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Sobre ler, escrever – e educar crianças

Noel Epstein

É hora de por um fim em todas as manchetes sobre problemas de desempenho em nossas escolas - uma tarefa de longe mais fácil do que muitos imaginam. Primeiro parem simplesmente de chamar esses estabelecimentos de escolas, quando são na verdade instituições híbridas que estão criando muitas de nossas crianças, não somente as educando. Então, assegurem-se de que aqueles que fazem serviços tipo o das famílias devotem-se exclusivamente a essas tarefas, para que os educadores possam se concentrar nas matérias.

Poucas pessoas reconhecem a extensão do que ocorreu, porém, como descobri enquanto pesquisava para um livro, as escolas públicas claramente evoluíram para instituições públicas para educação de crianças, nesse aspecto algo mais próximo do kibutz israelense ou da comuna.

Elas não somente fornecem programas para antes das aulas - cafés da manhã, almoços, cuidados após as aulas, lanches da tarde e algumas vezes jantares (bem como pratos de verão). Elas também instruem as crianças sobre sexo e, em muitos lugares, ensinam a dirigir. Elas enfrentam a crescente pressão para aceitar guris tão novos quanto três anos de idade em programas de pré-escola. Elas partilham a responsabilidade de manter as crianças longe das drogas, de assegurar-se de que elas não carregam armas, de instilar-lhes comportamentos éticos, de controlar a Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, de lutar contra o consumo exagerado de álcool, de evitar os suicídios de estudantes, de lidar com a obesidade infantil, de afastá-los das brigas das facções criminosas, de abrigar alguns pupilos, de acalantar os nenês de mães adolescentes e todas as outras coisas que agindo em loco parentis (no lugar dos pais) não tenham sido previstas há uma geração atrás.

Embora os críticos deplorem esta tendência há pouca chance de mudá-la em seus fundamentos, por muitas razões. A principal entre elas é que as escolas em geral estão reagindo ao que o público quer. Muitas dessas pessoas parecem pensar que as preocupações dos adultos sobre as escolas centram-se principalmente no desempenho dos alunos. Isso está errado. Enquanto os resultados dos exames certamente tiram o sono das elites da economia, da política, da mídia e outras, elas não são o que mais incomoda grande parte dos cidadãos, como há muito tempo mostram as pesquisas de opinião.

De acordo com uma pauta pública de análise de pesquisas de opinião, por exemplo, os americanos, em 1999, disseram que os três principais problemas diante das escolas públicas foram falta de envolvimento dos pais, uso de drogas e alunos indisciplinados. Padrões de ensino vinham no sétimo lugar. De forma similar, esse ano a pesquisa anual do Instituto Gallup sobre educação encontrou mais preocupação sobre violência, quadrilhas e o comportamento de outros alunos que sobre ensino, que se arrastava em nono lugar. No último ano, quando o Gallup elencou as cinco maiores preocupações do público com relação à escola, desempenho escolar sequer foi citado (falta de verbas puxava a lista) e a pesquisa deste ano mostrou mais uma vez que o desempenho dos estudantes não estava entre as principais preocupações do público.

Outra crença comum é que o papel de família ampliada da escola é fenômeno das periferias. Isso também está errado. Columbine e outros tiroteios em escolas (e os programas de antiviolência que eles espalharam) não foram em função dos problemas das periferias, assim como as estratégias das escolas para cuidar de maternidade prematura, dirigir bêbado, abuso de drogas e os estimados 3,75 milhões de adolescentes com doenças sexualmente transmissíveis não conhecem limites geográficos, de classe ou raciais.

Outros, ainda, pensam que a tendência de educação comunitária de crianças é parte de algum grande plano urdido pela esquerda. Errado de novo. É mais uma enorme geleia-geral criada por aqueles que estão à esquerda, à direita e entre eles. Conservadores, por exemplo, enfatizam a educação moral, aulas de abstinência sexual e testes de drogas para estudantes escolhidos aleatoriamente. Progressistas centram em questões como distribuição de camisinhas nas escolas, aconselhamento com relação ao abuso de substâncias e a tolerância com relação a estudantes gays. O Committee for Economic Development, uma importante voz do empresariado em questões políticas, pede que as escolas ofereçam programas de pré-escola para crianças de três a quatro anos.

