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O aprendizado da sexualidade

Leonardo Soares Quirino da Silva

Livro traz resultado de sete anos de pesquisa sobre gravidez na adolescência

Ao contrário do que dizem por aí, o sexo ocasional, o "ficar" não é o responsável pelo aumento de casos de gravidez na adolescência. Uma das razões é que, ao contrário do senso comum, nem sempre um "ficar" resulta em ato sexual. Depois, como os parceiros não têm intimidade, eles se preservam, diferentemente dos namorados de longa data, independente da idade em que tenham iniciado sua vida sexual.

Essa é uma das novidades que traz o livro O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros (Garamond/Fiocruz, 2006, 492 p.), organizado pelos professores Maria Luiza Heilborn, Estela M. L. de Aquino, Michel Bozon e Daniela Riva Knauth.

Os 10 dez capítulos que compõem o livro analisam os resultados do estudo Gravidez na Adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil (Pesquisa Gravad). A pesquisa foi feita em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador e dividida em duas fases. Na primeira, qualitativa, foram entrevistados 123 jovens de ambos os sexos entre 1999 e 2000. As informações levantadas nessa fase serviram de base para os questionários aplicados na fase quantitativa, que foi de outubro de 2001 a janeiro de 2002. Responderam ao questionário 4634 jovens de ambos os sexos, selecionados com base em critérios estabelecidos pelo estatístico Antônio José Ribeiro Dias, do IBGE. Ribeiro Dias foi quem planejou o formato e os critérios para ponderação da amostra.

A faixa etária dos selecionados era de 18 a 24 anos. O objetivo era ouvir jovens que estavam saindo, ou tinham saído da adolescência, na tentativa de identificar o possível impacto de uma gravidez em suas trajetórias pessoais.

Para falar saber mais sobre o livro, e sobre assuntos como gravidez na adolescência, comportamento sexual, sexualidade e o papel da escola, o Portal da Educação Pública foi conversar com a pesquisadora Cristiane Cabral, do Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde do IMS, uma das instituições que promoveram o estudo.

Ao escolher jovens que tinham entre 18 e 24 anos em 2002, o que estaria se revelando com a pesquisa, na verdade, seria um retrato de como era o comportamento do jovem na segunda metade dos anos 1990 e não como ele é em 2006?

Pode ser que se a gente olhar daqui a dez anos possamos dizer que alguma coisa mudou, que o comportamento dos jovens não é mais assim hoje. Mas por outro lado também tem uma continuidade. Hoje, podemos olhar para a década de 1970 e dizer o que continua e o que mudou. Agora, nós continuamos a trabalhar com pesquisas qualitativas que indicam que o universo é o mesmo. São as mesmas questões que aparecem tanto no final da década de 90 quanto hoje.

Será que gravidez na adolescência é realmente um problema social? Como surgiu essa questão? Qual a posição dos autores?

