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Descobrindo o Brasil

Pablo Capistrano

Quem descobriu o Brasil? Pergunta estúpida, resposta besta.

Quem descobriu o Brasil foi Jean Cousin. Já ouviu falar dele? Eu também nunca tinha ouvido falar do Jean Cousin até ler o livro Tristes Trópicos do antropólogo francês Claude Levi-Strauss. Lá na página 78, da edição brasileira do livro, Levi-Strauss fala desse tal Couisin, que trazia a bordo de seu navio uns tais de Pizón (nome de família) que teriam estimulado Colombo no seu projeto falho de circunavegação do globo. Teria sido um Pizón a comandar a caravela Pinta durante a primeira viagem de Colombo e um outro Pizón que, um ano depois, teria seguido uma rota conhecida que o teria levado até o cabo de Santo Agostinho, antes de Cabral.

Verdade ou alucinação, o fato é que os arquivos de Dieppe, que levantavam a hipótese da descoberta do Brasil pelos franceses se perderam num incêndio no século XVII, o que pode ser de um modo ou de outro, bastante frustrante para os nossos amigos franceses. Também é fato que a palavra Brasil já era documentada na Europa desde o século XII, e que designava um continente mítico, de onde surgiriam as madeiras usadas para tingir as vestes da aristocracia europeia. De imediato, o nome Brasil teria sido atribuído pelos franceses à tal Terra de Santa Cruz, o estranho País dos Papagaios, o que poderia indicar um trato íntimo com a terra nova.

Fato é que os franceses já estavam espalhados pela costa brasileira quando os portugueses finalmente resolveram ocupar essa terra e preparar o terreno para imensa limpeza étnica que gerou o espaço vazio necessário para esse povo mestiço se desenvolver. Da Guanabara ao Maranhão os franceses quase colonizaram o Brasil. Talvez por isso, depois que dom João veio para o Rio de Janeiro com sua corte e mandou chamar uma comissão de artistas franceses para ajudar a "civilizar" seu novo lar, essa francofilia tenha se instaurado na intelectualidade brasileira. Uma francofilia que contaminou poetas, cientistas, músicos e até imperadores brasileiros (veja só dom Pedro II) por mais de cem anos.

Disputas históricas à parte, talvez esteja na quase colonização francesa do Brasil a origem nesse nosso hábito tupiniquim de perder para a seleção francesa em Copas do Mundo. Se você relembrar, amigo leitor, vai perceber que a escola francesa de futebol é a que mais se parece com a brasileira na Europa. Tanto é assim que a esperança dos apaixonados por futebol era que a final da Copa de 1982 fosse entre o Brasil de Zico e a França de Platini. Duas escolas que primariam pela técnica dos jogadores e que não se contentariam em jogar esse futebolzinho funcional e burocrático que contamina as seleções europeias, especialmente as de influência da escola germânica.

Está definido. Somos fregueses da França. Adoramos perder para a França. Depois do show de Zidane no último sábado, não ouve choro nem ranger de dentes no campo. Poucos jogadores se desesperaram, houve sorrisos, abraços, piscadelas, beijinhos e afagos. Até mesmo uma certa cumplicidade no ar. Perdemos para a França mais uma vez e ninguém se matou em campo depois da partida. Talvez tenha sido uma grande perda o incêndio que levou embora os arquivos de Dieppe no século XVII. Talvez ali houvesse documentos de uma paternidade perdida e isso pudesse realmente resolver esse dilema edipiano que move a cultura brasileira. Mas, mesmo sem os tais arquivos, depois de ver a partida contra a França no último sábado, posso afirmar sem sombra de dúvidas: Levi-Strauss está certo: A França descobriu o Brasil.

Pubicado em 4/7/2006

Publicado em 04 de julho de 2006

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