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Folkehøjskole: as escolas populares dinamarquesas

Leonardo Soares Quirino da Silva

Durante a pesquisa para o artigo sobre as Citizenship Schools, acabei descobrindo o movimento de Folkehøjskole da Dinamarca, que influenciaram a educação de adultos nos EUA na primeira metade do século XX. A Highlander Folk School, onde foram desenvolvidas as Escolas de Cidadania, é um exemplo desse movimento que tentava reproduzir a experiência dinamarquesa em terras americanas.

Segundo Steven Borish, em seu país de origem, essas escolas são identificadas como um dos elementos responsáveis pela virada que a Dinamarca deu durante o século XIX, em especial após a guerra com a Prússia em 1864. A elas é atribuída participação importante na criação do movimento de cooperativas agrícolas e na disseminação de valores patrióticos e democráticos. Borish publicou em 1991 o livro The Land of the Living: The Danish Folk High Schools and Denmark's Non-Violent Path to Modernization, cujos os excertos publicados no site Asian Folk Schools Online são a principal fonte para este texto.

A tradução ao pé da letra da palavra dinamarquesa Folkehøjskole seria alta escola popular, sendo Escola Popular Superior a tradução corrente em Portugal. O popular do nome faz referência ao público que se pretendia atingir. Na época de sua criação, eram, basicamente, fazendeiros que não tinham tempo para ir para a universidade. O alto fazia menção aos temas discutidos pelos alunos.

Atualmente, essas escolas fazem parte da política de educação geral de adultos daquele país. Essa política segue o conceito de Folkeoplysning - iluminação do povo. O conceito foi criado por Grundtvig, personagem-chave no movimento das escolas populares superiores.

Uma lei de mesmo nome garante o financiamento parcial de instituições de ensino que pretendam seguir essa linha - das quais as Folkehøjskole são uma delas. Desde 2002, um terço dos recursos para manutenção das escolas são públicos. Os outros dois terços vêm de taxas cobradas dos participantes.

No início de 2002, Segundo o Ministério da Educação do Reino da Dinamarca, havia 84 Folkehøjskole no país. Cerca de 48 mil pessoas fizeram seus cursos, que tinham de quatro a 36 semanas de duração.

Essas escolas adotam métodos de ensino e de educação não encontrados no sistema público oficial. Elas são livres para decidir o conteúdo de seus cursos, mas o material oficial sobre o tema observa duas tendências. A primeira é de se elaborarem currículos voltados para questões existenciais, como religião e filosofia. A segunda é a de focar em temas específicos que vão de esportes às artes dramáticas, passando por conhecimentos gerais.

Outras características importantes é que nessas escolas os alunos não recebem notas e todas funcionam em regime de internato.

Grundtvig e a origem da Folkehøjskole

Os princípios que norteiam tanto a Folkeoplysning e as Folkehøjskole foram formulados por Nikolai Frederik Severin Grundtvig. Ele foi religioso, escritor, poeta, professor e filósofo. Os escritos de Grundtvig contribuíram para o surgimento do nacionalismo não-agressivo dinamarquês, a formação de cultura democrática e o desenvolvimento econômico. Não por acaso, é tido como uma das personalidades mais importantes da Dinamarca do século XIX.

As ideias de Grundtvig sobre educação foram publicadas pela primeira vez nos anos de 1830. Elas foram fortemente influenciadas por sua passagem pela Inglaterra, em especial sua visita ao Trinity College, na Universidade de Cambridge. O que mais chamou sua atenção lá foi que o diálogo entre professor e aluno era o tema dominante, sendo aberto, intenso e contínuo. Essa será uma das marcas das futuras escolas superiores populares.

Em seu país de origem, sua primeira preocupação na área de educação era combater a escola tradicional, que enfatizava a cultura clássica em detrimento da língua e da cultura dinamarquesa. Esse tipo de educação, para Grundtvig, ampliaria a distância entre a vida e o aprendizado.

Ao se ler essa critica, deve ter-se em mente que as elites dinamarquesas de então, como as de outros países da Europa, eram educadas e se comunicavam, mesmo entre elas, nas línguas clássicas - latim e grego - e em francês e uma outra língua europeia de alta cultura. No caso dinamarquês, o alemão. A língua nacional era considerada rude e adequada apenas para camponeses e fazendeiros, não para pessoas educadas.

Como resposta, o pastor sugeria a criação de um tipo singular de escola, do e para o povo. Essa instituição serviria a todos os níveis da sociedade dinamarquesa.

