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Nas salas de cinema e na Internet

Karla Hansen

Um cafuné... quem não quer? Até de macaco, dizia a irreverente Leila Diniz. A frase atribuída à atriz reaparece no filme "Cafuné", de Bruno Viana, e pode ser uma pista se entendida como uma síntese do que o diretor pretende dizer ao público, com seu longa-metragem de estreia.

A história

Débora, garota do Leblon, está grávida de Marquinhos, rapaz que conheceu na praia, entre um trago e outro de "baseado". "Apertado" por um PM, Marquinhos engole a ponta do cigarro e passa mal. A adolescente o leva para seu apartamento até que ele melhore e possa ir embora. Pouco tempo depois, estão namorando, sem que Débora saiba onde o namorado mora ou quem é sua família.

A mãe de Débora "aceita" o namoro e até pretende "ajudar" Marquinhos, trazendo-o para o convívio da família. Ela, inclusive, propõe ao rapaz que, para não se sentir humilhado, ele participe com 1,00 real nas despesas com restaurantes caros em que vai com a namorada e a sogra. Mas, quando a filha conta que está grávida e não vai fazer o aborto como quer a mãe, o preconceito vem à tona: afinal, diz a mãe, o romance de Débora com Marquinhos não é sério, é só por um cafuné, então, nada mais "natural" que fazer o aborto, pela sua lógica.

A tão deseja integração entre o "morro" e o "asfalto" se dá, assim, pela aceitação das coisas como elas são, em que as situações acontecem sem qualquer consequência ou questionamento. Os personagens vivem como nuvens - o grande simbolismo do filme -, ao sabor do vento e de seus instintos, sem perspectiva de futuro, sem a busca de sentido para viver, numa banalidade estupefaciente.

Por trás de um cafuné

Mas, por trás dessa aparente banalidade talvez esteja o desejo do diretor de exacerbar a falta de consistência, de contorno ou de limite das situações, dos atos e das relações entre as pessoas, exatamente como são as nuvens. E, também, de revelar o caldo de cultura no qual a violência é germinada e, por vezes, explode, não, como se espera, dos marginalizados, mas, justamente, da classe média alta que, decadente e rancorosa, se volta contra o elo mais fraco. Uma violência tanto física quanto moral, que não é usualmente apontada, coisa que o filme se propõe a fazer.

Um inofensivo cafuné pode, assim, ser o signo de uma sociedade permissiva que "não vê nada de mal" em, por exemplo, uma adolescente levar para o seu apartamento um rapaz que acabou de conhecer na praia e pouco tempo depois estar grávida. Uma mãe propor à filha que faça um aborto do namorado porque ele mora na favela, mas é tão "bonitinho" que a própria mãe tenta seduzir o rapaz. Ou uma jovem que passa horas de seu dia tirando fotos de seu próprio corpo para as publicar no fotoblog e, depois, tentar vendê-las como arte. Tudo tão "natural" quanto fechar o vidro do carro para o menino que vende bala no sinal, prendendo sua mão na janela, ou espancar o guardador de carros com um cano de ferro.

"Cafuné" dá trabalho a quem assiste. Não é um mero entretenimento, uma história de amor entre jovens separados pela origem social, não. Não é um cafuné, um afago, um mimo para o público. É um filme que, a seu modo - mostrando "a vida como ela é", por vezes, com excesso de naturalismo - exige um esforço de interpretação, de leitura do que está por trás de situações tão "banais", que, na verdade, foram banalizadas para encobrir a nossa indignação, nossa impotência e acomodação diante delas.

Faça o seu filme

Mas o esforço não se resume apenas à tentativa de compreender o que o diretor quer dizer com tantas nuvens que passam. O filme "Cafuné" traz uma proposta inovadora como produto da indústria cinematográfica, que também é um convite à criação audiovisual. Trata-se do primeiro filme do país a estrear, ao mesmo tempo, nas salas de cinema e na Internet, com direitos abertos para quem quiser fazer download ou até reeditar o final do filme. Para isso, basta acessar o site http://www.cafuneofilme.com.br.

Em encontro com professores, na sessão de pré-estreia do filme no projeto "Professor vai de graça ao cinema", do programa Oficina Cine-Escola, do Grupo Estação, Bruno Viana avisou, também, que novas versões criadas por usuários e enviadas para a produção do filme poderão ser incluídas na versão em DVD de "Cafuné".

Ficha técnica do filme:

  • Título: Cafuné
  • Direção: Bruno Vianna
  • Gênero: Ficção
  • Produção: Raccord Produções

Publicado em 5/9/2006

Publicado em 05 de setembro de 2006

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