É um problema social e sociológico. Que quero dizer com isso? Bom, é preciso voltar no tempo e entender como surgiu essa questão. Quando se faz um levantamento da produção sobre o tema - na bibliografia e na mídia, por exemplo - para descobrir o que está se falando sobre gravidez na adolescência, percebemos que o que se está dizendo é sempre alarmista, como se fosse um evento homogêneo - em todos os estratos sociais - e sempre vinculado, até hoje, a questão da pobreza e da criminalidade. Desse ponto de vista ela é então configurada como um problema social para o qual devemos ter políticas públicas de combate. Descobre-se, assim, determinados fenômenos que são retratados de forma "realista". Moças e rapazes já estavam engravidando, antes dessa data, nessa faixa etária, não sendo uma novidade, nesse sentido. Nossa abordagem cientifica do tema problematiza a questão de forma diferente. Por que na década de 1990 isso passa a ser incômodo? Porque alguns dos valores mudaram, em especial em relação à juventude. Ela passou a ser vista como uma etapa de preparação para a vida adulta e dedicada à escolarização. Isso pode ser percebido com base nas novas normas da cultura para as fases da vida. A infância passa a ser vista como uma fase para brincar, daí o trabalho infantil ser encarado como um problema social. A adolescência para preparar para a vida adulta. A vida adulta para trabalhar, construir uma carreira e aí ter filhos. Aí se tem uma trajetória modelar para os jovens. Assim, se tenho um jovem que não cabe nesse modelo, tenho um problema. Então, o que quero dizer com tratar de modo homogêneo? Quando fui entrevistar os jovens das camadas populares, os rapazes estão desde seis, sete anos trabalhando - aceitando um biscate para ganhar um dinheirinho para comprar alguma coisa. Eles já vivem essa coisa complicada de escola e trabalho ao mesmo tempo. Por volta dos 12, 13 anos ele tem realmente que estar trabalhando para ganhar alguma coisa para ele, para poder ir ao baile, comprar o tênis que ele quer, não ficar dependendo da mãe ou poder ajudar em casa. É um outro universo que não cabe nesse modelão que vem das classes médias. Portanto, tem que se atacar em relação a outras fontes, a outras causas se for para se impor esse modelo. Por exemplo, tem que se entender o contexto em que o trabalho infantil surge para se atacar as causas dele. A mesma coisa é com a gravidez. Quando ela surge na vida de um jovem ela não necessariamente é um desvio, porque ela pode estar envolvida em outros contextos, em que ser mãe e ser pai é supervalorizado, a pessoa vai tomar um rumo na vida. Na pesquisa encontrei um caso desses, de um rapaz que saiu do tráfico e me disse o seguinte: "tenho um filho agora e não posso deixar meu filho por aí". Ele foi trabalhar, ganhar um salário mínimo e fala das dificuldades de se adaptar à nova realidade, mas para ele era muito importante ter aquele filho, ter um relacionamento com aquela moça e constituir família. É sempre necessário se olhar para os valores sociais que não são homogêneos, não são únicos. Esse é o contexto em que fizemos a pesquisa. Justamente para desmontar a ideia de que é uma desgraça na vida do jovem a maternidade ou a paternidade dita "precoce". Tudo que a gente olhava mostrava que era um desvio de percurso, um desvio de rota, é causa da pobreza. Raramente se falava que ela podia ser a consequência da precariedade da vida. E foi um pouco nesse espectro que nos situamos e situamos a pesquisa.

Vocês escolheram a abordagem socioantropológica para pesquisar a questão da sexualidade. Essa abordagem não seria muito complexa, matizada, o que dificultaria sua compreensão por amplas parcelas da população, ao contrário das abordagens biomédicas e do discurso de base psicologizante e moralista, que conversam com valores já conhecidos e consagrados?

Esse é o desafio das ciências sociais. É muito mais fácil aparecer no Fantástico, afirmando que as diferenças entre homem e mulher são devidas aos neurônios - que um tem mais e outro tem menos - e dos hormônios. Isso porque vem das ditas ciências hard ou supostamente mais científicas e sérias que as ciências da sociedade. Nosso primeiro desafio é conseguirmos ser ouvidos e que se faça entender. A diferença da abordagem socioantropológica é entender os contextos sociais dos indivíduos, dos locais. É também olhar a macroestrutura e relacionar com o contexto de vida dos sujeitos. Você contempla uma coisa e outra - macroestrutura e contexto de vida dos sujeitos - e busca entender suas relações. Com isso, procura-se trazer o ponto de vista dos envolvidos, dar voz a eles, é claro, mas contextualizando isso em determinado cenário social, histórico. Isso faz parte de uma abordagem sócioantropológica e esse é o nosso desafio.

No livro, vocês falam que na cultura sexual brasileira a mulher é associada à passividade e que a virgindade física já levou sumiço como diz a letra do samba-enredo, mas a virgindade moral permanece. Com isso, a mulher também teria que se mostrar "tímida" na relação, o que dificultaria que ela tomasse a iniciativa de discutir práticas ligadas ao sexo seguro. Contudo, se a jovem engravida, a cobrança se volta para ela. Isso não seria uma contradição?