As reflexões de Grundtvig sobre educação eram norteadas por cinco ideias centrais:

  1. A palavra viva (det levende ord) - Para ele, desde sempre, foi por meio das palavras proferidas pela boca que os homens revelaram e constituiram sua essência. Sem elas, não haveria vida. Seguindo essa lógica, o livro deveria ficar em segundo lugar. As palavras impressas deveriam ser trazidas a vida pela palavra viva.
  2. Iluminação para a vida (livsoplysning) - Apesar de saber que as pessoas poderiam aprender na sala de aula teoria e fatos úteis para a vida, para Grundtvig a iluminação para a vida só poderia ser ensinada pela própria vida. Só esse tipo de iluminação poderia ensinar alguém a ser capaz de perceber o certo e o errado. Adquirir esse tipo de conhecimento seria a tarefa mais profunda de todos os seres humanos, sendo esse aprendizado resultado de suas reflexões sobre suas experiências pessoais. A escola seria capaz apenas de dar os fundamentos para que esse processo acontecesse.
  3. Iluminação do Povo (folkeoplysning) - Na opinião do pastor dinamarquês, todos os povos da terra tinham um papel valioso a desempenhar na história do mundo, sendo que esse papel estava previsto no plano de Deus para a criação. Por isso, ele tinha grande interesse e respeito por todas as culturas humanas. Assim, nunca pregou ser a cultura dinamarquesa superior as outras do mundo. Do mesmo modo, ele também não tinha uma visão idealizada dos movimentos de base. Por um lado, acreditava que os seres humanos nasciam em culturas e contextos históricos particulares, dentro dos quais sua experiência de Iluminação deveria ocorrrer. Por outro, propunha que esse processo tinha aspectos coletivos e individuais. Por essa razão, deveria ser uma meta de todas as sociedades propiciar condições por meio de políticas para que houvesse condições para que a Folkeoplysning ocorresse.
  4. Dialógo equilibrado (Vekselvirkning) - A precondição para que o processo de iluminação ocorresse era o estabelecimento de canais de comunicação de mão dupla. Com isso, ele se posicionava contra a tendência que existe em todos os povos e entre as instituições sociais de tentar controlar umas as outras, ao criar fluxo onde o poder era unidirecional. Um exemplo disso seria a sala de aula na qual o professor tenta controlar os alunos para inculcá-los com seu conhecimento e suas posições. Grundtvig defendia que todos os centros de poder, todos os indivíduos, deveriam reconhecer o direito de existir dos outros e que, por meio do diálogo, todos poderiam aprender e ensinar. No longo prazo, essa troca criaria as condições necessárias para que a iluminação ocorresse. Desse forma, as ideias de Grundtvig se opõem a tradicional ênfase liberal no individualismo e na ideia de que era necessária uma ruptura violenta para se conseguir a transformação da sociedade. Para ele, essa poderia vir de forma pacífica.
  5. As pessoas comuns acima das educadas (folket overfor de dannede) - A fonte da Iluminação seria a sabedoria popular acima e sobre a das pessoas educadas e da elite. Dessa forma, as pessoas comuns seriam a fonte da Iluminação.

A primeira escola seguindo os ensinamentos do pastor luterano foi fundada em 1844, por um de seus seguidores mais importantes, Kristen Kold. Os cursos duravam de três a cinco meses e eram oferecidos no período em que camponeses e fazendeiros não tinham trabalho no campo. As escolas eram abertas para homens e mulheres e os alunos já ficavam em regime de internato.

Folkehøjskole no século XIX

A criação de escolas populares superiores foi um movimento de base. A criação das escolas era resultado da iniciativa de seus proprietários, em geral pessoas vindas das cidades como formação superior em teologia. Os recursos para a manutenção vinham da cobrança de taxas. Essas instituições só passaram a receber subsídios oficiais em 1892.

Do estudo feito por Borish da rotina de uma dessas escolas na década de 1880, podem ser destacadas quatro características:

  1. Ênfase no canto em grupo - As atividades diárias eram iniciadas por cantos. Isso tinha dois objetivos. O primeiro era passar valores por meio das letras, que faziam referência a fatos históricos ou a valores morais. Depois, encorajar o surgimento de sentimentos de camaradagem.
  2. Aulas com recursos teatrais e relacionadas com a situação corrente - Em acordo com o princípio da palavra viva de Grundtvig, as palestras sobre temas históricos e mitológicos eram dadas de forma a cativar a audiência. Depois, o conteúdo era sempre relacionado com situação corrente e os alunos eram convidados a debater a mensagem da apresentação relacionando-a com o que se passava em suas vidas e em seu país. Borish nota que em todas as aulas, seguindo os ensinamentos de Grundtvig, era ensinado aos alunos que a história da Dinamarca era pontilhada de heróis que lutavam pela melhoria da qualidade de vida de todos e que os alunos eram parte dessa tradição.
  3. Vida comunitária - Alunos e professores moravam na escola, comiam no mesmo refeitório, partilhavam a mesma comida. Borish nota que os estudantes deveriam se sentir fazendo parte de uma nova família. A esposa do diretor, por exemplo, era chamada de mãe da escola superior. O resultado era a formação de fortes laços entre os estudantes e entre estes e os professores.
  4. Disciplinas secundárias - Ginástica, matemática, língua eram consideradas secundárias porque se entendia que a missão das escolas era preparar as pessoas para a Iluminação da Vida. Dessa forma, ensinar valores - através da religião, da história ou da mitologia - era mais importante.

Para Borish, ao longo da segunda metade do século XIX, essas escolas atingiram dois objetivos.O primeiro foi oferecer uma educação que permitiu aos fazendeiros receber uma educação que os levasse além de sua realidade de classe e local. O segundo foi permitir o surgimento de uma ideologia comum partilhada por esse grupo.

Publicado em 31/10/2006

Publicado em 31 de outubro de 2006

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