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O Candidato de Platão
Pablo Capistrano
Repentinamente a temática da educação invadiu o horário eleitoral. Agora, a ideia de uma revolução, que antes poderia ser feita com armas, começa a ser pensada com livros e homens. Mas essa não é uma ideia nova. Ela tem mais de dois mil anos. Não sei se você já se perguntou, amigo leitor, quem inventou a escola? Que ideia estranha é essa de se retirar as crianças do convívio dos pais e levá-las para um outro lugar para serem instruídas (ou adestradas) conforme a teoria pedagógica do momento.
Atenas tinha suas escolas. A de Platão, a de Aristóteles e a de Isocrates. Cada uma, dando ênfase a um aspecto específico. Matemática, Ciências naturais ou Retórica. Foi Platão quem pensou, de um modo ou de outro, que a educação teria esse poder revolucionário de transformar uma sociedade. A ideia parece simples. O homem espelha a natureza e a sociedade espelha seus homens. Caso fosse possível moldar os homens, a sociedade se adaptaria a essa nova moldura, modificando sua configuração, alterando sua estrutura, transformando sua organização. Para isso seria necessário que as crianças fossem apartadas da influência dos pais e que certos cidadãos, mais ou menos instruídos, tutelassem sua formação. Esses seriam os mestres de uma antropogenese constituída a base de um discurso novo. De um novo gênero literário que os antigos chamaram de filosofia.
Mas Platão não conseguiu implantar seu projeto. Acabou por aceitar a inexorável força da política real, que destrói sonhos e utopias, com a mesma falta de cerimônia que as inventa, e isolou-se no fim da vida. Preferiu ensinar geometria a poucos escolhidos a ter que apostar suas fichas no projeto de reforma social que havia pensado na sua obra A República.
Se alguém quiser tentar implantar o serviço de Platão no Brasil vai ter muito trabalho. No Brasil as escolas não têm força. Elas não conseguem se impor. Isso porque aqui, os pais desconfiam dos professores. Figuras sem autoridade e sem dinheiro, os professores acabam se tornando reféns da sociedade que os maltrata e a escola acaba se tornando muito mais um agente fiscalizador do trabalho do professor, do que um instrumento desse trabalho. Se alguém quiser realmente pensar uma revolução por meio da educação, tem que encontrar um modo de devolver o poder ao professor. Retirá-lo do casulo de vergonha que o envolve todo mês quando ele recebe seu contracheque e pensa que teria uma vida mais feliz e mais digna se fosse escrivão, policial rodoviário, guarda municipal ou juiz. Estava na Galícia em julho, quando saiu o resultado de uma pesquisa que sondou que tipo de profissão os pais mais sonhavam para seus filhos. Pela ordem: “médicos, professores e militares”.
Mas não parece ser fácil imaginar que uma pesquisa desse tipo, em curto prazo, se repita no Brasil e isso tem um motivo também mais ou menos simples: a educação é perigosa. Educar um povo é uma experiência de risco. Oferecer democraticamente os instrumentos capazes de libertar o pensamento e retirar o espírito das pessoas de sua caverna úmida de sombra produz um resíduo perigoso de caos. Um rastro de desordem resultado da transformação que a educação pode causar na mente dos homens. Por isso eu gostaria mesmo de saber quem é o candidato de Platão. Quem vai topar apostar de verdade nessa experiência de risco. Talvez um dia, quando minha profissão for invejada, quando meu salário for maior do que o de um juiz, quando os pais deixarem os filhos na escola e não olharem para seus professores com desconfiança e descrença; quando as feridas de um obscuro e profundo cárcere público de quinhentos anos puderem ter sido cauterizadas na mente do povo brasileiro eu possa reler Platão e pensar que ele não é apenas mais um adorador da Lua, que sonhou alguma utopia ridícula sobre um universo inexistente.
Publicado em 26 de setembro de 2006
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