Realmente essa expectativa de uma virgindade moral - que a mulher tem que parecer passiva - isso pode parecer uma loucura, mas ainda encontramos isso. Quando você está entrevistando jovens, rapazes principalmente, eles vão diferenciar rapidamente entre as moças com quem eles vão transar com camisinha das que eles vão transar sem. As primeiras são as parceiras eventuais, são as meninas fáceis ou as "pipas voadas" como se diz no Rio. A segunda, em quem eles confiam, é que pode ser parceira, que pode ser namorada e, portanto, se pode constituir família, ser a mãe do seu filho. E existe esse universo moral que pauta as relações entre homens e mulheres. Se é esperado da moça que ela se mostre mais ingênua ou tímida, a proposição de uso de camisinha por parte dela pode ser interpretado pelo rapaz como a moça sendo mais experiente, por exemplo. Mas de fato, se ela engravida, há uma certa cobrança sobre ela. Historicamente, a contracepção recai apenas sobre as mulheres. Daí se tem toda uma discussão histórica de como a mulher vai se apoderando do controle da reprodução para conseguir dissociar sexualidade de reprodução, que sempre fica muito a cargo da mulher. Ainda hoje é assim. Ela tem que tomar conta da vida contraceptiva. O rapaz inicialmente vai usar a camisinha. Depois ele pergunta: "Você está se prevenindo? Você está usando remédio?". Se a menina responde que sim, ele para de se preocupar. Deste modo, fica sob a responsabilidade da mulher a questão contraceptiva e reprodutiva e a cobrança vai para cima dela. Isso acaba sendo um ponto de tensão entre homens e mulheres. Não deveria ser assim. Tem um entrevistado, na parte qualitativa, que está no quinto filho e a caminho do sexto ele diz: "sou tão novinho e elas ficam me enchendo de filhos". Contudo, ele não está nem aí para o uso da camisinha, ele se exime totalmente da responsabilidade. A frase dele é exemplar de como que, para muitos, o controle da contracepção e da reprodução são do domínio feminino.

A nossa cultura sexual, pelo que vocês identificaram, também tem uma valorização da maternidade. Isso também não é outra contradição, por que ao mesmo tempo em que alguns pais dizem aos filhos para evitarem ter bebes porque não estão a fim de cuidar dos netos, quando acontece a gravidez acaba havendo a aceitação em mais de 50% dos casos?

No primeiro momento fica todo mundo assim "Ih! Aconteceu!" Como eles dizem nas entrevistas: "bate um desespero", que depois é rapidamente assimilado e então eles se perguntam o quê fazer. Alguns chegam a cogitar o aborto - não é uma coisa fora do universo de qualquer classe social -, alguns chegam a fazer, outros não e aí entra o papel das famílias. Nesse momento se pede ajuda, principalmente, às mães, e começam as discussões sobre onde a moça vai morar e quem vai ajudar o bebê? As famílias, em um primeiro momento, também ficam assim "e agora?", mas depois, "já que aconteceu", a gente vai cuidar. Tem muito esse tipo de resignação no momento seguinte e depois a vida volta a seguir seu curso. Se tem um impacto, é temporário. E as famílias são fundamentais nesse momento. Os jovens dizem que ficam desesperados em um primeiro momento e depois ficam felizes. A alegria parece que toma conta. È igual para as famílias, que dizem que vão ajudar a cuidar das crianças na maior parte das vezes. Uma coisa que acontecia muito era a expulsão da jovem de casa. Nós encontramos um percentual de 3% desse tipo de atitude por parte das famílias, o que mostra que houve uma mudança de valores, e acho que muito grande até. Não tem mais essa história de expulsão de casa pela mãe ou pelo pai, ao contrário. Você pode ter a mãe que fica de mal por um tempo e depois se rende à carinha linda do bebê, já ouvi isso em mais de uma entrevista. O apelo da reprodução é muito forte na nossa sociedade. A maternidade e a paternidade são muito valorizadas e, por isso, não é à toa que tem muita oposição ativa com relação ao aborto. É um valor à maternidade e a paternidade, seja porque vai compor a identidade feminina, seja porque é o atestado de que o homem é viril. Nada melhor do que uma barriga aparecendo para mostrar isso. Eles diziam assim "é linda uma mulher grávida desfilando comigo do lado".

Isso Gagnon falou na entrevista dele, que é uma demonstração de competência para os dois...

