movimento Negro no Brasil: promover uma sociedade civil antiracista e antisseccista. Mais especificamente falando do Geledés, com 18 anos de existência, Rosângela nos contou do desenvolvendo do programa de educação para jovens negros e da implantação de um processo de permanência do negro em um ensino superior de qualidade.

Rosângela nos falou: "É extremamente importante pensar nas políticas públicas como um problema de direitos humanos e ao mesmo tempo uma aliança para se resolver o problema da democracia. E que, apesar do esfacelamento da democracia racial, hoje, é possível se falar sobre grandes conquistas das organizações dos movimentos negros e da sociedade civil".

Sobre as conquistas das políticas públicas de inclusão do negro na sociedade e consequentemente na Educação, lançadas pelo governo, Rosângela pediu-nos que pensássemos que os problemas dos negros tendem a ser uma utopia, já que existe uma ideia de autocracia que enfraquece o movimento democrático e o movimento de inclusão do negro como uma raça que foi, durante muitos anos, desfavorecida pela história do país. Para ela fica evidente que o problema racial está mascarado em pesquisas, pois as pessoas nunca se dizem racistas ou pertencentes à raça negra.

"Me lembro que de um questionário em que a primeira pergunta era se a pessoa se considerava racista. A maior parte das respostas foi: não me considero racista (90%). Mas, a segunda pergunta, se a pessoa conhecia alguém racista, em quase todas respostas (98%) foi sim, eu conheço. O que conclui que há uma dificuldade de se enfrentar a propagação do racismo, a partir das pessoas. Para que isso fosse vencido foram feitas várias campanhas para saber onde o racismo é guardado", salientou Rosângela.

Para a participante do Geledés: "assim é impossível pensar uma educação onde desconhecemos a cor que prevalece em vários lugares do país, mas é preciso tentar pensar que existe em torno da escola uma nova pedagogia capaz de refletir a desigualdade racial". Para Rosângela: "É primordial se pensar a educação considerando todos os fatos que envolveram a história da cultura negra no país e que faz dela parte integrante do desenvolvimento de sua memória".

Colômbia: educação como um exemplo a ser considerado

O palestrante Orlando Pulido da Universidade Pedagógica Nacional e do Fórum Latino-americano de Políticas Educacionais (Flape) nos mostrou que as dificuldades enfrentadas pela Colômbia não são muito diferentes das encontradas em grande parte dos países da América Latina. Diversidade, autoridade, diferença, desigualdade são, para Pulido, os piores problemas que a Educação enfrenta nos nossos países.

Para Pulido "a América Latina apresenta uma incongruência ante às políticas públicas para a Educação, já que não existe uma política equitativa". Ele considera que essas mesmas políticas públicas são exercidas em várias outras áreas, como economia, por exemplo.

"Políticas para várias áreas concluem que somos diversos, mas não somos diferentes e que a construção de sociedades diferentes - reconhecimento da diversidade - nos levará a uma intercultura movimentando todos os países da América Latina", exemplificou Pulido.

Falando da Colômbia, ele nos contou sobre a convivência dos colombianos com grupos indígenas. "A inclusão de populações marginalizadas pela Colômbia consolidou a posição desses grupos na sociedade que há muito reivindicavam sua posição" garantiu Pulido.

E para que isso fosse realizado foi preciso que os moldes de uma escola antiga não pudessem ser utilizados hoje em dia. Era preciso que se aceitasse a presença de atores diversos, a presença de pessoas de várias raças, várias camadas sociais etc. "Na Colômbia promovemos o discurso social em prol do indivíduo, e o que é bom para a Colômbia é bom para os outros países amigos", sentenciou Pulido.

História também contribuiu para o modelo de Educação

O representante do Ministério da Cultura (MinC), Sérgio Mamberti, nos falou sobre a história do país marcada por lutas a favor de uma democracia que levaria a uma melhor Educação. Contou das diversas lutas desde a Inconfidência Mineira, Golpe de 1964, AI-5 etc., mas também nos falou que as manifestações de cultura sempre acompanharam estas lutas como, por exemplo, a Semana de Arte Moderna, o Cinema Novo, a música de Carlos Lyra.

"O binômio Ação e Cultura, possibilitou a população progredir e alavancar sua ascensão cultural. Apesar das correntes contra essa forma de exercer a democracia, muitas lutas ocorreram para que fosse possível a manifestação da população em prol da cultura - e aí está contida toda a forma de Educação", nos explicou Mamberti sobre a evolução da história da educação e cultura no Brasil.

Para ele, o tempo foi muito longo para que pudéssemos chegar à democracia - 50 anos se passaram diante da luta por uma sociedade mais democrática. Mamberti salientou, no entanto, que a Unesco foi um grande provedor da política das diversidades e dessa conquista efetiva dos movimentos pela libertação e pela democracia, dos últimos anos, quando expôs toda a diversidade cultural e características de cada país.

E concluiu: "a realidade brasileira pôde ser manifestada por meio das artes - teatro, música, cinema, toda diversidade cultural - com muita luta e disposição para que a democracia prevalecesse e não houvesse espaço para uma opinião manipuladora".

E assim se passou essa manhã de muito calor em Nova Iguaçu. Professores dispensados de suas aulas para participarem do evento davam um exemplo de cidadania e estavam ali prontos para construir com uma nova sociedade, baseada, sempre, em uma melhor Educação. Exemplo e esperança, professores e estudantes, doutores e leigos, unidos em prol da Educação.

3/4/2006

Publicado em 11 de abril de 2006

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