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Juventude com causas

Karla Hansen

Um filme cujo título é "Edukadores" (Edukators) não precisaria de muitos argumentos para convencer ou, pelo menos, despertar a curiosidade de pessoas, como nós, envolvidas direta ou indiretamente com educação para que fosse assistido. Ainda assim, o filme pode ter passado despercebido por muita gente que já não frequenta os cinemas ou tem pouco tempo para ir à videolocadora mais próxima. E é para esses que vale a pena insistir: trata-se de um ótimo filme que coloca em cheque um grito juvenil lançado por Cazuza e bradado nos anos 1990 que dizia "ideologia, eu quero uma pra viver!"

A mensagem do verso mostra que a juventude dos novos tempos não teria mais causas para lutar, pelas quais viver ou sonhar. Mas em os "Edukadores" descobrimos que a falta de ideologia é apenas uma cortina de fumaça, é produto de eficiente programa ideológico do sistema capitalista, que pretende unificar todas as visões, ideias, pensamentos e crenças a uma coisa só: a ideologia capitalista. Logo, não haveria espaço para nenhuma outra forma de pensar ou protestar contra essa hegemonia, e nem mesmo, pensar, o que, sabemos, é impossível.

Mas, vamos ao filme. Jan e Peter são amigos há 15 anos e moram juntos. À noite, invadem mansões de milionários, desarrumam os móveis, guardam o aparelho de som na geladeira, fazem uma pilha de cadeiras, enfim, deixam tudo fora de lugar, sem levar um único objeto. Nessa aparente e inofensiva travessura eles deixam uma mensagem escrita: "seus dias de fartura estão contados", e assinam, "Os Edukadores". Assim, os jovens encontraram uma forma criativa de protestar contra as injustiças sociais e desigualdades, acreditando que com isso, os ricaços irão se sentir vulneráveis e amedrontados ao serem invadidos em suas fortalezas e, de fato, se sentem.

A namorada de Peter, Jule também milita em causas sociais como, por exemplo, um movimento de combate ao trabalho infantil em países como a Indonésia e Filipinas, de onde vêm os tênis comprados pelos europeus nos shoppings. À noite, ela trabalha num restaurante de luxo atendendo a clientes de classe alta e esnobe, que recusam uma bebida porque os copos não eram próprios para a tal bebida. Para piorar, ao chegar em casa, ela recebe uma ordem de despejo de seu apartamento, porque ela teria ficado seis meses sem pagar o aluguel.

A má notícia chega justamente quando Jule e Peter planejavam fazer uma viagem à Barcelona. Com a ordem de despejo, ela terá que ficar e entregar o imóvel em "boas condições", de acordo com a exigência do proprietário. É quando Jan se aproxima de Jule para ajudá-la a pintar o apartamento e descobre porque ela não estava conseguindo pagar o aluguel. O motivo é uma dívida de 98 mil e 500 euros, como consequência de um acidente automobilístico no qual Jule bateu seu carro num Mercedes de um milionário, que teve perda total. Sem seguro e com a carteira de motorista vencida, Jule ficou obrigada a pagar o prejuízo, situação que a coloca numa espécie de escravidão e dependência semelhante a que ela protesta nas ruas.

Jan, então, convence Jule de que ela está sendo "vítima" e ao mesmo tempo conivente com uma injustiça, ainda que a "justiça", no caso, legitime a cobrança da dívida e aponte a jovem como culpada da infração. Ora, que justiça é essa que penaliza os fracos e protege os fortes? O que significa uma Mercedes para o milionário? Quem, afinal, determina o que é justo? Para pagar a dívida, Jule deverá comprometer oito anos de sua vida, quanto vale oito anos da vida de uma jovem? Será tempo demais para que, talvez, ela esqueça ou desista de realizar seu maior desejo: ser livre?

Para além de maniqueísmos, Jan se torna porta-voz de um novo pensar, bem ao modo socrático, ou seja, pensar por si mesmo, com autonomia, duvidando das coisas ditas certas, estabelecidas. Seria esse, um paradigma de um educador?

O filme tem, aí, um de seus ápices ao levantar uma série de questões que põem a nu um sistema que protege a propriedade (e os proprietários) por todos os lados e sobre todas as coisas, inclusive e principalmente, sobre valores humanos como justiça, liberdade, solidariedade e a própria vida.

A trama segue e Jan, Jule e Peter ainda vão se reencontrar. E, por um revés da história, os Edukadores se veem frente-a-frente com Hardemberg, o milionário dono da Mercedes, e com ele revisitam velhos clichês revolucionários, como o de que, até os trinta anos, quem não for revolucionário é um idiota e, depois dos trinta, quem continuar sendo é, igualmente, um idiota.

Além do embate entre os ideais de justiça social dos Edukadores e os ideais de acumulação de riqueza do homem maduro, o filme reserva outras surpresas, seja no relacionamento entre os três jovens, seja no íntimo de Hardemberg. O ideal é assistir ao lado de, pelo menos, uma pessoa. Você vai ter muita vontade de conversar depois. Uma coisa é certa: não vai faltar assunto.

Ficha técnica do filme:

  • Título: Edukadores
  • Direção: Hans Weingartner
  • Gênero: Ficção
  • Produção: Y3 Film

Publicado em 14/2/2006

Publicado em 13 de fevereiro de 2006

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