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Despoluição em áreas urbanas

Gilmar Massone

Administrador de empresas pela Universidade Santana. Especialista em engenharia de saneamento básico pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo(USP)

Córrego Carajás no Parque da Juventude

Guilherme Machado Paixão

Engenheiro mecânico pela PUC-MG e MBA em Administração para Engenheiros pelo Instituto Mauá de Tecnologia

APRESENTAÇÃO

O Córrego Carajás, localizado na Bacia de Esgotamento Carandiru, Zona Norte do município de São Paulo, atravessa o bairro de Santana e deságua no Rio Tietê, em área de atuação da Unidade de Negócio Norte da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Neste percurso ele passa pelo Parque da Juventude, área de esportes e lazer construída pelo governo do Estado de São Paulo.

A bacia do Córrego Carajás drena uma área de aproximadamente 6,70 km². A área é totalmente urbanizada. A ocupação é de aproximadamente 85% de áreas residenciais e 15% de uso comercial e industrial, conta atualmente com 185 km de redes no sistema coletor, incluindo coletores-tronco. A população estimada pelo Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 75.700 habitantes, resultando uma relação de 3,53 hab./domicílio.

Os bairros que compõem a maior parte da bacia têm padrões alto e médio, com pouca verticalização, do tipo unifamiliar. Possui eixo comercial e industrial estabilizado; a infraestrutura urbana é totalmente coberta por rede coletora de esgotos, tendo número médio de 21.152 ligações, porém com deficiências na coleta (interligações clandestinas na rede pluvial) e lançamentos em não-conformidade (nas galerias de águas pluviais, contribuindo para o Córrego Carajás). A representatividade desta característica segue o mesmo padrão da maioria das áreas urbanas consolidadas existentes na região.

A preocupação com a despoluição se deu pelo forte odor e aspecto turvo de suas águas, fazendo com que essa área do parque fosse evitada pelos usuários, tanto pela poluição das águas quanto pela degradação causada pelo abandono na limpeza do leito.

OBJETIVO

Este estudo foi elaborado com o objetivo de enumerar e eliminar as cargas poluidoras afluentes no Córrego Carajás, especialmente as pontuais, de forma a melhorar a qualidade da água em seu percurso, e desenvolver um programa de educação ambiental que minimize as cargas difusas e que possa ser aplicado como modelo em outras bacias com características e ocupação semelhantes.

MÉTODO

A equipe formada interdisciplinarmente foi orientada quanto aos resultados esperados para o final de projeto, onde se esperava um DBO 5-20 < ou = a 30 mg/l, e o empenho das unidades e das pessoas envolvidas.

O programa de despoluição foi iniciado em setembro de 2004. O método utilizado foi a despoluição de todos os afluentes do córrego principal, com eliminação de lançamentos provisórios de esgotos nos córregos e nas galerias de águas pluviais existentes na bacia de esgotamento.

O primeiro diagnóstico com relação ao sistema de esgotamento da bacia foi feito sobre o cadastro existente, em que foram constatados 16 pontos de lançamentos provisórios de esgotos em córregos ou galerias (falta de interligação nos coletores existentes), além de quatro lançamentos identificados previamente e que já haviam sido regularizados.

Nessa fase, foi feita a primeira coleta, em locais pré-determinados, para análise na Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), e o resultado de DBO 5-20 foi de 193 mg/l. A partir desse primeiro resultado foi estabelecida rotina semanal para a coleta das novas amostras.

Posteriormente foram redesenhados os limites da bacia de esgotamento e da bacia hidrográfica, com o mapeamento de todos os fundos de vales existentes, pois, em tese, a despoluição do córrego estava relacionada com seus afluentes e os impactos estavam nas contribuições de esgotos nas galerias de águas pluviais.

Foram executadas vistorias em todos os poços de galerias de águas pluviais e bocas de lobo existentes na bacia e nos poços de visitas de esgotos que, de alguma forma, poderiam impactar na poluição. Pode-se considerar essa como a principal fase do programa e a mais importante para o sucesso da despoluição.

Nessa fase foram encontrados 46 novos lançamentos em não-conformidade o que elevou o número inicial para 66 pontos de poluição.

Em paralelo, foram mapeadas todas as quadras que envolviam fundos de vales secundários e que contribuem para o Córrego Carajás. Foram identificados 3.885 imóveis que foram objeto de estudos com inspeções e teste de corante por serem limítrofes às galerias de águas pluviais em fundos de vales.

A identificação de um número que pudesse quantificar os valores de contribuição de esgotos na bacia surgiu com o retalhamento da bacia em 29 microbacias de esgotamento e o volume micromedido do consumo das ligações de água em cada microbacia.

Pelo volume total consumido de água pela bacia, foram calculados os volumes de contribuição de esgotos das microbacias e definidos os percentuais de poluição.

O volume de geração potencial de esgotos da bacia, utilizando-se K de retorno = 0,8, era de 22,3% (68.351 m3/mês), e de contribuição para a rede pluvial de 77,7 % (238.762 m3/mês), perfazendo um total micromedido na bacia de 383.892 m3/mês.

