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Diálogos e controvérsias

Karla Hansen

Espaço para a livre expressão

Na última terça-feira, dia 1º de agosto, cerca de 40 pessoas se reuniram num velho casarão restaurado, na Lapa, para participarem do terceiro encontro da série "Diálogos e Controvérsias na Lapa - Política também é Cultura", promovido pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).

A fórmula do encontro é bem simples: com um quórum mínimo de presentes - algo em torno da metade do total de participantes dessa noite -, a representante do Ibase iniciou a sessão, levantando alguns temas da conjuntura atual, para que fossem discutidos pelo grupo, de acordo com o interesse da maioria. Os temas sugeridos foram: o conflito no Oriente Médio que, nas últimas semanas tem se acirrado, as eleições para presidente no Brasil e a CPI dos Sanguessugas, as eleições no Rio de Janeiro e, por fim, a convocação de Dunga para ocupar a vaga de técnico da seleção brasileira de futebol.

Sebastião Soares, engenheiro aposentado do BNDES e conselheiro do Ibase abriu os "diálogos" comentando sobre o programa de televisão que havia assistido, no qual convidados da apresentadora Ana Maria Braga falavam sobre o conflito no Oriente Médio, motivados pelas últimas notícias dos bombardeios no Líbano. O engenheiro contou, ainda, que, ao final do programa, houve consenso entre os convidados com relação à situação de árabes e judeus no Brasil, que diferente dos do Oriente Médio, vivem em paz. E foi citado como caso exemplar, a convivência pacífica e tão próxima entre esses povos, na região do Saara, no centro do Rio de Janeiro. Compartilhando dessa opinião, Soares destacou a capacidade do povo brasileiro de conviver de forma tolerante e cordial com o diferente.

A mítica cordialidade brasileira lembrada por Soares foi combatida vigorosamente por algumas falas seguintes que apontaram o racismo velado contra a população negra como uma forma de "guerra invisível", mas não menos mortal ou mortífera que a guerra no Oriente Médio. Será que nós somos mesmo cordiais com os diferentes? Como falar de convivência pacífica, numa sociedade com altos índices de mortalidade de negros, principalmente, jovens do sexo masculino, das camadas mais populares da sociedade?

O tema, controvertido, já havia sido discutido na reunião passada, em que o diálogo girou em torno da lei de cotas para negros nas universidades brasileiras e encontrou mais combustível para continuar a ser debatido nessa noite do terceiro encontro.

Desse modo, como existiam, entre as pessoas presentes, algumas que também tinham estado na reunião passada, a questão das cotas voltou à pauta de discussões e foi tanto defendida como atacada. Os que se mostraram contra a lei de cotas argumentaram que as cotas geram ainda mais segregação. E defendem que seria mais eficaz uma lei de cotas para pessoas de baixa renda, pois a desigualdade social é um problema mais amplo do que a discriminação racial.

Já os que ali defenderam a lei de cotas, e foi maioria, a resistência à lei se explica por ela representar uma ameaça a um pretenso "paraíso", que seria legitimado pelo mito da cordialidade brasileira. Para esses, a lei de cotas é necessária para se chegar a um patamar de maior igualdade entre negros e brancos da sociedade brasileira. Ainda nessa direção, a defesa das cotas para negros nas universidades, teve apoio pelo fato de a universidade ser o espaço, por excelência, de discussão de questões mais profundas e complexas e de elaboração de propostas de transformação da sociedade e da cultura.

Mas, mais do que as cotas, a questão do racismo foi o grande tema da noite. Inúmeros depoimentos pessoais lembraram experiências dolorosas de preconceito, discriminação, intolerância, enfim, foram vozes que puseram por terra o controvertido mito da cordialidade brasileira.

Bem à moda: "uma palavra puxa outra", um argumento puxa outro, uma discordância aqui, uma divergência acolá, os "diálogos e controvérsias" têm, a meu ver, sobretudo, o objetivo de permitir que as pessoas expressem livremente sua opinião, sendo, assim, um autêntico exercício democrático em que o microfone circula livremente, de mesa em mesa, sem que haja um palestrante, sem "dono do saber", sem qualquer roteiro pré-estabelecido ou censura.

Pensando bem, não é muito diferente do que acontece numa mesa de bar, ou ao redor de uma mesa de jantar de uma família que goste, ou tenha por hábito comentar as últimas notícias que leu no jornal ou um fato curioso exibido na televisão, etc. A diferença é que o espaço é público e a entrada é franca, em todos os sentidos, as portas ficam abertas e quem quiser pode entrar. Algo que poderia ser, facilmente, criado no ambiente escolar, como reuniões mensais ou quinzenais que congregasse professores, alunos, pais, funcionários, para discutir temas do interesse de todos, em prol da formação de cidadãos aptos a expressarem suas ideias, seus pensamentos e seus desejos e, sobretudo, a dialogar com o outro, pois, como disse Sebastião Soares, "é no diálogo que se produz conhecimento".

Os "Diálogos e Controvérsias" acontecem mensalmente, sempre na primeira terça-feira de cada mês. O endereço das reuniões é na Avenida Mem de Sá, 31, Lapa. Mais informações no site do IBASE.

7/8/2006

Publicado em 08 de agosto de 2006

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