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Divino Emaranhado na baixada maranhense

Juliana Manhães

Atriz, bailarina e arte-educadora maranhense-carioca

Diante das dificuldades e da precariedade de comunicação no interior, só agora já na ilha e capital São Luís, estou tendo a possibilidade de enviar as histórias e caminhos por onde passamos no projeto "Divino Emaranhado na Baixada Maranhense" realizado neste mês de setembro. O que foi interessante para se debruçar na criatividade do precário e se deixar imbuir da falta que é presente neste cotidiano.

Há quatro anos nasceu o espetáculo "Divino Emaranhado", trabalho autoral, fruto de vivências pessoais com mestres da terra e viagens para Santarém no Pará. Neste ano fomos contemplados com o patrocínio do BNB- Banco do Nordeste e o apoio de alguns grupos e empresas do Maranhão. Fui acompanhada pelo ator e palhaço Leo Carnevale, que além de produzir e cuidar da parte técnica, realizou apresentações com o espetáculo solo Pulitrica, e de Cláudio Costa, artista plástico que fez o registro fotográfico. Viajamos de caravana pelos interiores da região da baixada no Maranhão, apresentamos espetáculos em praças públicas e escolas, e coordenei a oficina "A Roda dos Brincantes Festeiros", para artistas e arte-educadores nas cidades de Santa Inês, Pindaré, Pinheiro e Viana.

O projeto começou no dia 22 de agosto, dia Internacional do Folclore, na cidade de Santa Inês, inauguramos a praça Viva Lobato, um espaço para o povo realizar suas festas e brincadeiras, em homenagem ao artista brincante Lobato, cantador de boi e coureiro de tambor de crioula mais antigo do município.

Foi emocionante estar presente na abertura de um território que vai favorecer e fortalecer a cultura popular e estar junto de caixeiras do Divino que abençoaram o local, além de um grupo de tambor de crioula e dois grupos de boi da região, com sotaque da baixada e cazumbás com caretas enormes.

Apresentei o espetáculo para um público de 3000 pessoas dispostas ao meu redor, num teatro/praça de arena aberto. A oficina trouxe a importância de transformar o cotidiano, trazendo novas possibilidades e dinâmicas de trabalho, através do jogo e da brincadeira.

As professoras foram sentando nas cadeiras, eu comecei me apresentando e pedindo a todas que tirassem sapatos e sentassem no chão em roda, quebrando com a realidade espacial da sala de aula. Depois de algumas atividades lúdicas, elas ficaram soltas, sorrindo e trocando experiências do cotidiano, relembrando músicas e histórias. A oficina foi surpreendente, uma grande troca!

Na apresentação da escola, as crianças, adolescentes e professoras assistiam e participavam cantando e batendo palmas, como se fosse o instrumento da matraca do boi. Um pai, trabalhador da roça, interferiu e falou: "Ela tá contando certo a história de como faz a farinha, é verdade o que ela tá dizendo!" A participação espontânea me autorizou a estar ali, contando histórias da realidade das pessoas que se reconheciam e rememoravam.

Visitamos um povoado chamado Campo Novo, onde havia um projeto de erradicação do trabalho infantil - PETI. Comunidade com 800 pessoas e 17 casas de fazer farinha, além de muita plantação de arroz. As crianças desenvolvem atividades como teatro e capoeira. O diretor da escola, "Sr. Raimundinho" nos recebeu, e na sua casa comemos uma saborosa galinha, de seu quintal, ao molho de leite de coco de babaçu.

Depois da preguiça e sesta, fomos na casa de festas, um salão de pau a pique e palha e o palhaço Afonso Xodó apresentou o espetáculo Pulitrica. Foi maravilhoso ver as caras de surpresa e alegria de cada criança, depois entrei de perna de pau, e fiz algumas brincadeiras com uma grande roda, dançamos e cantamos juntos. Na volta para a cidade paramos no lago do remanso e esfriamos o corpo do calor de 40 graus e da poeira na estrada. Ficamos realizados de poder levar a nossa arte para aqueles que poucas oportunidades tem, deixando uma semente da nossa alegria de ser artista e florescer a imaginação desses "pequenos danados", como chamam por aqui.

A cidade de Pindaré, fica a 7 km de Santa Inês, e fomos muito bem recebidos. Cidade pequena e aconchegante, com 18 grupos só de bumba-meu-boi com cazumbás, além de tambor de crioula, cacuriá, carimbó, dança portuguesa, dança indígena, quadrilha, capoeira e festejos do Divino Espírito Santo. Numa sexta-feira de noite apresentamos os espetáculos do Divino Emaranhado e o Pulitrica, na praça central, em um coreto com lona de circo. Havia muitas pessoas nas cadeiras e ao redor em suas bicicletas. Terminei a brincadeira com a participação de dois cazumbás com caretas enormes, e me emocionei de estar na cidade, que é berço e origem do sotaque de boi que escolhi fazer parte no Maranhão.

A apresentação do Pulitrica foi sensacional, o palhaço Afonso Xodó chegou pelo público já conversando, se atrapalhando no caminho e galanteando as meninas da cidade. O pessoal ficou abismado com as mágicas, e a figura do palhaço ali se destacou da realidade do local.

Quando terminamos as apresentações começou o reggae! No retorno para São Luís, ainda na estrada em Itapecuru, nos surpreendemos com um boizinho de orquestra, que estava no momento do ritual de morte do boi e também da encenação dos personagens do boi. Era o quilombo de Santa Rosa do Barão, onde estavam nossos amigos da Abaeté, do Rio de Janeiro. Foi tudo muito rápido quando vi já estávamos participando da brincadeira, com colete bordado e tudo, dado pela dona do terreiro. O Leo colocou o palhaço e se misturou com a brincadeira da morte, foi maravilhoso ver esse emaranhado cultural. Depois paramos em Rosário para comer um peixe e conhecemos uma olaria de cerâmica, "meti a mão no barro e tudo".

Conheça o site do Divino emaranhado: http://www.divinoemaranhado.art.br

Publicado em 23 de outubro de 2006

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