Para os dois, exatamente! Do homem com certeza. Na nossa cultura, engravidar uma moça é também um atestado da heterossexualidade dele.

Que é outro ponto muito importante que vocês comentam...

Isso! Não é à toa que 50% dos rapazes, independentemente de onde morem e da classe social, se iniciem por volta dos 16 anos de idade, quer dizer, não há uma variação na iniciação sexual. Espera-se que o rapaz se inicie não só sexualmente, mas que se inicie sexualmente em práticas com o sexo oposto. Engravidar uma parceira é dizer "olha, sou viril e hetero".

Na pesquisa, contudo, vocês identificaram que há uma diferença na forma como as classes percebam essa gravidez e os papéis dos gêneros. São dois mundos, são três mundos diferentes?

Acho que são dois mundos. Às vezes complementares, às vezes não. Não tem igualdade de gênero na sociedade brasileira.

O que é igualdade de gênero? Quando reconheço uma quando vejo?

Como se reconhece uma? Por exemplo, quando uma mulher e um homem ocupam o mesmo cargo e o salário dela é igual. Ou quando os casais dizem que dividem de fato as tarefas dentro de casa. Quando se computa o tempo que cada um gasta nas tarefas domésticas e se descobre que a mulher trabalha mais, isso é desigualdade de gênero. E por aí vai. Quando eu cuido do bebê e o outro só vai passear com ele, não é igualdade de gênero.

Mas voltando às classes sociais, há diferentes percepções entre os papeis de gênero entre as classes?

Nós fazemos um pouco essa discussão das relações entre classe e gênero. Achamos que classe social não é apenas renda, mas também capital cultural que se exprime no que se chama de processo de reflexividade, decorrente da maior escolarização. A reflexividade permite que a pessoa tenha maior domínio de si e de suas condições sociais de existência. Ou seja, acreditamos que a maior escolarização é indicativa de um maior grau de reflexividade e propensão socialmente adquirida para a problematização. Com relação às diferenças de gênero, você tem indivíduos mais escolarizados, mais reflexivos, que vão usar mais o domínio da negociação, da fala, vão problematizar mais as diferenças de gênero e podem talvez caminhar no sentido de uma maior igualdade entre homens e mulheres. Tem certa aproximação sim, mas tem outros pontos que têm certos resquícios em que há uma dupla hierarquia de gênero e de classe que os homens das camadas mais altas impõem. Nas camadas populares, você ainda tem essa diferenciação mais marcada dos papéis de gênero: "isso é coisa de menino, isso é coisa de menina". Há menos essa relativização do que seria natural a cada um dos sexos. Essa percepção que se vê nas camadas mais altas de que homens e mulheres não são tão diferentes assim. O tecido social é isso. Ele é diverso, diversificado. Esse processo de maior aproximação entre homens e mulheres está acontecendo e a escolarização é fundamental nele. Os de maior escolarização são mais flexíveis em certos valores que os de camadas mais populares. Esse é um ponto. Quando se vê por gênero, observa-se que as mulheres de camadas mais altas e populares estão mais próximas do que os homens pelo mesmo recorte. Realmente tem uma diferença grande nesse sentido. Os das camadas populares seriam os mais tradicionais em termos de valores sobre a sexualidade, por exemplo, menos flexíveis em relação a certos valores. Agora, é em relação à homossexualidade, que os homens de camada alta são retrógrados, que rechaçam imensamente essa questão. Não é somente uma questão de escolaridade que leva você a flexibilizar valores. Nem tudo a escolarização vai explicar, nem tudo a diferença de classe vai explicar. Em alguns temas a classe é mais importante no que pensam as pessoas, e em outros assuntos, as relações de gênero têm um papel mais forte nos valores adotados. O estudo da sociedade é bem mais complicado do que se imagina em geral.

Quais são as circunstâncias e os desdobramentos que a paternidade na juventude acarretam?

