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A influência da psicanálise na educação

Andréa Barroso Sarmento

Psicóloga clínica Coordenadora do Projeto Convivências para alunos de intercâmbio da Puc-Rio

Sigmund Freud - 150 anos do seu nascimento (1856 – 2006)

Qual é o significado secreto de celebrarem-se os grandes números redondos do aniversário de alguém? Certamente uma medida de triunfo sobre a transitoriedade da vida que, como nunca nos esquecemos, acha-se sempre pronta a nos devorar. Por isso a gente se rejubila com uma espécie de sentimento comunal pelo fato de não sermos feitos desse material tão frágil que nos proíbe de resistir vitoriosamente aos efeitos hostis dos 60, 70, ou mesmo dos 80 anos.
Carta de Freud a E. Jones, em 21 de julho de 1935

O legado freudiano - teórico, clínico, ético - admite incontáveis pontos de abordagem. Abordá-los, interrogá-los e aprofundá-los é a tarefa daqueles que pretendem manter vivo o trabalho de Freud e dele continuarem extraindo todas as consequências possíveis, ainda hoje, após 150 anos de seu nascimento e 67 anos após sua morte (1856 - 1939). A partir de sua teoria sobre o Inconsciente iniciou-se uma nova concepção do indivíduo. A descoberta da Psicanálise trouxe novas formas de ver o homem, a cultura e o mundo.

A palavra "psicanálise" fez sua aparição em 1896, num texto de Freud redigido em francês. Um ano antes, ele havia publicado juntamente com seu amigo Josef Breuer, seus famosos Estudos sobre a histeria, onde relata o caso de uma moça judia e vienense que sofria de uma estranha doença de origem psíquica na qual eram postas em cena fantasias sexuais por intermédio de manifestações no corpo. A história dessa paciente viria a se tornar um marco na trajetória da teoria psicanalítica de Freud, pois é à experiência clínica do caso Anna O., que se atribui à invenção do método psicanalítico: um tratamento baseado na fala, um tratamento em que o fato de se verbalizar o sofrimento, de encontrar palavras para expressá-lo, permite, se não curá-lo, ao menos tomar consciência de sua origem e, portanto, assumi-lo. Essa é a grande marca do pensamento freudiano: a concepção radical do homem como portador, a um só tempo, da palavra e do corpo - alquimia heterogênea entre desejo e significante que o condena a uma inexorável divisão. A Psicanálise constituiu-se, por isso, em um modo novo de abordar as condições psíquicas correspondentes a estados de infelicidade e a comportamentos antissociais, influenciando o tratamento clínico psicológico e psiquiátrico moderno.

É isso que a Psicanálise pode oferecer ao mundo: a possibilidade de viver o sofrimento psíquico com um Outro, para poder, gradativamente, se apropriar dos meios de suportá-lo e de transformar a si mesmo.

Assim sendo, a Psicanálise não pode fazer o papel da Educação e não pode ser considerada salvação para todos os problemas educacionais, mas sim, auxiliar no maior conhecimento do funcionamento psíquico e inconsciente dos sujeitos envolvidos nesse processo.

"O trabalho da Educação é algo sui generis: não deve ser confundido com a influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela"
(Freud, 1976 p.342)

Sob este ponto de vista, as questões inconscientes que permeiam a relação triangular professor/aluno/objeto de conhecimento remetem ao campo transferencial. É por efeito da transferência que o aluno se identifica ao professor, fator fundamental para que haja aprendizagem. Ainda sob a influência da teoria psicanalítica, esse educador poderá tomar consciência de seu papel e da importância da transferência na relação e adotar uma postura reflexiva quanto ao exercício de sua função de educar. Ao professor caberia o lugar de poder, onde atuará como mediador entre o aluno e o conhecimento.

Segundo Millot (MILLOT,C. in Freud antipedagogo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.), Freud, com conhecimento de causa, afirmava que era preciso incluir a Psicanálise entre as profissões impossíveis, ao lado da Educação e da arte de governar. As três repousam sobre os poderes que um homem pode exercer sobre o outro, mediante a palavra, e as três encontram os limites de sua ação, no fato de que não se submete o Inconsciente - pois é ele que nos sujeita (1987, p.151).

Como pensar, então, a tomada de posição da Psicanálise no diálogo com outros campos do saber, entre eles, a Educação, de forma a não minimizar os impasses que a proposição do Inconsciente como produção engendram? Impasses que colocam em primeiro plano a invenção, a criação e a responsabilidade. Responsabilidade ali onde não é possível transformar verdade em saber. Responsabilidade pelas verdades que emergem, mas das quais não se pode saber tudo. É justamente por que há este silêncio no lugar de um saber sobre a verdade, por que há vazio no lugar desde onde emergem os clamores pulsionais, que nos é possível inventar, criar. Aquilo que diz respeito à verdade do sujeito não é passível de se transformar em um saber, mesmo que insistamos em produzir esta operação. O que se instaura como invenção, invenção do próprio Inconsciente, é efeito também desta impossibilidade de conversão da verdade do sujeito em saber (conhecimento). Como esta operação se mostra impossível, o sujeito inventa, cria uma ficção que dê conta daquilo que supõe ser o seu lugar frente ao Outro.

Leia também: Psicanálise e educação: um diálogo indispensável

Publicado em 09 de maio de 2006

Publicado em 09 de maio de 2006

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