MONITORAMENTO DO CÓRREGO

O acompanhamento qualitativo das águas do córrego, efetuado pela Divisão de Controle Sanitário Norte e Cetesb, tem como objetivo caracterizar a carga poluidora, antes das ações a serem desenvolvidas e após a implementação das mesmas. Todas as coletas realizadas estão sendo analisadas nos laboratórios da Cetesb (DBO, DQO, nitrogênio amoniacal e total, fósforo, óleos & graxas, oxigênio dissolvido, série de sólidos e coliformes) e da Divisão do Controle Sanitário Norte - (DBO, DQO, SST, sólidos sedimentáveis coliformes). Na série de sólidos são analisados os sólidos suspensos totais, fixos e voláteis, e os sólidos sedimentáveis. A partir de outubro de 2004, foi iniciado o monitoramento semanal do córrego em dois pontos distintos, a montante e a jusante do Parque da Juventude.

Os resultados permitiram monitorar a queda dos níveis de DBO em relação às intervenções executadas, relacionadas com o volume micromedido das ligações de água da microbacia de contribuição.

Como indicador da despoluição está sendo considerada graficamente a queda do nível de DBO 5-20 com as intervenções e os percentuais que elas representam em contribuições de esgotos nas microbacias.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O objetivo principal no desenvolvimento do programa de educação ambiental foi o de sensibilizar a população do entorno da bacia e da população flutuante do Parque da Juventude.

A premissa básica nesse tipo de programa é conscientizar a população de que as cargas poluidoras na bacia não são essencialmente provindas dos esgotos, mas de fontes difusas, ou seja, é necessário atuar sobre os inúmeros agentes poluidores, de forma coordenada e com objetivos muito bem especificados.

Com esse foco foi desenvolvido um conjunto de ações, com a parceria e atuação integrada das várias esferas governamentais, não-governamentais e da comunidade.

Foram identificadas 25 instituições de ensino na sub-bacia visando o desenvolvimento de um programa de educação ambiental para os diretores e coordenadores pedagógicos. O objetivo foi sensibilizar e estabelecer parceria na multiplicação das ações para a população estudantil.

Foi estabelecida parceria com a Ong "Água e Cidade" em projeto que se iniciou em maio de 2005, com a formação e capacitação de pelo menos um professor de cada estabelecimento escolar, com um público aproximado de 1.400 alunos de 5ª série.

Foi aplicado junto à comunidade o Projeto Ensinando a Pescar / Curso de Capacitação e Noções Básicas de Hidráulica Predial, palestras sobre o Programa de Uso Racional da Água / PURA e promoções de eventos de caráter ambiental nas dependências do Parque, como Dia Internacional do Meio Ambiente, Dia do Rio Tietê e Dia Interamericano da Água.

Estão em andamento visitas em imóveis que não estão ligados à rede coletora de esgotos para conscientização e orientação sobre a importância da execução das ligações, estimulando a mudança de hábitos e comportamento e alertando para os riscos de doenças de veiculação hídrica.

Mensalmente são realizadas reuniões com lideranças comunitárias, representantes de Consegs e Subprefeituras das áreas da bacia, que incluem a despoluição do Córrego Carajás no Parque da Juventude entre os assuntos discutidos.

A equipe técnica da Divisão de Esgotos está visitando todos os postos de gasolina, lava-rápidos e indústrias com o objetivo de verificar as instalações internas e qualidade dos lançamentos, além de suas estruturas como caixa de retenção de óleo, de areia e processos de tratamento.

Todas essas ações visam a otimizar a parcela das cargas poluidoras que são lançadas nas redes coletoras de esgotos e minimizar os impactos da poluição difusa que se depositam ao longo das galerias em tempo seco e que são arrastadas para o córrego quando da ocorrência dos eventos de chuva.

Vale ressaltar que para a manutenção do nível de qualidade das contribuições das águas das microbacias, além de todos os programas voltados para a educação ambiental, é necessária a limpeza periódica dos pequenos cursos de água afluentes, das bocas de lobo, das galerias e principalmente do trecho a céu aberto que corta o Parque da Juventude.

PROJETOS E OBRAS

Como exemplo positivo desse trabalho de despoluição, vale enfatizar que o grupo selecionado para a "caça ao esgoto" foi composto por funcionários das áreas de planejamento, projeto, manutenção e obras.

As vistorias foram feitas no decorrer de dois meses, e todas as intervenções foram decididas em comum acordo do grupo, que tinha como objetivo, facilitar a execução, viabilizar recursos e projetos para que as obras fossem executadas dentro de parâmetros pré-definidos para uma melhor manutenção da rede.

Das 66 ações previstas 58% já foram executadas, diminuindo a média mensal de DBO de 193 mg/l em set/2004, para DBO = 14 mg/l em Jan/2006.

Foram executadas 38 intervenções com a execução de 1.762 metros de redes e limpeza / consertos em vários trechos que resultaram num alto índice de despoluição, aumentando a coleta de esgotos de 22,3% para 83,1%.

