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Matematicarte: quando a matemática encontra a arte
Leo Silva
No século XV, artistas italianos usaram a matemática para desenvolver técnica para representar de forma fidedigna objetos tridimensionais
Há pelo menos 32 mil anos, o homem produz representações artísticas do mundo em que vive. Até o Renascimento, o problema que se apresentara era como representar em duas dimensões objetos tridimensionais. A resposta veio pela aplicação de conhecimentos de geometria e álgebra que levaram ao desenvolvimento da perspectiva linear.
O mais perto que se havia chegado antes da invenção dessas técnicas foi o que se chama de "perspectiva intuitiva", usada pelos artistas gregos e romanos. Diz-se intuitiva porque não há provas de que eles empregassem as relações matemáticas usadas na perspectiva linear, apesar de existir o conhecimento necessário desde 300 AC.
Para criar a sensação de profundidade no plano, os arquitetos e artistas na Antiguidade Clássica recorriam ao uso de linhas inclinadas, redução das figuras em segundo plano e jogos de claro e escuros para criar a sensação de profundidade. Alguns desses recursos podem ser vistos nesse afresco existente na Casa dos Vettius, em Pompeia.
Hércules esmagando a serpente, afresco da Casa dos Vettius
Na Europa Ocidental, durante a Idade Média, essas técnicas de representação foram perdidas, mas continuaram vivas e em constante aperfeiçoamento no Império Bizantino. Com o crescimento do comércio entre as cidades italianas e Constantinopla, essas técnicas vão influenciar os pintores italianos, sendo o principal deles Giotto di Bondone (1266-1337), considerado o artista que fez a ponte entre a arte medieval e a renascentista.
Segundo O'Connor e Robertson, para criar a sensação de perspectiva, Giotto inclinava para baixo as linhas que se encontravam acima da linha dos olhos. As linhas que se encontravam abaixo da linha dos olhos eram inclinadas para cima. As linhas à esquerda e à direita eram inclinadas para o centro. Os dois pesquisadores acreditam que no fim da vida, o pintor florentino estivesse próximo de dominar a técnica da perspectiva linear.
Adoração dos Magos, Giotto
Descoberta da perspectiva
Por volta de 300 aC, o matemático grego Euclides de Alexandria publicou seu tratado Ótica, em que combatia a tese de que as dimensões de um objeto eram aquelas vistas pelo olho, por esta não levar em consideração a redução em razão do ponto de vista da perspectiva a partir da qual ele era observado. Seu enfoque era sobre a grandeza dos objetos em função da grandeza do ângulo de visão e não da grandeza da imagem.
Euclides de Alexandria foi o primeiro a propor a noção de cone de visão. Para ele, o olho emitia um feixe de raios de forma cônica que iluminava os objetos vistos.
No Tesouro da Ótica, o matemático árabe Alhazen foi o primeiro a refutar a teoria de Euclides, ao defender que eram os raios de luz refletidos pelos objetos que chegavam ao olho. Nesse livro, ele também desenvolveu detalhado e extenso trabalho de pesquisa sobre os mecanismos da visão humana usando geometria e anatomia. O livro de Alhazen foi traduzido para o latim no século XII e teve grande influência no desenvolvimento da perspectiva. Um dos que reconheceram a importância do matemático árabe foi Lorenzo Ghiberti, desafeto do descobridor da perspectiva, em seu livro I Commentarii, de 1447.
O autor da técnica de representação em perspectiva foi o ourives e arquiteto florentino Filippo Brunelleschi que corretamente formulou a perspectiva linear ou artificial. O artista florentino teve a preocupação de representar em escala os objetos. Dessa forma, eles tinham que manter proporção entre seu tamanho real e sua representação no quadro em função da distância que estavam do primeiro plano.
Brunelleschi entendia, ainda, que todas as linhas paralelas em um plano convergiam para um mesmo ponto. Hoje, esse ponto se chama ponto de fuga.
Fonte: site Matemática e Pintura: Dürer com adaptações
Na figura ao lado, pode ver-se a representação do ponto de fuga (P) para onde convergem às retas paralelas que compõem a figura. Deve observar-se, ainda, a sequência de linhas paralelas à linha do horizonte, a linha tracejada que passa pelo ponto de fuga.
Dessa forma, como observam O'Connor e Robertson, tem-se um sistema de coordenadas. Assim, por proporção e teoria de triângulos é possível calcular o tamanho com que será representada a imagem dos objetos na pintura ou no desenho.
Uma aplicação desse conceito pode ser percebida com clareza na pintura a Santíssima Trindade, de Masaccio, que conseguiu a comissão para o trabalho por intermédio de Brunelleschi, que teria supervisionado sua execução. A imagem pode ser decomposta em duas partes, uma inferior, na base do altar, e outra superior e mais importante. Nesta, o ponto de fuga está no centro do corpo de Jesus crucificado, que ocupa a posição central. A aplicação das paralelas pode ser claramente notada nos quadrados que formam o arco do teto. Elas criam um efeito túnel que leva o olho do observador para o Senhor Morto.
Santíssima Trindade, Masaccio - fonte: O'Connor e Robertson
As descobertas de Brunelleschi disseminaram-se rapidamente e foram descritas pela primeira vez por seu amigo Leon Battista Alberti, no livro De Pictura, de 1435.
Indo além
O desenvolvimento da técnica não parou em Brunelleschi. Outros que trouxeram importantes contribuições foram Leonardo da Vinci e Albrecht Dürer. É possível conhecer um pouco das técnicas deste último no site Matemática e Pintura: Dürer.
Se a perspectiva surgiu dos estudos matemáticos, ela também serviu de objeto para estes. A geometria projetiva, proposta por Girard Desargues, no século XVII, e desenvolvida por Michel Chasles no século XIX.
No século XX, o ilustrador holandês Mauritus Cornelis Escher foi o preferido dos matemáticos. Uma biografia curta e alguns trabalhos desse e de outros artistas e arquitetos pode ser encontrado no site Artistas Matemáticos e Matemáticos Artistas.
Publicado em 7 de novembro de 2006
Publicado em 07 de novembro de 2006
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