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Uma celebração à vida
Mara Lúcia Martins
Gabriel García Márquez, conhecido escritor colombiano de, entre outros, "Cem Anos de Solidão", Prêmio Nobel de Literatura em 1982, nos brinda com o romance "Memórias de Minhas Putas Tristes" - o primeiro em dez anos -, que conta a história de um homem prestes a fazer 90 anos. O que poderia parecer uma vida monótona e cheia de lugares comuns é transformado pelo autor em um romance cheio de lirismo e boa escrita, prática comum de seu requinte ao escrever.
O livro mostra um jornalista feio e tímido - seu nome não é revelado - que no dia seu 90º aniversário pretende transar com uma adolescente ainda virgem, depois de ter passado toda a sua existência pagando para fazer sexo com prostitutas. Ele contrata os serviços de uma "velha" conhecida, a cafetina Rosa Cabarcas, dona de uma dessas casas clandestinas onde as "novidades da casa" são disponíveis para os clientes de maneira a satisfazê-los sempre, mas desprezada por ele que tem uma maneira singular de contratar suas escolhidas.
Modo de viver do personagem
Ele possui uma casa, herança dos pais, e vende, aos poucos todos os objetos de valor herdados para manter um padrão que dê ao menos para comprar o essencial para sua sobrevivência e suas idas eventuais idas ao prostíbulo de Rosa Cabarcas. O sustento do trabalho - enfrenta a modernidade, mas tem sua atividade profissional reconhecida como contribuição da experiência - vem com a pensão por ter sido "domador de telegramas", é professor de gramática castelhana e latim, com resenhas de música e teatro e com uma coluna dominical.
É praticamente uma vida sem muito brilho a que leva nosso protagonista, mas que com o prenúncio de fazer os 90 anos resolve modificá-la para torná-la mais espontânea. Apesar dos indícios do grande dia ser o mais comum dentre todos já vividos igualmente e do valor dado mais ao social do que a qualquer outro valor - nosso anti-herói resolve modificar sua vida se humanizando, por intermédio do fantasma da impotência, já que o amor ainda é uma força a resistir.
A menina Delgadina
Cabarcas escolhe a menina e nesse escolher determina a essência do livro e de sua função - a escolha perfeita dos pares. A menina, de 14 anos - ele inventa seu nome baseado em uma canção e assim começa a chamá-la de Delgadina -, é acalmada para enfrentar "a primeira vez" com um remédio - Valeriana - que a faz dormir a noite inteira. Vendo-a nua durante todo o período em que esteve no quarto com a menina, ele começa a se interessar por ela de uma maneira diferente - homenagem de García Márquez à fábula A Bela Adormecida de Charles Perrault. E assim começa uma história incomum entre os dois - a relação que se transforma de sexo puro e simples e começa a se estabelecer como uma conexão de amor.
Outras noites são encomendadas e repetidas as vezes em que ela dorme e ele somente assiste-a a dormir. Apesar dos 90 anos ele sempre confidenciou que daria conta do recado - a impotência não é o que o assusta -, mas o tempo que eles demoram para concretizar o ato é modifica a história completamente.
Várias idas à casa se sucedem e ele sempre pede a mesma menina. Nessas idas, vendo-a tão carente de posses - ela trabalhava o dia inteiro como costureira, pregando botões em uma fábrica - ele começa a transformar o ambiente do quarto em um lugar mais aconchegante, levando flores, ventilador, chocolates e até experimentando os atos "ridículos" de quem ama ao experimentar andar na bicicleta que havia comprado para Delgadina ir trabalhar. E até suas colunas domingueiras passam a ser colunas para ela e se transformam em colunas de amor.
Conhecendo o ciúme
Acontece um assassinato e a casa é fechada sumindo todos, inclusive Degaldina. Ele fica desesperado à sua procura e tenta achá-la de qualquer modo. Nesse grande intervalo ele encontra-se com uma outra prostituta que costumava atendê-lo e que teve a vida transformada - estava casada e não mais atendia a clientes - e percebe que por ela e até mesmo a empregada que antigamente atendia às suas necessidades sexuais ele poderia ter tido uma relação de amor, e que ambas o achavam um homem capaz de amar e ser amado. Ao mesmo tempo descobre o ciúme - pretensão de quem ama e quer amor exclusivo - por Degaldina, sentimento que desconhecia por ficar somente com mulheres que poderia pagar.
Então, ele percebe que toda a ansiedade que sentia em ver a menina não passava de um grande amor - o seu primeiro amor. Encontra novamente Rosa Cabarcas, que reabre a casa, e pede a ela que encontre a menina novamente. Prepara-se exemplarmente e prepara também o ambiente do quarto. Fica extremamente nervoso com o primeiro encontro romântico depois que descobre o amor e, no entanto, por intermédio de Cabarcas, percebe que não precisava ficar tão nervoso porque a menina também estava apaixonada por ele. Assim, ele sente que pode viver com esse amor e até morrer dele.
Assim, conta-nos, com maestria, Gabriel García Márquez uma história do primeiro amor vivido por um homem aos 90 anos, quando para a maioria das pessoas a vida está acabando, juntando experiência e inocência para marcar a trajetória do desejo de morrer de amor e não morrer de velhice.
Ficha técnica do livro:
- Título: Memórias de Minhas Putas Tristes
- Autor: Gabriel García Márquez
- Gênero: Romance
- Produção: Ed. Record
Publicado em 10/1/2006
Publicado em 10 de janeiro de 2006
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