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Histórias da campanha da Itália

Leonardo Soares Quirino da Silva

No bojo das comemorações dos 60 anos do fim da II Guerra Mundial foi lançado o primeiro livro a tratar da história na vida de um pelotão da Força Expedicionária Brasileira. O livro é Irmãos de Armas: um pelotão da FEB na II Guerra Mundial (Codex, São Paulo, 2005), resultado da parceria do veterano José Gonçalves e do historiador César Campiani Maximiano.

No título e na forma, o trabalho lembra Band of Brothers, de Stephen Ambrose. Dessa vez, contudo, conta-se a história de pessoas que realmente poderiam ser ou foram o parente, o colega ou o vizinho de algum de nós.

É justamente essa proximidade que torna o livro interessante, pois permite-nos acompanhar a formação e atuação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) do ponto de vista do homem comum que foi convocado para guerra.

Para isso, o trabalho se baseou fortemente nas anotações e correspondência particular de José Gonçalves escritas durante a campanha da Itália. Gonçalves era um dos cerca de 300 oficiais da reserva convocados para integrar a FEB e um dos poucos que tinha experiência de combate prévio. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, servira como sargento nas tropas do 10o Batalhão de Caçadores da Reserva, de São Paulo.

Outras fontes são os livros de memórias e entrevistas com veteranos, bem como documentos oficiais, como é o caso do relatório de campanha do 6o Regimento de Infantaria e das memórias de combatentes do outro lado.

Com base nesse acervo, os autores conseguem transportar o leitor para dentro do cotidiano do pelotão, desde sua organização em Caçapava (SP) até a dispensa dos soldados. Mas, por se basear fortemente nas notas de Gonçalves, o livro perde fôlego após sua saída do comando do pelotão, em fins de fevereiro de 1945.

Irmãos de Armas começa com o desembarque dos futuros soldados na estação de Caçapava. Alguns dos convocados já eram soldados e outros haviam sido sorteados para o serviço militar.

É importante observar que entre 1908 e 1945, o recrutamento era feito com base por meio de sorteio. Esse processo de seleção só começou de verdade em 1916, após uma campanha que contou com o poeta Olavo Bilac.

Essa, na verdade, foi a segunda vez em que se tentou implantar um regime de serviço militar obrigatório no Brasil. A primeira fora durante o Império, em 1874, quando se aprovou uma lei criando um sistema de sorteio dos convocados.

O objetivo, por trás do recrutamento obrigatório, era criar reservas para as Forças Armadas. O primeiro país a estabelecer um sistema desses foi a Prússia. Após a derrota para Napoleão, em 1806, os acordos de paz limitaram o tamanho do exército prussiano para que este nunca fosse uma ameaça para as forças francesas. Como forma de burlar essa limitação foi criado o Krümpersystem (lê-se crimpersiistêm - sistema de recrutamento), pelo qual parte da população masculina adulta tinha que servir por um período no exército para receber treinamento militar. Foi graças, em parte, a esse sistema que a Prússia pode rapidamente erguer um exército e libertar o país de Napoleão em 1813.

A capacidade dos prussianos de mobilizarem reservas para a guerra voltou a chamar a atenção de todos os países após a derrota dos franceses na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). Daí a lei de recrutamento brasileira de 1874 e a nova tentativa em 1908, bem como a criação dos tiros de guerra.

Na Segunda Guerra Mundial, o sistema de sorteio previa que todas as pessoas em idade de servir tinham que se alistar, mas só deveriam se apresentar para o processo de seleção os sorteados.

No mais das vezes, mesmo estes não compareciam. No artigo Brazil and World War II: The Forgotten Ally - What did you do in the war, Zé Carioca? (Brasil na Segunda Guerra Mundial: o aliado esquecido - O que você fez na guerra Zé Carioca? Este artigo tem boa descrição do processo de envolvimento do Brasil no conflito mundial, bem como apresenta os motivos que levaram o governo a decidir pela criação e envio da FEB.), com base nas memórias do general Mascarenhas de Morais, o historiador americano Frank McCann observa que, no Nordeste, em 1941, por exemplo, quase 49% dos sorteados não se apresentaram. Um ano antes, a taxa de abstenção havia sido de 68%. O alistamento obrigatório, parecido com o que existe hoje, só começou depois de 1945.

O sorteio talvez seja um dos problemas que levaram o governo a ter dificuldade em recrutar as três divisões de infantaria e a divisão blindada que pretendia mandar para a Segunda Guerra Mundial, segundo Gonçalves e Maximiano.

No fim, o país só conseguiu enviar 25 mil homens, uma divisão de infantaria, que tinha cerca de 60 pelotões como o que foi comandado por Gonçalves. A divisão brasileira era uma das 19 que lutaram no lado aliado, entre setembro de 1944 e maio de 1945, na Itália. Esse front era secundário ao esforço de guerra aliado na Europa.

Essa falta de pessoal também teria levado à convocação de tenentes da reserva para comandar os pelotões, decisão que os autores consideram discutível, por duvidarem não haver oficiais profissionais para preencher essas vagas. Com resultado, advogados, arquitetos, engenheiros, médicos e professores foram chamados. Entre estes estava José Gonçalves.

Apesar da diferença de formação, Gonçalves e Maximiano observam que o entrosamento entre os oficiais da reserva e os profissionais foi rápido.

Porém, a entrada de pessoas com experiência profissional adquirida, fora do ambiente militar, trouxe mudanças na forma de tratamento dos soldados. Segundo os autores, os oficiais da reserva tratavam os soldados "com menos rigor, mais compreensão e urbanidade, sem afetar a disciplina, o que acabou por criar um ambiente positivo para os comandantes de pelotão"(p.30).