Estão previstas, em projetos já elaborados, as execuções até março de 2006 de 4.825 m de redes coletoras para a regularização do restante da captação de esgotos da bacia, a maioria das redes será executada para ligações não factíveis em fundos de vales e em meio de quadras, que deverão ser construídas entre os imóveis, e trechos de reversão, onde alcança profundidades de até oito metros, por métodos não-destrutivos.

Os projetos e as obras nessa fase do programa, além de requererem maior criatividade, pois as interligações não seguem padrões normais, necessita de maiores investimentos e acompanhamento técnico constante, procurando minimizar ao máximo erro construtivos que possam gerar no futuro trabalhos de manutenção.

As dificuldades encontradas em fundos de vales em meio de quadras em algumas situações esbarraram em condições técnicas de execução das obras por não haver espaço para construção de rede coletora.

Para esses casos foi desenvolvida e está em fase de instalação uma válvula com dupla função: dar passagem às contribuições de esgotos em galeria de águas pluviais em tempo seco para o sistema regular de esgotos, e no mesmo sentido de fluxo regulado pelo aumento de vazão, reter as águas pluviais e o esgoto em tempo de chuva, direcionando o refluxo para a própria tubulação de água pluvial.

RESULTADOS

Os resultados obtidos com as interligações e pequenos prolongamentos nas principais microbacias de contribuição têm superado as expectativas de despoluição. Os índices de DBO 5-20 têm se mostrado em queda, tanto pela análise da Cetesb, quanto pela Divisão de Controle Sanitário Norte.

A mancha da área poluída já se mostra significativamente menor, o indicador já se encontra menor que a meta estabelecida, e a expectativa continua sendo de queda.

RESUMO

Este trabalho propõe uma metodologia de controle e despoluição de bacias com sistemas de esgotamento existente e que sofreu diversas formas de intervenções nas suas instalações. O formato utilizado, diferente dos programas de despoluição até então adotado foi o de rastrear toda a malha de águas pluviais e dela retirar os pontos poluidores. A diversidade de situações irregulares poluidoras exigiu para cada impacto descoberto métodos muitas vezes não convencionais, e em situação de extrema complexidade, alternativa criativa para solução despoluidora.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Os dificultadores para realizar as interligações das redes coletoras de esgoto são de ordem técnica de execução de obras em área urbanizada, como interferências e os incômodos causados à população (tráfego, sujeira).

Mesmo realizando as interligações nas redes coletoras de esgoto, a Bacia do Córrego Carajás não será totalmente despoluída, devido à poluição de origem difusa (lançamentos irregulares de águas servidas nas galerias de águas pluviais e o carregamento de agentes poluidores que afluem aos corpos d'água por ocasião dos eventos de chuva), cujas cargas poluidoras são minimizadas com o Programa de Educação Ambiental.

Pode-se assegurar que, com as ações da Cetesb na construção das interligações e na adoção das medidas de controle de monitoramento do córrego, aliadas à participação ativa da população conscientizada pela educação ambiental, proporciona-se um meio ambiente saudável que melhora a qualidade de vida da população atual e das futuras gerações, contribuindo para o desenvolvimento sustentável na referida bacia, estendendo-se para toda a nossa cidade.

Vale ressaltar a importância na implantação de um monitoramento intensivo e constante nesta bacia e em outras bacias representativas, concomitante às medidas de controle adotadas, para dimensionamento do problema e avaliação da eficácia das ações empreendidas, subsidiando o planejamento dos futuros programas de despoluição das bacias da cidade. Por se tratar de correções em um sistema já existente, a especificidade de cada impacto possui características de difícil diagnóstico causado pela interferência de diversos fatores, tanto estruturais (interferências), como não estruturais (ambiente social). Isto posto, recomenda-se que todas as fases do projeto sejam tratadas por especialistas, com análises e vistorias pontuais em todas as ações, desde o planejamento até a vistoria final da obra.

Considerando que a população, mesmo que indiretamente, gera todas as ações públicas, as mesmas ao serem desenvolvidas e implantadas, devem ser divulgadas de forma direta a toda a população, com o objetivo de envolvê-la e torná-la responsável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a simplicidade das ações implementadas na sub-bacia do córrego Carajás e os resultados alcançados, com foco em objetivos bem definidos, determinação e dedicação, se a mesma linha for aplicada nas outras subbacias do município de São Paulo, pode-se em tempo pré-definido facilitar e otimizar a despoluição do Rio Tietê.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MASSONE, G. Belatti, S.R., MARTINS, L. G., LIMA, U.R. - Estudo para Adequação do Sistema de Esgotamento Sanitário em Sub-Bacias Individualizadas - Bacia do Mandaqui. [TCC - FSP - USP]. Trabalho de conclusão do curso de Especialização em Engenharia de Saneamento Básico. São Paulo; 2003.

Sabesp. Planos Integrados Regionais. São Paulo; 2000.

PMSP. Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. São Paulo; 2002.

Sabesp. Otimização de Rede Coletora da Bacia TO-20 à TC-28 - Contrato ME 9.193/00.São Paulo; 2002.

SMA e Cetesb. Avaliação da poluição por fontes difusas afluentes ao reservatório Guarapiranga - Relatório Síntese. São Paulo; 1998.

Publicado em 06 de junho de 2006

Publicado em 06 de junho de 2006

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