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Democracia representativa ou democracia direta

Mara Lúcia Martins

Eleições

A questão é complexa, mas é democrática

Um costume habitual (entre os persas) é o de deliberar sobre assuntos importantes quando estão embriagados e, no dia seguinte, quando estão sóbrios, o dono da casa na qual a decisão foi tomada submete a deliberação à sua reconsideração. Se aprovada novamente, a decisão será executada, senão, é abandonada. Às vezes, no entanto, estão sóbrios em sua primeira deliberação, mas nestes casos, sempre reconsideram o assunto sob a influência do vinho...
Heródoto (484-425 aC), Livro chamado CLIO

Feliz ou infelizmente, quando fazemos opções, temos que decidir por um dos lados, uma das metas, quais ideais, quais profissões etc. E quando se diz respeito às eleições - eleger os representantes que farão de nossos desejos leis concretas - não há como voltar atrás e reverter o já posto, o já eleito - com raras exceções como foi o caso do presidente Fernando Collor de Mello. Então o que fazer e qual o melhor caminho a ser seguido? Qual a melhor representação que podemos escolher?

É preciso, primeiramente, que se saiba a diferença entre a democracia direta e a democracia representativa. Na resposta mais adequada o que tem que se levar em conta sempre é a luta entre duas classes antagônicas – o povo e o poder. A democracia direta é quando podemos escolher através do voto direto e participar assim das decisões do grupo que adota essa forma de governo. O consenso é buscado nas discussões e cada cidadão vale por si mesmo. Nesse tipo de democracia, não há repesentantes aos quais delegamos o poder de decidir por nós. Na democracia representativa escolhem-se representantes que farão as escolhas em nome dos que neles votaram, escolhas essas que são tomadas em nome do povo. É importante lembrar que não há nenhum Estado organizado pela democracia Direta. Essa existia na Grécia antiga e era a forma de organização da polis onde nasceu a democracia, Atenas. Nas sociedade modernas, o modelo adotado é sempre o representativo. As duas formas de democracia expressam uma mesma necessidade de construir uma organização.

Voto e luta

E uma organização serve para discutir, apresentar soluções e alternativas; para decidir estratégias e táticas (separando ação e discussão, voto e luta). O que acontece é que muitas vezes a decisão de uma camada da população exibe a falta de noção do que está em jogo, por falta de informação e acesso aos meios que explicam os sistemas e como se faz para adequá-los ao desenvolvimento do país. Por outro lado, existem atitudes que decorrem da mais completa ignorância das lutas do dia-a-dia, e que correspondem a somente à teoria, como processos puramente intelectuais. Mais uma vez o antagonismo é a questão, e mais uma vez fica explícito que nenhuma das duas escolhas é perfeita.

Nesse caso é bom falar do sistema que rege o país: o capitalismo - este sim responsável pelas desigualdades e falta de representatividade de uma camada significativa da população. Exploração, interesses corporativos, desigualdade de educação e informação, opressões diversas etc. continuarão a influir no funcionamento e nas estruturas das decisões gerais. Fica evidente que existe uma "panelinha" e que ela, tanto nos sindicatos quanto nas grandes eleições, decidirá o que será mais importante para um total que nem sabe o que está acontecendo. Não por acaso. No fato dos representantes de sindicatos, grêmios estudantis etc., os militantes, por exemplo, são os únicos que, com raras exceções, falam nas assembleias; sabem como as manobras (sobre quem fala o que, quando e como) acontecem; integram os comitês de greve; os comitês são coordenados por eles e as coordenações se autoproclamam representantes da luta. Este é o funcionamento normal e inevitável da democracia representativa, da assembleia democrática pela base e de qualquer outra fórmula que tente dissimular o atual caráter dessas instituições. A democracia representativa e a democracia direta apenas reproduzem a desigualdade do sistema capitalista.

Poder popular

Dizem-nos que as assembleias gerais realizam a unidade, mas essa unidade é tão fictícia como o poder popular. A auto-organização ainda é um esquema visto como espontâneo, e a falta de bases teóricas e, o ignora como prática de consolidação - a espontaneidade não é um bem e reflete mais um ponto negativo no antagonismo de classes. O povo é visto como indivíduos desorganizados, como massa disforme e totalmente fragmentada. São considerados iguais e livres. E, se concordam, então existe unidade, bastando que o número de cabeças seja contado para tomar decisões, sendo o máximo votar sim ou não, o que é plenamente um fracasso visto por alguns militantes.

Isso leva a crer que a democracia direta não existe e nunca existiu. Democracia representativa e democracia direta não equivalem à democracia falsa e democracia verdadeira. São apenas duas técnicas diferentes de mediação.

Direita x esquerda?

É comum que os partidos de esquerda decidam pela democracia direta e os partidos de direita sejam a favor da democracia representativa. Mas tudo pode ser visto como pura especulação quando os destinos de uma nação estão em jogo. E brigas partidárias não ajudam em nada, muito pelo contrário, chegam a atrapalhar. Notório é que TODOS temos direitos e deveres. O que deve ser pensado é que as duas alternativas deveriam estar ligadas entre si. Direito de escolha e dever de ter conscientização para se aprofundar e fazer do uso desse direito é uma responsabilidade.

Intelectuais versus povo, direita versus esquerda, o que não se pode nunca é que seja tolhida a possibilidade do livre arbítrio. Vivemos presos a vários dogmas e quase não temos direitos para declarar nossas verdades. Para quê serviria a democracia então? Não podemos transformar democracia em ficção fazendo com que o capitalismo ganhe a questão e se mantenha como sendo um ponto onde a democracia não está presente. Por isso vale a pena lutar!

O mais importante é ressaltar que a luta do povo se manifesta pela democracia direta e não pela democracia representativa. O povo vota quando participa nas eleições políticas ou sindicais e, também, quando luta. E democracia representativa não é um direito das sociedades de classes, pois o povo é caracterizado como ilegal e o Estado tem que intermediar todas as classes antagônicas para que não acha beneficiários e sim a neutralidade.

No fim as discussões são pertinentes, sim. Mas o que fica evidenciado é que se a democracia está em primeiro plano isso significa um passo enorme em prol do bem comum. Voto direto, voto por representantes, seja para eleições para presidente seja para síndico do prédio é sinal de que a democracia está sendo aplicada: e aí o que importa é o voto como realização do poder do povo e para o povo.

Publicado em 06 de junho de 2006

Publicado em 06 de junho de 2006

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