Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Pesquisadora revela geografia de Machado de Assis
Leonardo Soares Quirino da Silva
Maior autor brasileiro situava contos e romances em áreas diferentes da cidade
A professora Marta de Senna defendeu na palestra Várias histórias na capital imperial: Machado de Assis a tese que o principal romancista brasileiro fazia uso diferenciado dos espaços da cidade em seus contos e seus romances. O evento, que aconteceu no dia 4 de julho, faz parte da série de palestras Rio Capital Imperial, promovido pela Casa de Rui Barbosa.
Pesquisadora do Setor Ruiano da Instituição, Marta declarou que "a escolha dos bairros não é aleatória, traduz um olhar crítico sobre os habitantes da cidade que não é geográfico, é social".
Rio dos romances
Segundo ela, Machado de Assis preferia situar os romances em áreas consideradas nobres da cidade, mas que esse uso nem sempre correspondia à realidade de então.
Botafogo, por exemplo, era o bairro onde moravam os novos ricos, os emergentes de seus romances. É lá que moravam Natividade e Santos, pais dos gêmeos Pedro e Paulo, de Esaú e Jacó. No romance, Santos teria ficado rico durante a Febre das Ações, de 1855.
No mesmo bairro vão parar três personagens de Quincas Borba depois de enriquecerem. Primeiro, o personagem principal, Rubião, logo depois de receber a herança que o traz de Barbacena para o Rio de Janeiro. Depois, os alpinistas sociais Sofia e Cristiano Palha, que mudaram de Santa Tereza para Botafogo quando Rubião começa a ficar demente.
Ela lembrou, contudo, que ao se olhar a história do bairro não se poderia afirmar isso. A primeira pessoa importante a mudar para lá é a rainha Carlota Joaquina. Em 1810, ela construiu um palacete na atual esquina da praia de Botafogo com a rua Marquês de Abrantes. O marquês, por sua vez, foi um dos moradores da casa que ela mandou construir e, por essa razão, a rua leva seu nome.
Marta observou que outra personalidade do Império a escolher o bairro para morar foi Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda, regente uno e quatro vezes presidente do Conselho de Ministros no Segundo Reinado.
Os personagens bem-nascidos, de família rica, moravam em outros bairros da cidade. Bentinho, de Dom Casmurro, morava na rua de Mata-Cavalos, atual rua do Riachuelo, e Brás Cubas, de Memórias Póstumas, no Catumbi. Os bem-nascidos poderiam morar ainda no Flamengo, na praia da Glória, na Tijuca, no Andaraí ou em Laranjeiras.
Rio dos Contos
Nas narrativas breves, esses bairros são apenas citados, conta a professora. Um desses casos é o conto Um erradio. Elisário, o personagem central, morava supostamente na Gamboa, mas poderia ser visto em vários pontos da cidade, entre eles Botafogo e Andaraí.
Nesse conto, como em outros, Machado preferia situar a história no Centro e na Zona Portuária. Este é o caso ainda de Singular Ocorrência, Missa do Galo, e Noite de Almirante.
A Gávea e o Jardim Botânico também apareciam em seus contos, sempre como locais distantes. O misantropo personagem central de O Fulano, antes de sua transformação, morava no Jardim Botânico, bem como a cortesã Marocas, de Singular Ocorrência, que escolheu o bairro para se esconder depois de ter traído o amante.
O porquê da diferença
Marta levantou a hipótese de que a diferença para as escolhas das locações para romances e contos deveria ser em função do tipo de público. Por um lado, o romance por exigir maior reflexão e ser mais profundo, seria dirigido a um público mais sofisticado. O conto, por outro, teria que se comunicar com um público maior e, portanto, deveria ser de mais simples compreensão para atingir as camadas populares.
Ela mesma observou, contudo, que os dois tipos de narrativas geralmente eram publicados em jornais, o que, para ela, invalidaria esse argumento.
O professor Antônio Herculano, organizador do ciclo de palestras, porém, achou que essa explicação teria fundamento. Fazendo analogia com o teatro, ele percebeu esse mesmo tipo de especialização. Na dramaturgia da época, o drama era dirigido às classes altas, a comédia à classe média e a farsa às classes populares. Ele ressalvou, entretanto, que essa correspondência não é nem simples, nem automática.
17/7/2006
Publicado em 18 de julho de 2006
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.