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Parque do Martelo
Karla Hansen
Uma lição de cidadania
Na rua em que você mora existe um parque para as crianças brincarem, com árvores por todos os lados? Uma área de lazer segura em que os moradores de sua comunidade podem se encontrar para conversar, para praticar atividades físicas ao ar livre ou para promover eventos comemorativos? Se você respondeu sim às duas perguntas, parabéns! É uma pessoa privilegiada. Se respondeu “não, quem me dera!”, não se lamente, vá à luta, esse não é um sonho impossível!
Independentemente de governos, políticos ou candidatos a um mandato público, os moradores da região do Alto Humaitá, no bairro de mesmo nome, na Zona Sul do Rio de Janeiro, deram uma lição de cidadania. Arregaçaram as mangas e fizeram muito barulho para conquistar o direito a um espaço de lazer comunitário, enfrentando, para isso, a ganância e o poder econômico de uma conhecida empresa de engenharia carioca.
O “Parque do Martelo” (Rua Miguel Pereira, nº 41, Humaitá, Rio de Janeiro, RJ) nome dado à área verde de 16 mil m² que é administrada pela Associação de Moradores do Alto Humaitá (AMAH) tem apenas um ano de existência, mas sua história começa bem antes, no início dos anos 1980, como contam Roberto Pereira, atual presidente da Associação e Marialva Monteiro, membro do conselho consultivo, ambos moradores da região há mais de 40 anos.
História
A área – atualmente, uma concessão da prefeitura do Rio de Janeiro para uso da comunidade do Alto Humaitá, mediante conservação – já foi ocupada por diversos inquilinos: por uma pequena favela, nas décadas de 1950 e 1960; por uma oficina mecânica, depois que a favela foi removida, e, finalmente, pela Servenco, empresa de engenharia que fechou o terreno e manteve um vigia morando no local, para evitar novas ocupações.
Mas é só no início dos anos 1980 que realmente começa a luta dos moradores do Humaitá. Em pleno boom da especulação imobiliária no Rio de Janeiro, a Servenco anunciou a construção de um conjunto habitacional de 200 apartamentos no terreno da Rua Miguel Pereira, nº 41. O fato disparou a reação dos moradores.
“Ficamos assustados! Imagine essa área, o que aconteceria com nosso sossego com 200 apartamentos nessa região? Não ia ter mais trânsito, ia ser um inferno!”, desabafa Roberto. Mas nada disso aconteceu. Antes mesmo de criarem a AMAH, a comunidade iniciou um movimento para impedir a construção do empreendimento imobiliário.
O movimento
“Tinha um grupo de pessoas, moradores daqui, já ligados a outras associações de moradores. Era um boom de associações de moradores naquela época – início da década de 1980. Principalmente, esses moradores, Maria Luiza Tambelini, que conhecia o Paulo Gadelha, que morava aqui, na Miguel Pereira, Fábio Resende, era um pessoal, vamos dizer assim, meio de esquerda...”, conta Marialva.
O movimento contou, ainda, com a participação de celebridades, como a atriz Sonia Braga e o ator Nelson Xavier, o que acabou chamando bastante à atenção da mídia, como uma reportagem da Rede Globo. Esse foi um momento em que a campanha ficou mais intensa, “a gente começou a batalhar mesmo, e não só nas campanhas, como passeatas, fizemos “panelaço”, um monte de coisas, foi impressionante!”, se entusiasma Marialva.
A partir de então, os moradores partiram para uma ação oficial. Moveram uma ação popular civil e foram ao prefeito da época - Júlio Coutinho -, levando toda a criançada, que se espalhou pelo gramado dos jardins do Palácio da Cidade, sede da prefeitura na Rua São Clemente, Botafogo. A ação municipal passou à ação federal, e, em Brasília, a comunidade do Alto Humaitá, finalmente, ganhou a causa: a Servenco não podia mais construir.
Além de impedirem a construtora de ocupar o espaço, o movimento conscientizou os moradores de que uma área de lazer era direito dos cidadãos. Por isso, o lema adotado na campanha - “Um parque para o Humaitá” - foi um dos motivos da grande adesão de pessoas para o movimento. Para Marialva e Roberto, essa também foi a principal justificativa para ganharem a causa, “não tinha nada aqui nessa zona e a ideia era que esse espaço seria um parque para uso da comunidade”, contam.
Só na justiça foram cinco anos de luta, desde que a ação municipal foi movida até o ganho de causa na esfera federal. Ainda assim, o terreno ficou fechado pela prefeitura. “A prefeitura reassumiu, mas isso ficou abandonado... e começamos a ficar preocupados porque uma área dessas, abandonada, da prefeitura, isso nos preocupou muito. Sabe lá quem poderia ocupar?”, conta Roberto.
Foram precisos, então, novos esforços para conseguir, junto à prefeitura, o direito de ocupar o terreno para uso da comunidade, o que aconteceu há apenas três anos. Finalmente, a prefeitura do município do Rio de Janeiro cedeu a área, em regime de concessão, para a Associação de Moradores do Alto Humaitá. “Conforme eu lhe disse, desde que nós mantivéssemos o terreno limpo, arrumado, enfim, em perfeitas condições de uso”, arremata Roberto.
Assim, em maio de 2005, o espaço foi, enfim, ocupado pela Associação e batizado de “Parque do Martelo”. Os brinquedos e demais aparelhos, como as tábuas e barras para a prática de alongamento foram doados por moradores e a manutenção do parque é feita por um empregado que limpa o terreno diariamente. Isso só é possível por que a Associação conta com uma pequena contribuição trimestral de 100 sócios e algumas doações. Além disso, eles têm promovido eventos regulares para arrecadar fundos, como a Festa Junina, a Feirarte – feira de arte, bazar e produtos artesanais feitos pelos moradores -, dia dos Pais, entre outros.
Futuro
Tanto Marialva quanto Roberto contam que, antes da campanha para impedir a construção do espigão e para conquistar uma área de lazer para a comunidade, não tinham participado de nenhuma outra experiência de luta, como cidadãos. Foi, então, nesse processo que eles também aprenderam uma importante lição de cidadania.
Hoje, a maior dificuldade, é conscientizar os moradores a reconhecer a necessidade de manter o parque, como uma conquista coletiva e um direito adquirido. “A importância dessa experiência é mostrar que é possível você se unir, é possível você cuidar da sua comunidade. Sem esperar que o governo faça isso.”, diz Marialva.
Atualmente, não há mais o risco de perder a concessão - com prazo indeterminado - do parque para nenhum aventureiro, principalmente, depois que o terreno foi incluído na Área de Patrimônio Ambiental e Cultural (APAC). Mas é preciso que as novas gerações tenham interesse em assumir e cuidar do espaço, enfim, em levar o projeto adiante.
Essa é uma das preocupações dos atuais gestores, que já estão pensando no futuro. Para Marialva, “os jovens ainda não foram convocados. Mas vai mudar a gestão agora, vai ter eleição para nova chapa em março de 2007. A gente quer começar, desde já, a trazer gente nova para as reuniões. E tem alguns bastante interessados, que vêm aqui com frequência, no Dia dos Pais mesmo teve bastante gente. Para esses novos começarem a assumir, porque é por aí, a gente não vai durar para sempre...”.
Publicado em 19 de setembro de 2006
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