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Folclore

Cláudia Sampaio e Leonardo Soares Quirino da Silva

Lazer, prazer e ludicidade

Folclore - Na ciranda do Discutindo

São muitas as possibilidades de se trabalhar o tema do folclore em sala de aula, pelo menos foi isto que percebemos pelas respostas dos professores à pergunta: como você trabalha o folclore em sala de aula?, lançada em nosso último Discutindo.

Ficamos sabendo, por exemplo, como a professora Rosângela de Queiroz, de Alagoas, aproveita a riqueza e a especificidade histórico-cultural de sua cidade Penedo, que fica às margens do Rio São Francisco. Ela desenvolve diversos projetos: o Brincadeiras de outros tempos, que resgata as brincadeiras populares; o Farmácia Viva, baseado na tradição oral da confecção de chás com ervas da região e ainda realiza peças teatrais que misturam, em um só contexto, lendas, artesanato, música e dança.

Já a professora Thelma Regina Linhares, no melhor exemplo de compartilhar saberes, ofereceu aos colegas e leitores do portal um aulão-palestra. O texto é resultado de sua participação no projeto didático Vivenciando o Folclore que anda movimentando a rotina dos professores de sua escola, eles vêm se reunindo semanalmente para dividir o que estão aprendendo sobre o assunto. Entre outras curiosidades, Thelma expôs a origem da palavra Folclore: Você sabe o que é folclore? Folk vem de povo e Lore significa saber. Assim, é o saber do povo. É nome de origem inglesa e foi criado por William John Thoms, explica.

A professora Maria do Carmo Rezende lembrou dos nossos grandes folcloristas: Câmara Cascudo, Sílvio Romero e Rossini Tavares de Lima e ressaltou a diversidade e amplitude de nossas manifestações registradas nos romances da literatura nacional.

O espaço do discutindo tomou ares de grande roda, espaço de trocas, exposição de ideias, dúvidas e, principalmente, aprendizado.

Percebemos como a questão do folclore está sendo trabalhada pelos professores das diversas disciplinas. E é sobre isto que falaremos em nossa reportagem cujo ponto central é a entrevista com a professora Maria José, como é carinhosamente conhecida pelos tantos alunos que formou ao longo de sua trajetória. A proposta dela é chamar a atenção para a importância da preservação e do ensino das culturas populares brasileiras no curso de Educação física e, também, em outras disciplinas. Em nosso discutindo, podemos ver como isto vem acontecendo na prática.

Vale a pena conhecer o trabalho da professora que soube guardar com esmero o tesouro tradição herdada pela memória oral de seus familiares moçambicanos. E, vale também a visita às repostas dos professores no Discutindo. Inclusive, a também professora de Educação física Margo, parece já ter seguido as sábias orientações de Maria José. Lecionando Educação física, ela trabalha com alunos lendas, brincadeiras e jogos, através de dramatizações e entrevistas com o familiares.

Entrevista com Maria José Alves da Silva Oliveira

Nesta quarta-feira, dia 16 de agosto, às 18h, a comunidade da Uerj e de fora estão convidadas para participar da Festa Junina da Educação Física. Promovido pelo Laboratório de Programa de Culturas Populares e Folclore (LPCPF), do Instituto de Educação Física da Uerj, o arraiá é organizado pelos estudantes de graduação que estão cursando a disciplina Educação Física, Folclore e Cultura Popular.

O evento faz parte do processo de avaliação e de formação dos futuros professores da área e resulta de um processo mais amplo de discussão e preservação das culturas populares brasileiras e de seu ensino no curso de Educação Física. A festa faz parte de um festival que apresenta as realizações do laboratório entre os dias 15 e 31 de agosto, como parte das celebrações do Dia do Folclore (22 de agosto). No dia 21, serão apresentados os trabalhos das oficinas de música, artesanato e artes corporais (capoeira) do LCPF. O evento será no hall dos elevadores da Uerj (Campus Maracanã).

A locomotiva mestre por de trás desse trabalho é a professora Maria José Alves da Silva Oliveira. Como ninguém faz nada sozinho, ela conta com a colaboração dos professores Edson Chianca, Sueli Costa Alvim de Castro (oficina de artesanato), Aristides Ramon Pascottini (Oficina de Música) e Omar Said Cosme de Sousa (Artes Corporais - Capoeira). Todas as oficinas são abertas as comunidades interna e externa e sem custos. Além das oficinas, o laboratório também tem um Museu Didático de Folclore, cuja visita deve ser agendada pelas escolas interessadas.

Para conhecer a importância da celebração da cultura popular e do folclore, sua ligação com a Educação Física e, também, o porquê da participação de profissionais de ensino de outra áreas neste trabalho, o Portal da Educação esteve com a professora Maria José, no LCPF.

Professora, quando começa seu interesse por folclore e seu ensino?