Os desdobramentos, por exemplo, tem que segmentar por classe, e por algumas outras esferas. Peguemos primeiro os jovens pobres. O rapaz, quando engravida uma parceira, em geral, já está fora da escola: ele está batalhando no mercado de trabalho, cerca de 48%. Ele assume o papel de provedor, constitui família com a moça, se ela for sua namorada, não uma parceira qualquer. Ser pai afeta menos que ser mãe na adolescência. Em termos de lazer, por exemplo, o homem é menos afetado. Ele continua podendo sair com os amigos, o que se configura como outra diferença importante nesse universo. Se for comparar entre classes, vê-se que nas classes média e alta há maior recurso ao aborto diante de uma gravidez não prevista. Se essa gravidez chega a termo - para rapazes e moças - a família vai ter uma estrutura para que o projeto educacional dos jovens seja preservado, não vai fazer questão de que eles formem um casal vivendo juntos. Se tomamos os percursos dos jovens de camada popular, o desdobramento para as moças é virar mãe e dona de casa. Vão estar mais envolvidas no universo doméstico, vão tomar conta dessa criança, dentro de um esquema tradicional. É muito importante que se diga que mais da metade dessas moças já está fora da escola, porque uma boa parte da discussão diz que a gravidez na adolescência tira os jovens da escola. O que mostramos é que não. Esta é uma conclusão do nosso estudo: a gravidez é posterior a saída da escola em 40% dos casos no caso das moças. Algumas meninas saíram da escola depois de terem ficado grávidas, realmente, cerca de 18%. Isso é muito pouco em relação ao que se acredita em geral. Então, não é a gravidez quem tira a jovem da escola. Ela pode, talvez, dificultar o retorno. Este depende do apoio da família. Ela vai continuar esses estudos. Poucas deixam de continuar os estudos.

Então, a gravidez nessa faixa pode ser um prejuízo maior para a mulher? Mas ela tem algum tipo de ganho?

Sem dúvida, a gravidez é um prejuízo maior para a mulher, mas ela vai mudar de patamar, de status social. Ela deixa de ser a filhinha e passa a ser mulher também. Nas entrevistas, elas dizem que muda o relacionamento com a mãe. Passa-se a falar de mulher para mulher. Então, se conversa sobre sexualidade, coisa que antes se tinha certa dificuldade. Mas voltando às camadas médias e altas, as meninas têm uma preservação maior desse projeto de escolarização pelas famílias, ainda que a criança seja mais responsabilidade delas do que deles. Para estas famílias é importante que os jovens tenham uma carreira e a gravidez é vista como um acontecimento individualizado. É um outro tipo de percurso. Para os rapazes a mesma coisa. Eles não necessariamente passam a morarem juntos, a constituir família. Nas classes populares, o que se vê muitas vezes é a união acontecendo, mesmo que temporária. O que se vê é a constituição de família, faz-se um novo núcleo familiar. E isso é uma diferença importante nessas repercussões.

Existe relação entre expectativas de futuro dos jovens e a possibilidade de se ter um filho antes dos 20 anos?

O que você quer dizer com expectativa de futuro?

Qual minha expectativa de futuro? Terminei o ensino médio e agora vou trabalhar. Se vou trabalhar, estou inserido no mundo adulto, então nada mais natural do que casar e ter filhos...

Exatamente, porque faz parte do mundo adulto...

...Um outro cenário poderia ser o caso de quem sai da escola e tem que trabalhar, o que novamente significa entrar no mundo adulto, e...

Principalmente para os rapazes, nada pontua melhor do que ter um filho, meio que completa, entre aspas, essa passagem para o mundo adulto. A entrada no mundo do trabalho e a transformação em pai, em provedor, em chefe de família. É uma imagem ainda muito forte na nossa sociedade. Nas camadas médias e altas isso não é tão valorizado. Nelas é a escolarização, a constituição de carreira. Por isso, essas famílias não fazem tanta questão de que os jovens passem a morar junto. Eles vão dar todo o apoio à criança, mas também para que os jovens preservem essa carreira educacional e profissional.

No primeiro capítulo do livro, vocês falam das noções de namoro tradicional e atual, bem como da noção de ficar. Você poderia comentar um pouco a diferença entre elas? O que implica cada uma?

