Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Onde estão os índios do Rio?
Leonardo Soares Quirino da Silva
Há 104 anos foi feito o último registro sobre um índio natural do estado do Rio de Janeiro. Era o óbito de Joaquina Maria Pury, registrado em 30 de maio de 1902 na paróquia de Santo Antônio de Pádua, no município de mesmo nome. O estado só voltaria a ser habitado por povos indígenas no final da década de 1940, em razão da migração de guaranis para a região de Angra e Parati.
O Dia Internacional dos Povos Indígenas, comemorado no dia nove de agosto, desde 1995, pode servir de ponto de partida para se conhecer a história do desaparecimento das tribos que viviam no estado na época do descobrimento, bem como para se saber sobre as atividades da ONU nesse campo.
Para isso, o Portal de Educação Pública conversou com o professor José Ribamar Bessa Freire, do Programa de Estudo de Povos Indígenas da Uerj (Pro-Índio) e consultou a documentação da ONU sobre o que vem sendo feito no organismo em prol das populações indígenas.
Como declarou o professor Bessa em seu artigo "Tem índio no Rio", de 2000, o estudo das culturas indígenas e sua relação com os colonizadores serve não só para se conhecer o outro, nesse caso os índios, mas para se pensar sobre a sociedade em que vivemos.
Índios e colonização
No início do século XVI, quando franceses e portugueses chegaram à região onde hoje fica o estado do Rio de Janeiro, as populações indígenas podiam ser dividas em quatro grandes grupos em função do tronco linguístico a que pertenciam, segundo o livro Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro, atualmente esgotado.
O primeiro grupo era o tupi-guarani, falado pelas tribos do litoral, entre elas os Tupinambás ou Tamoios e os Tupiniquins. O estudo de sua língua deu origem à Língua Geral. Durante o período colonial, existiram duas versões dessa língua. A Língua Geral Paulista (LGP), falada no sul do país, e a Língua Geral Amazônica (LGA), na região norte.
As duas versões foram as línguas francas usadas pelos colonizadores - em especial pelos jesuítas, que a organizaram, e pelos bandeirantes - para se comunicarem com os povos indígenas. Até 1750, a LGP foi a língua mais falada no litoral do Brasil. A LGA resistiu até 1870.
As tribos dos grupos Puri-Coroado, Maxakali e Botocudo falavam línguas do tronco macrojê. Estas se localizavam no interior do estado, principalmente na bacia do rio Paraíba do Sul. A única exceção eram os Goitacás, que viviam próximos a foz do rio Paraíba do Sul.
O último grupo linguístico não foi classificado. A ele pertenciam as tribos Guaianá ou Goianá que viviam no litoral sul, entre Angra e Parati, e na Ilha Grande.
O processo de extermínio dos povos indígenas que viviam no estado se deu do litoral para o interior. Não por acaso, ele também seguiu os ciclos econômicos que marcaram a colônia e o império - pau-brasil, açúcar, ouro e café. No primeiro século da colonização, as doenças vindas da Europa - como a sífilis, a varíola e o sarampo - dizimavam aldeias inteiras. Depois, as guerras, tanto como aliados de franceses e portugueses, quanto contra estes últimos, também contribuíram para reduzir as populações do litoral. Por fim, a escravização e a aculturação deram cabo dos últimos índios que ainda viviam de acordo com seus costumes.
Escravidão e Extermínio
Durante o período colonial até a década de 1750, a mão-de-obra indígena poderia ser forçada a trabalhar de duas formas: pela escravização e pelo sistema de descimento. A primeira (escravização), os índios eram aprisionados nas chamadas Guerras Justas, movidas pelos colonos e autoridades locais.
Como as populações nativas estavam sendo dizimadas por esse meio, o rei Dom Sebastião baixou regulamento para normalizar as condições em que essas guerras poderiam ser feitas. Pelo documento, só o rei ou o governador poderia autorizar a realização desse tipo de "conflito". Ademais, só seriam justas as guerras feitas contra tribos hostis ou canibais.
O resgate era a segunda forma de se escravizar um indígena, então chamados de "negros da terra". Os colonos compravam os prisioneiros que as tribos faziam durante suas guerras para usarem como escravos em suas plantações. Esses escravos indígenas também eram chamados de "índios de corda", por terem sido anteriormente prisioneiros de outras tribos.
No filme Desmundo, de 2003, é retratada discussão entre colonos, índios e autoridades sobre a compra e a captura de "negros da terra" e "índios de corda".