Ainda segundo Gonçalves e Maximiano, houve quem pensasse que a camaradagem entre oficiais e praças pudesse resultar em prejuízo da manutenção da disciplina e da hierarquia, sendo indício de benevolência excessiva redundaria na perda de respeito aos graduados [sargentos e suboficiais]. Na verdade, o estreitamento do convívio de oficiais e soldados nos quartéis antecipou a realidade que a FEB vivenciaria na linha de frente: a disciplina de guerra era muito diferente da vida de quartel, lição que seria obsorvida no decorrer da campanha, e introduzida no seio do Exército Brasileiro após a guerra, em tempos de paz. (p.35)

A preparação para a guerra também trouxe importante modificação para o exército, com a introdução de organização, equipamentos e forma de combater do exército iguais os utilizados pelos EUA, o que resultou um problema adicional, segundo os autores, que era a falta de pessoal com conhecimento de inglês para traduzir os manuais.

Os autores contam que quando o regimento veio para o Rio de Janeiro, surgiram problemas com os soldados por que muitos queriam uma última chance de visitar a família antes de irem para guerra. Como a data do embarque não era de conhecimento público, muito menos qual seria a primeira unidade a ser embarcada, as licenças foram suspensas para que todos estivessem no quartel na hora certa. Os soldados reagiram organizando "saídas" não autorizadas, que ficaram conhecidas por "tochas", que logo começaram a ser reprimidas. Para escapar das patrulhas, os "tocheiros" logo criaram alguns artifícios, entre eles o de, em acordo com os maquinistas, saltar antes das estações e pegar o trem na linha, depois da parada.

Gonçalves e Maximiano também fazem uma detalhada descrição do embarque e da vida dentro dos navios de transporte que os levaram para a Itália. O regimento deles foi o primeiro a embarcar para a zona de combate.

No desembarque, os napolitanos, de princípio, não receberem bem os brasileiros por causa do uniforme. As peças de lã cinza confeccionadas no Brasil pareciam de longe o uniforme alemão. Isso fez com que fossem entendidos como prisioneiros de guerra. O engano só foi desfeito pela presença de negros na tropa e aí as vaias viraram pedidos de comida e cigarros.

Para quem se interessa por descrições de combates, os melhores trechos do livro são as descrições da tomada e da defesa da cota 906 e da ocupação do aldeamento de Boscaccio.

A cota 906 é um pico que faz parte de uma crista no vale do rio Serchio, na região da Toscana, a mesma em que ficam as cidades de Florença, Pisa e Siena. Ao tomar esse cume, as unidades brasileiras conseguiram abrir uma brecha nas defesas ítalo-germânicas. No contra-ataque que se seguiu, o inimigo enviou três batalhões contra duas companhias brasileiras.

Segundo o livro, a única unidade brasileira que não foi expulsa pelos alemães foi o pelotão de Gonçalves, que teve que abandonar a posição depois do combate por falta de munição.

Apesar de previsto e observado, as medidas para evitar o contra-ataque alemão ou explorar as vantagens conseguidas não foram tomadas. Os autores citam as tentativas de outro oficial, que era observador de artilharia e tinha recebido treinamento para orientar os tiros dos canhões de dentro de um avião Piper Club, que seria melhor descrito como um teco-teco.

Por conta de suas características - ser pequeno, capacidade de pousar em pistas curtas e não preparadas, baixa velocidade etc. - esse tipo de aeronave era usado pelos dois lados para deslocar oficiais mais rapidamente de um lugar a outro, para que generais observassem o campo de batalha, bem como orientar o fogo da artilharia.

Depois de tentar sem sucesso usar o avião do general Mascarenhas, o único em serviço na FEB, então, o tenente conseguiu um emprestado com os americanos.

Ao relatar as preparações do contra-ataque nazista, segundo Gonçalves e Maximiano, o tenente ouviu de seus superiores para deixar de sonhar acordado.

Boscaccio, por sua vez, era um piccolo paese (pequena aldeia) que ficava na base das montanhas. Durante o dia, estava sempre à vista dos alemães, que atiravam em tudo que se movia. Por isso, os soldados só podiam andar à noite. Todo resto tinha que ser feito nas trincheiras individuais até escurecer, quando chegava a comida. Esta sempre vinha em horários diferentes, para que o inimigo não pudesse prever quando atacar. Tudo isso debaixo de neve e frio, com a temperatura chegando a -18 ºC. Se isso não fosse suficiente, de vez em quando os alemães desciam para ver de perto o que estava acontecendo.

Como aguentar isso tudo? Como em Band of Brothers, o que se nota é que os laços de solidariedade que se formam entre os homens após meses e anos de convivência acabam ajudando a superar o dia-a-dia dos combates.

Por essas e outras histórias, Irmãos em Armas pode tanto ser lido para se conhecer um pouco mais sobre a atuação brasileira na II Guerra Mundial quanto ser uma das fontes para se dar colorido às aulas sobre o envolvimento militar brasileiro na II Guerra Mundial. Se isso acontecer, o livro terá contribuído para diminuir o que César Maximiano identificou como uma das principais reclamações dos pracinhas: serem mais lembrados pela população e melhor estudados nas escolas.

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Ficha técnica do livro:

  • Título: Irmãos de Armas: um pelotão da FEB na II Guerra Mundial
  • Autor: José Gonçalves e César Campiani Maximiano
  • Gênero: Paradidático
  • Produção: Editora Conex

Publicado em 14/2/2006

Publicado em 13 de fevereiro de 2006

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