O jovem tem expectativas com relação ao namoro, sim. As moças ainda veem a iniciação sexual como muito importante. Ela se dá, em 86% dos casos, com o namorado. Como as jovens estão definindo isso? Aquele parceiro com quem elas têm relacionamento há algum tempo, com quem elas têm vínculo afetivo maior, possibilidades de continuar. Com os rapazes, a coisa é um pouco mais diversificada. Quase metade, 45%, tema primeira relação com namoradas e 48% com as "ficantes" e muito pouco o recurso às profissionais do sexo. O que também é uma novidade. Há algumas décadas atrás, o homem se iniciava com prostitutas. Hoje o início é em meio a relacionamentos afetivos sexuais. Então tem essa diferença do tipo de vínculo que se estabelece e do tipo de desdobramento que ele pode trazer entre namoro e ficar. O namoro ainda tem como uma de suas características um certo compromisso entre duas pessoas apaixonadas, e a primeira relação sexual, pelo menos para as moças, ocorre em relacionamentos identificados por elas como "namoro". O ficar é uma forma nova de relacionamento afetivo em que os jovens experimentam, mas não se iniciam necessariamente através do ficar. E essa é a contraposição que a pesquisa queria trazer.

Mas o senso comum percebe esse comportamento como promíscuo e essa percepção acaba sendo repercutida pelos meios de comunicação...

Pois é! É a tal discussão de que a gravidez acontece porque a iniciação foi com parceiros eventuais, os "ficantes", entendeu? Era esse o cenário que tínhamos em termos de imagem. No caso das moças, muitas gestações ocorrem com o parceiro da iniciação sexual, que foi identificado como namorado. Entre os rapazes, a gravidez geralmente também ocorre com a parceira mais estável e não com a eventual. Portanto, o "ficar" é uma modalidade de experimentação, sim, que acontece na juventude, mas não é ela o bode expiatório da gravidez na adolescência.

O ficar não é uma parte do namoro?

Ele pode até ser, no início. Os dois ficam e depois isso se desdobra em um namoro, em um relacionamento mais estável, então ele mudou de categoria. Com isso, muda muita coisa. Muda o método contraceptivo. Muda o nível da conversa. Não são realmente da mesma natureza.

Quer dizer, antes havia um modelo de duas etapas e hoje tem um modelo de três etapas, todas elas abertas? Quer dizer o "ficar" pode virar um namoro ou não, o namoro pode virar um casamento ou não, e o casamento pode ser para a vida inteira ou não.

Exatamente, mas veja bem: separar não é uma novidade dos jovens ou pertencente só, ou exclusivamente, ao modelo juvenil ou iniciado por eles, entendeu? Esse namoro, na verdade, pode dar lugar a uma gravidez e não a um matrimônio.

Então, se a mãe tem que se preocupar com alguém é com o namorado que não sai de casa. Por isso, deve dar conselhos do tipo: "vai para a festa minha filha" ou "não namore firme". Estou até reproduzindo um discurso que põe a responsabilidade na gravidez na mulher, mas, de qualquer maneira, se tem uma mãe que se preocupa com a filha ficar grávida deve dizer: "Fique; não namore!"

É engraçado, mas o ficar é isso. Como eles não se conhecem, preservam-se, usam camisinha se tem relação sexual. Pode até ter relação sexual. A desgraça é "eu conheço ele, eu conheço ela" e se relaxam as regras contraceptivas. Daí vem, muitas vezes, a gravidez inesperada, não planejada, "aconteceu". Os acidentes de percurso, como eles às vezes dizem, mas, como disse antes, vem o desespero e depois assimilam e entram em nova etapa da vida. Então o ficar, nesse sentido, protege mais porque eles têm mais cuidado, porque não conhecem bem um ao outro ainda. Tem uma hora, ao longo do estudo, que brincamos assim: a confiança que é um problema! A coisa de confiar é que um atraso de vida. No que conhecem, confiam e tornam-se mais vulneráveis.

Na pesquisa, vocês descobriram que a preocupação com a adoção de medidas preventivas era mais comum nas jovens de Porto Alegre que entre as cariocas e as soteropolitanas, apesar destas iniciarem sua vida sexual mais tarde. Vocês conseguiram identificar alguma razão para isso? Esse resultado não seria contra intuitivo, uma vez que a idade é normalmente relacionada com maturidade? Que outras conclusões se podem tirar?