Você pode dizer que minha ligação com a cultura popular vem de berço. Sou descendente de escravas moçambicanas que preservaram sua origem por meio da memória oral, das danças e das comidas. Não por acaso, minha mãe e minhas tinhas participavam do rancho Prazer das Morenas, em Bangu. A relação que estabeleci entre folclore e educação física acabou sendo decorrência de minha trajetória pessoal. Dos nove aos 18 anos, fui nadadora e depois, na universidade, fiz atletismo, tendo sido recordista no lançamento de dardo nos jogos universitários. Também naquela época, o nível da competição era outro, era mais fácil. Mas voltando, a prática de esportes me abriu portas para conseguir bolsas de estudo para o antigo ginásio, o normal, bem como na universidade. Isso foi muito importante, porque meus pais eram operários da antiga fábrica de tecidos Bangu. O interesse pelo ensino de Educação Física acabou vindo no normal. Fui estimulada pela professora, Maria Rita de Carvalho, no Colégio Souza Lima, em Realengo. Quando fiz prova para a Universidade do Brasil (atual UFRJ) passei direto e ganhei bolsa como atleta. Naquela época, o ensino de folclore se limitava às manifestações, como o ensino de algumas danças. Meu envolvimento direto com o estudo e ensino de folclore começa na Semana da Normalista do Instituto de Educação Sarah Kubitschek, em 1964, quando mandei minhas alunas preparem trabalhos sobre folclore. No ano seguinte, organizei a primeira Feira Estudantil do Folclore do Sarah. Parece que eles continuam realizando esse evento. Um dos convidados da feira foi o professor Fernando Sgarbi Lima, então diretor do Colégio de Aplicação da Uerj (CAP/Uerj). Ele gostou tanto que me convidou para ir para o CAP, para realizar um projeto naqueles moldes. Levei dois anos pensando se deveria aceitar o convite ou não. Em 1968, era professora do CAP e organizei o primeiro evento de folclore, que deu origem a minha trajetória na área. Foi lá que começou o trabalho que deu origem ao LCPF em 2002, mas desde a criação do Instituto, em 1974, realizava atividades de ensino de folclore.

A senhora disse que quando fez o curso de Educação Física, o enfoque dado ao ensino de folclore era diferente. Qual o enfoque atual, na Uerj, e, mais exatamente, qual a relação entre as duas áreas?

Os temas de cultura popular e folclore possibilitam ao profissional de educação física trabalhar nos três domínios - cognitivo, afetivo e psicomotor. Assim, ele pode desenvolver habilidades como: autocontrole, coordenação, acuidade, memorização, atenção, criatividade, senso rítmico, entre outras. Ao mesmo tempo, as atividades que envolvem dança, música e artesanato permitem que os alunos vivenciem os valores que devem ser preservados na escola. É importante, ainda, que, como no esporte, atividades que tem o folclore por tema também passem pelo lazer, pelo prazer e pelo lúdico. Por exemplo, no ano que vem teremos os jogos pan-americanos, os atletas que estarão competindo também estarão trazendo um pouco de suas culturas. Aí gostaria de dar outros dois exemplos de como o esporte serve para promover essa troca, dentro do espírito do barão de Coubertin. Primeiro temos a Daiane dos Santos. Ela se prepara e se apresenta seguindo técnicas comuns aos outros atletas e, claro, diverte-se ao fazê-lo, sempre visando um resultado que é ser a melhor da competição, como os outros. Mas ao desenvolver uma coreografia com base em uma música brasileira, ela também está se diferenciando dos competidores e levando um pouco de nossa cultura para lá. Quer outro exemplo? A mascote oficial das Olimpíadas de Moscou, o urso Misha. Tem como negar que ele não fosse um símbolo da Rússia? E a lágrima na festa de encerramento, não remete a certa melancolia que se tornou marca daquele povo, presente em outras expressões como a literatura?

Como são preparados, aqui, os futuros professores de Educação Física para atuarem nessa área?

Quando você entrou deve ter reparado que temos um grupo de alunos naquela sala grande, à direita de quem entra. Esses alunos estão preparando sua avaliação final, que é a Festa Junina da Educação Física. Para isso, eles têm que se organizar em grupos, sendo cada grupo responsável por uma das atividades necessárias para a realização do evento. Um grupo é responsável por divulgar a festa, outro pelas barracas de alimentos, outro ainda pelas danças e por aí vai. Outro ponto importante é que, como não temos recursos para a festa, e essa é uma realidade que eles vão ter que enfrentar quando forem trabalhar nas escolas, são os próprios estudantes que inventam formas de conseguir dinheiro para viabilizar a festa. Um exemplo disso é a organização de sorteios. Essa vivência, porém, é parte da formação. Também damos muita ênfase ao trabalho de campo, incidental e com base bibliográfica. O primeiro consiste em ir onde a cultura popular é produzida, mas se deve fazê-lo sem preparação, sem ideias pré-concebidas. Por isso, o estudante é orientado a ir ao campo atento ao que pode aparecer. O terceiro aspecto dessa formação ressalta a importância das buscas para se saber o que já foi escrito. Com base nisso, você deve ter percebido que não temos a preocupação de ensinar, porque o processo faz com que eles aprendam sozinhos. O que queremos com isso? Formar um profissional crítico, reflexivo e participativo. Um profissional formado na vivência e na compreensão dos valores que devam ser preservados pela escola. Uma instituição de educação superior que não faz isso, não cumpre seu papel.

Mas do jeito como a senhora coloca, fico com a impressão de que o folclore também pode ser trabalhado por professores de outras áreas.

Realmente. Professores de história, geografia, educação artística e língua portuguesa, em especial, podem desenvolver atividades nesse campo. É importante trazer a cultura popular para a sala de aula. Esse trabalho mexe com a autoestima do aluno e o torna menos resistente. Quer um exemplo? Recentemente, uma professora da Mangueira teve a classe reprovada quando seus alunos tiveram que escrever redação sobre Tom Jobim. Ela conseguiu negociar com a Coordenação Regional de Educação para fazer outra redação. Dessa vez o tema foi os sambas-enredo da escola. A resposta da turma foi positiva. Ainda com relação ao ensino de folclore, penso que ele deve estar presente em todos os níveis de escolaridade. Mais importante ainda é que o povo domine sua língua e suas várias linguagens. Só assim ele passa a ser ator, autor e construtor de sua própria identidade.

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14/8/2006

Publicado em 15 de agosto de 2006

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