Gravidez precoce e desigualdade social

Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que uma em cada cinco gestantes no Brasil é adolescente. No ano passado, foram mais de 628 mil meninas grávidas, também segundo o Instituto. Como esses números se traduzem na vida real? Olhar para o universo de meninas, entre 13 e 15 anos, de comunidades de baixa renda, que estão engravidando pela primeira vez e relacionar a gravidez precoce com a reprodução do ciclo da pobreza é o a cineasta Sandra Werneck ("Cazuza - O Tempo não Pára", "Pequeno Dicionário Amoroso", entre outros) mostra no documentário "Meninas", desde maio nos cinemas do Rio de Janeiro.

Sandra e sua assistente Gisela Câmara acompanharam por um ano o cotidiano de quatro meninas, Evelin, Edilene, Luana e Joice, todas no primeiro ano de gravidez, moradoras de favelas do Rio de Janeiro. Evelin, 13 anos, está grávida do namorado, de 22, que trabalhava com tráfico de drogas na favela da Rocinha. Luana, 15 anos, vive com a mãe e desde cedo ajudou a criar suas quatro irmãs. Há meses ela alimentava a ideia de ter um filho, logo, nem pensou em aborto quando descobriu que estava grávida. Já Edilene, 14 anos, ainda vive dois dramas além da própria gravidez: sua mãe espera outro filho e Alex, seu namorado, também engravidou sua vizinha Joice, de 15 anos.

Apesar do foco inicial ser a pouca idade das protagonistas - a mais nova tem 13 anos e a mais velha 15 - aos poucos, o documentário revela que a idade é apenas um detalhe na vida dessas jovens de comunidades. Ao contrário do que se pensa, a causa principal não é a falta de informação. Fica claro, nas entrevistas, que todas elas sabem como engravidar, como evitar a gravidez, o que é camisinha e o que é pílula, e sabem o que é sexo. Seja pelas campanhas públicas, seja pela realidade à sua volta (histórias que se repetem na família, vizinhos etc.), engravidar não é um mistério para essas meninas. Para algumas delas, ser mãe representa a chegada à vida adulta, mesmo que não tenham total consciência das responsabilidades da maternidade e de se constituir uma família.

Aliás, esse é o "x" da questão. Para Sandra Werneck, que já abordou temas relacionados à criança e à adolescência como a exploração sexual e o trabalho infantil nos documentários "Damas da Noite", "Guerra dos Meninos" e "Profissão: Criança", a falta de estrutura familiar é a origem desses dramas sociais, vividos pelas populações de baixa renda das grandes cidades.

Já falei sobre muitos temas de prostituição infantil, de trabalho infantil. "Guerra dos Meninos" foi um filme visto pelo mundo inteiro, ganhou vários prêmios. Ele retrata a questão dos meninos de rua, do Esquadrão da Morte. Fiquei pensando: meu Deus, onde será que está o começo de tudo isso? Por que essas meninas têm filhos tão cedo? O que é isso? Fiquei curiosa e foi essa ideia que me levou ao documentário. O que é a maternidade para uma menina que deveria estar brincando de boneca ou começando sua fase de adolescente que é tão importante na vida da gente? Eu queria responder essas perguntas.", explica a cineasta.

Em nenhum momento "Meninas" se propõe a fazer um julgamento de seus personagens, ou um discurso moralista. Contando com depoimentos muito bons, tanto das garotas, quanto de suas mães, identifica-se, no entanto, a falta de sonhos pessoais e profissionais dessas jovens de baixa renda. Dessa forma, o filme torna-se um retrato preocupante de uma juventude pobre e sem perspectivas, que eterniza o ciclo de pobreza, ao qual se somam a baixa escolarização e a consequente falta de qualificação profissional.

Para mudar esse quadro, segundo Sandra Werneck, "preciso cuidar seriamente da educação, a começar pelas futuras mães. É preciso mostrar-lhes o que significa ser mãe. Para muitas, ter filhos é simples questão de status ou a realização de um sonho vago que não sabem exatamente o que é".

Publicado em 12/6/2006