Algumas das funções da família que as escolas assumiram são tradições americanas, rastreáveis até os primeiros anos da república ou a períodos como Era do Progresso (1890-1920). O desenvolvimento do caráter do aluno tem sido uma responsabilidade da sala de aula desde o início das escolas americanas e o cuidado e a educação para crianças muito novas não foi inventada para pais que hoje trabalham fora. No início dos Estados Unidos, as escolas matriculavam crianças com até dois anos, liberando as mães para a lida nas fazendas. Infant Schools para criancinhas com até 18 meses, principalmente para mães pobres trabalhadoras, embora mulheres em situação melhor logo começassem a usá-las também.

Educação sexual e refeições para estudantes também já estão por aí a cerca de um século ou mais e não devem ser descontinuadas. Ambas as iniciativas foram combatidas por pessoas de mentalidade conservadora, que se preocupavam que as crianças se tornassem "tutelas do Estado". Porém, enquanto ainda há vivos debates sobre o que deve ser incluído na (ou omitido da) educação sexual ou nos almoços das escolas, esses programas das escolas são amplamente aceitos.

Só é razoável, naturalmente, que alguns serviços tipo-família sejam ameaçados, especialmente se eles não alcançam suas metas. Enquanto quase ninguém estava olhando, por exemplo, o governo federal completou ano passado uma experiência de três anos para determinar se todos os alunos das escolas primárias, ricos ou pobres, deveriam ter o direito de receber café da manhã gratuitamente. Um estudo subsequente, contudo, revelou que o programa "não tivera efeitos notáveis" no funcionamento das salas de aula ou nos exames de avaliação, duas de suas metas.

Igualmente, uma avaliação completada este ano sobre a principal iniciativa federal de educação após a escola - o programa the 21st Century Community Learning Centers - mostrou que um esforço de US$ 1 bilhão por ano não reduziria o número de crianças que ficam em casas sozinhas (há cerca de oito milhões, de cinco a 14 anos) ou produzir melhorias de aprendizado, duas das metas do programa.

Resultados desapontadores como estes, entretanto, não significam que os críticos serão capazes de encolher ou matar tais programas. O presidente Bush descobriu isto em 2003 quando tentou cortar US$ 400 milhões dos fundos federais para atividades após o horário letivo. O congresso controlado pelos republicanos recusou, particularmente depois que Arnold Schwazenegger, que em breve anunciaria sua plataforma de governo, saiu em sua defesa.

Carreiras políticas não são ajudadas por se cortar fundos de programas antidrogas, por se garantir que as crianças não portem armas, por se lidar com a depressão e o suicídio de estudantes ou por desencorajar que se dirija bêbado. Resumindo, é simplesmente altamente popular jogar o papel das famílias nas escolas.

A principal questão, portanto, é como gerenciar essas instituições híbridas para que tanto os programas educacionais quanto os não-educacionais tenham um tratamento justo. Para responder, é útil olhar o que são frequentemente chamadas "community schools" (escolas comunitárias), porém também conhecidas como centros de recursos da família, settlement-houses-nas-escolas, full-service schools ou simplesmente centros comunitários.

Notas

Segundo a Coalition for Community Schools, estas escolas são "tanto o local como o conjunto das parcerias entre as escolas e os outros recursos da comunidade". Esses estabelecimentos foram criados partindo do princípio de que "os jovens precisam de amplo leque de oportunidades e apoios para terem sucesso". Em sua grande maioria, são estabelecimento públicos que oferecem serviços em cinco áreas: educação de qualidade, desenvolvimento dos jovens, apoio às famílias, compromisso da escola e da família, e desenvolvimento comunitário. Para mais informações ver: http://www.communityschools.org/index.php.