Para entender isso é fundamental se olhar para os contextos. O que se tem no senso comum? Que as baianas são mais fogosas e, portanto, iriam se iniciar muito mais cedo. As cariocas estariam no mesmo pólo e as gaúchas seriam mais rígidas, tradicionais, quietinhas. Na verdade é o contrário. São as portoalegrenses, as gaúchas, que se iniciam mais cedo e as baianas que se iniciam mais tarde. Onde está o problema? Vamos olhar para a gravidez, e as baianas são as que mais engravidam. Isso é interessante para demonstrar que a gravidez na adolescência não tem a ver, necessariamente, com a idade com que o jovem se inicia, que é o discurso de toda essa literatura alarmista. Eles dizem que é a iniciação sexual precoce que vai desembocar na gravidez. Qual a diferença entre as gaúchas, cariocas e baianas? As primeiras têm uma escolarização muito maior. Por exemplo, quando se pergunta sobre doenças sexualmente transmissíveis e Aids (DST/AIDS), relação sexual ou gravidez, elas citam um número muito maior de fontes, são mais escolarizadas, mais informadas do que as cariocas e mais ainda do que as baianas, que são as menos informadas, logo as que ficam grávidas em maior número. Esse resultado nos fez olhar para o quê? Que não é a idade, talvez seja a educação sexual nas escolas, fundamentalmente, haver discussões no seio da família. As gaúchas falaram mais que têm a mãe como fonte de informação. São elas também que mais conversaram com as mães sobre a menarca que as outras. Nós entendemos isso como havendo maior diálogo e preparação entre as gaúchas, seja pelo ambiente familiar, seja pelo ambiente educacional, o que não está tão marcado nas cariocas e muito menos nas baianas. Então, não é uma questão de quando se inicia, mas de como se inicia, da preparação para esse início da vida sexual. Se você está mais bem preparado, você vai ter X ou Y consequências de sua vida sexual. E a gravidez é uma delas, assim como as DSTs e a Aids. Com isso caem todos os mitos - os das baianas fogosas, por exemplo - e vem a claro o que importa, que é o grau de preparação para a vida sexual.

Na pesquisa, vocês identificaram que a rejeição ao comportamento homossexual é mais presente entre os jovens das classes mais altas. Os entrevistados informaram os motivos dessa rejeição?

Na verdade, não sabemos ao que leva a esse tipo de rejeição porque nos questionários não nos preocupamos com esse ponto. O que observamos, por exemplo, é que as mulheres são mais abertas que os homens nesse sentido. Elas aceitam mais, independente da classe, a homossexualidade - masculina e feminina - do que os homens. A diferença de escolarização nem é tão marcada nas mulheres, mas é mais marcada nos homens. Você tem uma gradação nas respostas dos homens em relação a isso. Não podemos perder de vista um elemento da cultura sexual brasileira que é a homofobia. Quando disse que é esperado e desejado que o jovem se inicie sexualmente com um parceiro de outro sexo, é para ele estar construindo e afirmando a heterossexualidade dele. Então, acho que essa maior rejeição é sempre a grande ameaça de um homem para outro homem. A amizade mais íntima "parece que isso vai dar em outra coisa", como eles dizem. Daí essa fronteira entre homens ser muito mais marcada que entre mulheres. É por conta da forma como o homem constrói sua heterossexualidade e na verdade tem tudo a ver com a homofobia. Essa seria a minha hipótese para isso.

Ainda com relação á homossexualidade, no livro vocês falam em "homo" e bissexualidade. A segunda noção não vai contra o senso comum para o qual só existem dois tipos de comportamento?