O sistema de descimento era a forma que as autoridades coloniais tinham de fazer índios livres trabalharem de forma compulsória. Em 1548, o Regimento de Tomé de Souza, governador-geral, estipulou que os índios convertidos fossem separados dos não-convertidos. Eles deveriam descer (daí descimento) de suas aldeias e ser trazidos para as repartições.
Esses aldeamentos ficavam próximos aos núcleos coloniais e serviam de depositário de mão-de-obra para a colonização. O nome vem do fato de seus habitantes serem repartidos para trabalhar para os colonos, missionários ou autoridades. Esse trabalho compulsório durava, em geral, de dois a seis meses. Os que serviam a administração pública eram empregados tanto para a realização de obras públicas quanto para o serviço militar.
Como forma de incentivo para descerem, os habitantes dessas aldeias recebiam uma sesmaria. Algumas cidades do estado surgiram de repartições, como Cabo Frio, Itaguaí, Itaboraí e Mangaratiba.
Uma das razões que provocava o esvaziamento das mesmas era o fato de serem as condições de trabalho longe das ideais. Nas propriedades de colonos e de padres, os habitantes das repartições trabalhavam o mesmo tempo que os negros e eram submetidos às mesmas condições - alimentação inadequada, castigos e maus tratos. Por isso, os índios descidos costumavam fugir das repartições.
Como solução para ter mão-de-obra sempre disponível, as autoridades costumavam trazer índios de outras regiões da colônia para manter as aldeias. Em 1628, por exemplo, os jesuítas trouxeram de Santa Catarina 405 carijós e os instalaram em Guaratiba. Dois anos depois, 43 habitantes dessa repartição foram trabalhar na construção de fortificações da cidade do Rio de Janeiro.
Outro fato que contribuía para o despovoamento das repartições era que os nativos enviados para trabalhar para os colonos nem sempre voltavam. Um dos artifícios usados pelos escravistas era o de casar os índios vindos das repartições com índias escravas. Dessa forma, mantinham-nos presos à propriedade alegando que não poderiam romper os sagrados laços do matrimônio. Para evitar essa prática, em 1698, o governador geral do Rio de Janeiro proibiu o casamento entre "negros da terra" e "índios livres", como eram chamados os habitantes das repartições.
De início, as repartições ficavam sob controle dos padres jesuítas. Depois, esse controle será dividido com colonos e com militares. No século XVIII, a briga pela mão-de-obra, cada vez menor, proveniente das repartições é um dos motivos que vai levar à expulsão da Companhia de Jesus do Brasil.
Nos séculos XVIII e XIX, a descoberta do ouro e depois a expansão da lavoura cafeeira, serviram para dizimar os grupos restantes.
Por volta de 1800, segundo estudos feitos pelo Pro-Índio, apenas 15 núcleos ainda mantinham sua identidade étnica. Todos eram de índios dos grupos Puri-Coroado, Botocudo ou Maxacali. Estes núcleos foram sendo extintos na medida em que a cultura do café avançava pelo vale do Paraíba. Primeiro, na atual região do Médio Paraíba e, depois, no Norte Fluminense.
Nessa época, os índios eram classificados de acordo com seu grau de integração à sociedade brasileira. Os que ainda preservavam sua cultura eram chamados de bravos. Os caboclos eram os catequizados.
Por fim, os destribalizados, que haviam perdido suas terras porque elas foram tomadas por fazendeiros ou pelas Câmaras Municipais. Estes índios, como Joaquina Maria Pury, mudaram para as cidades, onde viviam marginalizados.
Guaranis fluminenses
Depois disso, o estado só voltaria a ter população indígena no fim da década de 1940. Nessa época, os primeiros índios guarani do grupo linguístico Mbya, vindos do sul do Brasil, vão se estabelecer na região de Parati.
Eles só foram descobertos pelas autoridades federais em 1972, quando da abertura da Rodovia Rio-Santos. As autoridades só voltaram sua atenção sobre o grupo depois que saiu uma reportagem sobre as obras da rodovia. Segundo o professor Bessa, até então o Serviço de Proteção ao Índio e sua sucessora, a Funai, registravam que o estado não tinha população indígena. O professor observa, ainda, que, em conversa com antigos tropeiros da região elas diziam que os índios estavam na região há muito tempo.
Atualmente, os 500 guaranis do estado vivem em três aldeias - Sapukaí, Itatiim e Araponga.
Publicado em 08/08/06
Publicado em 08 de agosto de 2006
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.