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Iluminando o pensamento de Octávio Ianni
Karla Hansen
Uma experiência transdisciplinar
Certas vivências nos fazem sentir na pele o que as mais recentes teorias pedagógicas não se cansam de repetir, com razão, sobre a importância da interdisciplinaridade ou transdiciplinaridade na construção do conhecimento. Entender o conceito, eu acho que já tinha entendido. Mas, passei por dois momentos especialmente vivos que me comprovaram a tese de que um saber ilumina o outro e vice-versa, e um terceiro saber se produz dessa rede e conexão de saberes.
Foi assim ao assistir ao filme "O Céu de Suely" (Karim Aïnouz, 2006) numa noite e, no dia seguinte, estar no Colóquio "Pensamento de Octávio Ianni" - "Octávio Ianni e as Ciências Sociais no Brasil". As duas vivências, casadas, me fizeram compreender melhor, tanto o filme, quanto o pensamento deste que é considerado um dos pais da moderna sociologia brasileira. E, como resultado dessa experiência transdisciplinar, senti o despertar de uma percepção mais aguda da tão complexa realidade brasileira atual.
A começar pelo filme: ele nos coloca intimamente diante de uma retirante nordestina pós-moderna, de volta à sua cidade natal, uma vez já tendo sido picada pela mosca da vida na grande cidade, São Paulo. Ao chegar em Iguatu (interior do Ceará), com o filho no colo, Hermila revê sua pequena família - tia e avó - e um amigo, João Miguel, mas percebe de imediato que o lugar é estreito demais para seu desejo infinito (como o céu) de ser alguém. Para conseguir dinheiro para ir embora outra vez para o mundo, Hermila/Suely decide rifar seu próprio corpo. Assim, a personagem é o paradigma de uma juventude, muito particularmente de uma juventude feminina, que não tem perspectiva alguma de futuro, apenas segue um poderoso impulso de sobrevivência que a empurra para fora, para o lugar mais longe possível, sem se importar com que lugar é esse, nem para onde esse impulso a leva.
Mas, o que Octávio Ianni, o intelectual brasileiro da mais alta estirpe, falecido em 2004, tem a ver com isso? Depois de um mergulho raso, mas suficientemente intenso nas ideias do sociólogo, proposto pelo 1º Colóquio "Pensamento de Octávio Ianni" (Uerj 22 e 23 de novembro de 2006), percebe-se que ele foi tocado, profundamente, por personagens e realidades semelhantes às que são apresentadas no filme de Karim Aïnouz. Os universos são os mesmos.
De acordo com Marilda Iamamoto, organizadora do Colóquio, Octávio Ianni foi, dos discípulos de Florestan Fernandes, o mais sensível para os "de baixo". E, nos seus 50 anos de vida dedicados a pensar sobre os principais temas do Brasil e da América Latina, o sociólogo sempre "adotou a perspectiva da periferia", como disse a também socióloga Miriam Limoeiro Cardoso no mesmo evento.
A paisagem e os personagens do filme estão, portanto, no foco de alguns dos interesses centrais de Octávio Ianni, cujo olhar sensível para "os oprimidos do campo e da cidade" o diferenciou e, às vezes, o colocou em campos opostos a de outros contemporâneos, colegas da equipe de Florestan Fernandes, como Fernando Henrique Cardoso e Francisco Weffort. Nas palavras do próprio Florestan, de quem Ianni foi, além de aluno, colaborador e amigo, o sociólogo, professor emérito da Unicamp, era "dotado de encanto pela vida e curiosidade infinita".
Seu campo de interesse foi variado, o que se reflete na sua extensa obra. Octávio Ianni refletiu, ainda, sobre cultura, particularmente sobre cinema, teatro e literatura. E, também, sobre a questão racial, problemas de desenvolvimento - tendo sempre afirmado que o problema do subdesenvolvimento do Brasil e da América Latina não é econômico mas, essencialmente, político. Sempre atuante como mestre e cientista social, em função de sua resistência intelectual à ditadura militar de 1964, em 1969, Ianni foi aposentado compulsoriamente da USP pelo Ato Institucional n° 5 (AI-5).
No mesmo ano, Ianni transferiu-se para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP onde continuou suas atividades de professor e crítico da sociedade brasileira. Trabalhou também na UNICAMP - Universidade de Campinas, até poucos dias antes de sua morte e fundou, junto com Fernando Henrique Cardoso e Paul Singer, entre outros intelectuais, o CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, do qual se desligou posteriormente, rompido com FHC.
Pesquisador e escritor incansável, dedicou-se nos últimos anos ao tema da Globalização, abordando aspectos políticos, econômicos e culturais.
O Pensamento de Octávio Ianni
O Colóquio marca a inauguração das atividades do Centro de Estudos Octávio Ianni (www.ceoctavioianni.uerj.br), uma iniciativa do Programa de Estudos e Pesquisas "Pensamento Social e Realidade Brasileira na América Latina", da Faculdade de Serviço Social da UERJ, em associação com pesquisadores de diversas universidades do Brasil e do Exterior.
De acordo com Marilda Iamamoto, coordenadora do Centro, resgatar o pensamento científico de Ianni é fundamental nestes tempos de apatia, resultante do "fetichismo" da economia de mercado globalizada. Para ela, a sociologia crítica de Octávio Ianni, com sua proposta de pensar uma história social do povo brasileiro, é um antídoto eficaz contra os males desse fetichismo, em particular, na vida acadêmica. Segundo Miriam Limoeiro, é preciso recuperar o pensamento social no Brasil e a melhor maneira de fazer uma homenagem a um intelectual como Octávio Ianni, um marco referencial nesse pensamento, é "retomar suas ideias, recolocá-las em pauta, em discussão".
Outro filme
A questão agrária no Brasil, outra questão explorada por Octávio Ianni, é o tema de "Expedito à procura de outros nortes", documentário de Aída Marques e Beto Novaes, sobre o assassinato de Expedito Ribeiro de Souza, o líder do sindicato dos trabalhadores rurais de Rio Maria, no sul do Pará. O filme foi apresentado antes da primeira mesa do Colóquio e retrata a dramática situação dos trabalhadores rurais, em sua luta por terra e por justiça.
O documentário, tanto quanto a ficção "O Céu de Suely" revelam faces de um Brasil que continua a desafiar o pensamento dos que, como Ianni, eram sensíveis aos dramas vividos por nosso povo.
Para saber mais sobre Octavio Ianni:
http://www.conteudoescola.com.br/site/content/view/82/39/.
Publicado em 28/11/2006.
Publicado em 28 de novembro de 2006
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