Estamos lidando com conceitos antigos sobre homossexualidade no seguinte sentido. Algumas pessoas acham que se nasce com ela. Até pouco tempo atrás estavam tentando mapear o DNA do homossexual. Não podemos esquecer disso. Quando falamos em bissexualidade, o que estamos querendo dizer com isso? Que a identidade sexual também é construída com o tempo. A pessoa não nasce homossexual. Ela vai ter ou não experiências ao longo de sua carreira, de sua trajetória. Ter uma experiência isolada nada significa para determinar se tal ou qual individuo será ou não homossexual em termos de escolha de sua vida sexual ou de sua identidade. Por exemplo, entre os jovens entrevistados, apenas 20 indivíduos se iniciaram com parceiros do mesmo sexo; apenas 10 mantinham exclusivamente relações sexuais com pessoas de mesmo sexo ao longo da trajetória. Por isso, defendemos falar mais em bissexualidade. Você pode ter parceiros do mesmo sexo em um momento, depois ter de outro, em seguida voltar a ter do mesmo sexo. Preferimos discutir esse tipo de coisa e falar em bissexualidade do que homossexualidade. Na verdade, isso faz parte do processo de experimentação da sexualidade.

A luz dos resultados da pesquisa, qual seria a melhor abordagem a ser adotada por programas de educação sexual? A escola é o melhor local para isso? É o único? Existe alguma coisa que o professor que se preocupa com isso possa fazer?

A escola não é o único lugar, se não a gente fica botando muito peso na escola, mas ela é um lugar de democratização. Acho que é ponto pacífico que a família também é um lugar importante de socialização, de conversa, de preparação do jovem. Agora, a escola é fundamental por ser um lugar de democratização, de universalizalização das condições de aprendizagem. Agora, em função dos problemas em torno da evasão escolar, não posso pensar que a educação sexual seja apenas no ensino médio. Como temos jovens nas quintas e sextas séries com 15 anos ou 16 anos, que já estão se iniciando na vida sexual, não posso pensar só em termos de série. Temos que olhar para outras coisas. Não quero ser prescritiva, mas acho que esse programa de educação sexual tem que ser construído conjuntamente, porque também deve se preparar o professor. Em suas casas, eles são pai e mãe. Eles têm seus valores.

Esse trabalho tem que ser feito pelos professores em geral ou deve-se ter um professor especial para isso?

Pois é, um professor especial para isso acho que é o modelo que nós temos. Apesar de o tema da sexualidade ser transversal no currículo, o que sabemos é que eles continuam restritos à aula de ciências, de biologia, a determinados professores. Assim, o professor de língua portuguesa, por exemplo, não incorpora isso a sua aula. O de matemática muito menos...

Mas eles são procurados pelos alunos...

Por isso a preparação tem que ser de todos.

Então tem que ter um espaço dedicado a esse tema...

Acho que se tivesse uma disciplina de educação sexual, como matemática ou geografia, eles iam gostar muito mais. Mas a vivência dos professores seria fundamental para construir melhor essa abordagem. Pensar que tenho que discutir sexualidade com meninos e meninas, que tenho que discutir relação de gênero - os papéis de homens e mulheres - pensar o que tradicionalmente cabe a um e a outro e desconstruir ou relativizar determinadas posturas. Como se pode relativizar cada coisa. Para isso é necessário que estejam ambos juntos - homens e mulheres. Acredito que devem ser todos os professores. Talvez tenha um espaço separado? Talvez seja interessante, não sei. Talvez seja interessante fazer um piloto para saber se os jovens vão gostar ou não. Se vão ficar super acanhados ou não. Há metodologias pedagógicas diferentes: as vivências de grupos, as de oficina... Não é necessariamente aula expositiva, podem ser coisas mais lúdicas.

Mas há experiências nesse sentido fora da escola, não?

Fora da escola tem. Mas você tem esse tipo de coisa dentro de ONGs. Você tem a Casa do Adolescente, em São Paulo, que não é uma escola, tem várias atividades, como oficinas que vão discutir sobre gravidez, sexualidade, iniciação sexual, tudo. Você realmente tem, com a intervenção de uma ONG em uma comunidade, diminuição das taxas de gravidez, por exemplo. Quer dizer, está em uma ONG, e não em uma escola, que é um espaço mais democrático e que atingiria a um número muito maior de jovens.

Participe! Orientação sexual: como deve ser o ensino nas escolas? Sugestão de Robson Garcia Freire

19/9/2006

Publicado em 19 de setembro de 2006

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