As settlement houses (ao pé-da-letra, casas de colonização) foram criadas no final do século XIX com o objetivo de preservar os valores humanísticos em cidades pobres do interior e bairros pobres das grandes cidades. Para isso, pessoas com formação universitária se mudavam para essas áreas. O movimento começou em 1884, na Inglaterra. Depois, foi copiado pelos americanos. Nos dois países, os experimentos eram financiados por doações particulares.

Normalmente, estima-se que haja no país entre 3 mil e 5 mil desses centros abertos todo o ano, em geral até às 21h e também nos fins de semana e feriados. Eles são essencialmente tudo-numa-só instituição de ensino, de saúde, de saúde mental, de ajuda ao trabalho de casa, prevenção a gravidez, intervenção em crises, tutoria, redução da violência, educação de adultos e tudo-o-mais-que-seja-preciso. Uma escola primária em Portland, no estado do Oregon, por exemplo, abriga mais de 130 programas. Embora estas instituições principalmente visem os pobres, algumas servem a famílias ricas também. Este é o caso, por exemplo, das Schools of the 21st Century, ideia original do professor Edward Ziegler, da Universidade de Yale, um arquiteto do programa Head Start (Sair na frente).

Nas escolas comunitárias, a grande maioria dos serviços não-educacionais são feitos por parceiros externos, não educadores. Muitos centros, por exemplo, têm clínicas de saúde onde enfermeiras, assistentes sociais, médicos e outros ministram aos alunos cuidados físicos e mentais, reduzindo a demanda sobre o staff da escola. Como coloca a Coalition for Community Schools, "Professores em escolas comunitárias ensinam. Não se espera que eles sejam assistentes sociais, terapeutas e policiais."

Ademais, governos locais frequentemente iniciam programas de cooperação entre a escola e a comunidade, especialmente para reorganizar os serviços da cidade enquanto as escolas como vértice e elas (junto com outros programas e fundações do governo) também desempenham importante papel em financia-los. O prefeito David Cicilline de Providence, no estado de Rode Island, era a força motora da vinda das community schools para aquela cidade. Igualmente, os centros SUN (Schools Uniting Neighborhoods - Escolas Unindo Vizinhanças) em Portland, Oregon, e o vizinho município de Multnomah foram os liderados pelo secretário de urbanismo (city commissioner) e pelo presidente da câmara dos vereadores.

A questão, então, de quem controla os programas tipo-família nas escolas pode, naturalmente, levantar questões sensíveis. Por exemplo, os Beacon Centers da cidade de Nova Iorque, criados pelo Departamento de Juventude e Desenvolvimento Comunitário como um refúgio livre de drogas depois da escola, tiveram que vencer "batalhas sobre o controle, a área e a ideologia", como observou o jornal Education Week.

Também pode ser discutida que a necessidade de coordenar múltiplos serviços públicos - juventude e assistência familiar, recreação, saúde, polícia e outros serviços - apoia o argumento dos prefeitos de ficarem completamente responsáveis pelas escolas, como já estão em um punhado de cidades, tais como Boston, Chicago e Nova Iorque e como o prefeito Anthony A. Williams tem buscado há muito tempo para o Distrito de Columbia (Unidade administrativa onde está a capital dos EUA, Washington).

Independente da forma como o poder seja distribuído, contudo, a necessidade que antecede todas as outras é assegurar que os outros inclinados para as muitas responsabilidades não-acadêmicas das instituições públicas de educação de crianças enquanto os superintendentes das escolas, os diretores e os professores concentram-se em transmitir as habilidades acadêmicas. Essa é a única forma de lutar pela melhoria do desempenho acadêmico dos alunos, enquanto trabalhamos para melhorar as vidas das crianças.

Noel Epstein é antigo colaborador da área de educação do jornal Washington Post. Este artigo foi publicado por este jornal no dia 27 de novembro e é uma adaptação do capítulo "The American Kibbutz" (O kibutz americano), publicado no livro Who's in charge here? The tangled web of school governance and policy (Quem manda aqui? A emaranhada rede de governança e política da escola).

Publicado em 14/02/2006

Publicado em 13 de fevereiro de 2006

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