Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Contra a Síndrome do Avestruz: o voto

Leonardo Soares Quirino da Silva

Eleições

Tem um mito popular segundo o qual, nas situações de perigo, os avestruzes simplesmente enfiam sua cabeça na areia para se esconder. Há pessoas que parecem sofrer de mal parecido. Ao se encontrarem em situação desconfortável, procuram se esconder. Alguns dos sites e grupos que pregam o voto nulo na internet podem ser incluídos nesse grupo de pessoas. Desiludidos com dossiês, escândalos, CPIs, eles pregam o voto nulo como solução que obrigaria, entre outras coisas, os políticos a repensarem suas práticas. A reação a essa campanha já apareceu na mídia, em razão da ameaça velada à democracia representativa que a difusão dessa atitude representa.

Antes de se entrar na discussão do voto nulo como arma para a mudança das práticas políticas é preciso se distinguir os grupos que o defendem. Estes podem ser divididos em dois tipos. Em um estão os anarquistas e seus simpatizantes. Em outro, aqueles que podemos chamar de desiludidos com a política.

Ao defenderem o voto nulo, os anarquistas estão sendo coerentes com sua proposta política e sua crítica à democracia representativa. O ponto central de sua argumentação poderia ser traduzido assim: a política é importante demais para que uma pessoa delegue à outra o poder de decidir em seu nome. Por isso, defendem a democracia direta dos plebiscitos e das assembleias.

Pelo que se lê na internet, os desiludidos, por sua vez, pretendem, ao anular uma eleição por conseguirem mais da metade de votos nulos ou abstenções, provocar dois efeitos. O primeiro é a convocação de nova eleição, com novos candidatos. O segundo é de provocar um choque que leve os políticos a repensarem suas práticas.

Apesar de defenderem o mesmo instrumento, com esses objetivos os desiludidos se põem no campo oposto ao dos anarquistas. Eles defendem o voto nulo como um instrumento que poderia levar ao aperfeiçoamento da democracia representativa. Isso, contudo, é uma falácia.

Em pelo menos um dos 194 grupos existentes no Orkut que defendem a anulação do voto, o organizador disse que teria ouvido de um político que o que a classe mais teme é a convocação de novo pleito em razão de grande número de votos nulos. Pode ser.

Caso isso venha a acontecer algum dia no Brasil, a posição do Tribunal Superior Eleitoral, segundo o jornalista Roberto Pompeu, da revista Caros Amigos, é chamar novas eleições em que os mesmos candidatos do pleito anulado e outros poderiam se apresentar. Logo, a anulação não necessariamente levaria a novo sufrágio com outros candidatos, como pretendem alguns.

O plano também é falho em sua outra vertente. Pela dinâmica do processo democrático, os políticos são sensíveis às reivindicações dos grupos organizados em torno de causas concretas. Nesse caso, votar nulo apenas para protestar não representa pauta, manifesta apenas um descontentamento.

Depois, outra característica do regime democrático representativo que alguns dos que defendem o voto nulo não parecem levar em conta é que a legitimidade nesses Estados provém da soberania do povo. Este a delega aos governos por meio das eleições. Assim, quanto menor a participação, mais a legitimidade da autoridade eleita pode ser posta em cheque, com resultados nefastos para a estabilidade do sistema.

Se no Brasil nunca houve pleito anulado pela falta de eleitores ou pelos votos de protesto, já houve regime ameaçado com base no argumento da falta de legitimidade. A eleição de JK para a presidente, em 1955, por exemplo, foi contesta pela oposição que alegava que o candidato eleito não teria tido a maioria dos votos. O resultado foi uma crise institucional que ameaçou a normalidade democrática e se arrastou até quase a posse do novo presidente.

Por fim, a desilusão crônica abre espaço para a ilusão arrebatadora, para os candidatos ou organizações que prometem criar formas mais autênticas de representação popular.

Regimes totalitários, como o nazismo e o fascismo, surgiram justamente do vácuo produzido pela crise de sociedades democráticas.

Bom e o que essas pessoas podem fazer com sua desilusão? Juntar-se aos que estão construindo a democracia. Esse processo não é fácil, não é rápido e não é perfeito. Sua chave é a participação popular. Para isso, é preciso estar atento, sinalizando sua posição de forma individual ou organizada ao enviar cartas para elogiar ou para protestar, ao acompanhar as votações e a realização dos planos de governo, ao recorrer à Justiça, quando for o caso. É, de certa forma, seguir o exemplo dos avestruzes de verdade, que estão sempre alertas.

Publicado em 26 de setembro de 2006

Publicado em 26 de setembro de 2006

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.