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Convite para ir à Compostela

Leonardo Soares Quirino da Silva

Exposição reúne 110 peças da arte românica pela primeira vez na América Latina

Na segunda metade dos anos 1980, a peregrinação à Santiago de Compostela tornou-se um tema para conversas e projetos de muitos brasileiros. O mérito desse fenômeno se deve ao sucesso do livro O Caminho de um Mago, do escritor e compositor Paulo Coelho, que, de certa forma, serviu de convite a que outros brasileiros seguissem seu exemplo. Este fim de ano, a Junta de Castilla y Leon e o Instituto Inclusartiz formularam uma nova convocação com a mostra Caminhos de Santiago - arte no período românico em Castela e Leão - séculos XI a XIII, que fica no Museu Histórico Nacional, no Rio, de 17 de novembro de 2006 a 9 de fevereiro de 2007.

O nome da exposição, para os desavisados, pode parecer apenas esperteza, ao tentar tirar proveito do interesse que há sobre o caminho, o que pode ser verdade. Contudo, ele de fato revela a relação profunda e direta que há entre a peregrinação e a difusão da arte românica na península ibérica entre os séculos XI e XIII.

Fé, arte e história

Na primeira parte da exposição, o visitante encontra informações sobre as origens históricas e as possíveis razões da jornada dos devotos a Compostela. A peregrinação começou no século IX, quando foram descobertos o que se acredita serem os restos mortais de São Tiago Maior.

Quatro fatos históricos permitiram que o que antes era um fenômeno ibérico se tornasse europeu, bem como que, paralelo a ele, desenvolve-se um estilo artístico.

O primeiro deles foi a constituição do Império Carolíngio, por Carlos Magno (742-814). Apesar de sua curta duração - cerca de cem anos -, a unificação de boa parte da Europa Ocidental sob o comando de um só senhor permitiu o que se chama de Renascença Carolíngia. A semelhança do que viria a ocorrer na Itália no século XIV, incentivado por Carlos Magno e a Igreja Católica esse movimento vai se caracterizar pela tentativa de preservar e recuperar a cultura da Antiguidade Clássica. Parte dela se encontrava na própria porção ocidental do continente, nas ruínas ou nos mosteiros; parte, ainda viva, em Bizâncio.

No século X, acontecem dois fatos marcantes. Um é o fim das chamadas invasões bárbaras, o que dá estabilidade política a Europa Ocidental que vai permitir maior produção econômica e o consequente crescimento da população.Outro fato, ligado a este, é a decisão da Igreja Católica de reformar as ordens religiosas, entre estas a beneditina. A abadia beneditina de Cluny, na França, foi o mais importante desses centros. São os monges clunisienses que incentivaram a peregrinação para Santiago de Compostela.

As romarias dos fiéis para a futura Espanha contaram como outro incentivo importante. A queda de Jerusalém, em 1187, fechara o principal local de peregrinação para os cristãos. Na península, esse movimento foi importante para consolidar os reinos de Castela e Leão, para promover a Reconquista - retomada da península dos mouros - e para difundir a arte Românica.

Exposição

Na primeira parte da exposição não há revisão histórica tão extensa. Ela centra-se no desenvolvimento das rotas de peregrinação, das quais o Caminho Francês, que corta os reinos de Castela e Aragão, é a principal delas, sendo usado pelos peregrinos até hoje.

Ao longo da rota, os romeiros passam por várias construções edificadas seguindo o estilo românico. Esse é o primeiro estilo europeu. Igrejas e mosteiros construídos de acordo com seus cânones podem ser encontrados em várias partes do continente, sendo seu centro irradiador a França. Posteriormente, ele serviu de base para o aparecimento do Gótico, mas comumente associado à Idade Média.

Na segunda parte da exposição, o visitante é apresentado às principais características desse estilo. Capitéis esculpidos, grades, um pedaço de porta e maquetes mostram que a intenção dos construtores era que os templos, mais que um local para orações, fossem eles mesmos o meio para se transmitir aos fiéis mensagens sobre a fé e modelos de comportamento.

Os capitéis, a parte alta das colunas, podiam ser adornados com motivos vegetais, com figuras humanas, com cenas das escrituras, com animais ou com seres míticos. De forma simplificada, os animais podem ser divididos em maus e bons segundo sua iconografia. Entre os primeiros estão o macaco, considerado uma caricatura do homem, o javali e o porco - luxúria e preguiça - e a serpente, que a essa altura dispensa apresentações. Os bons seriam a águia - usada para simbolizar Jesus - e o Leão, que representa nobreza e força. No capitel dos vícios, dois leões lutam contra os sete pecados capitais.

As esculturas nos capitéis também poderiam ser usadas para contar passagens da Bíblia, como o caso da Matança dos Inocentes, cuja reprodução está exposta.

Na exposição também é possível acompanhar o desenvolvimento das representações do cristo crucificado, que tem um salão exclusivo. De acordo com os critérios dogmáticos, a imagem poderia representar Jesus triunfando sobre a morte para demonstrar a fé na ressurreição. Outra linha adotava representação mais naturalista para aumentar a força dramática. Por fim, havia imagens que misturavam as duas, para mostrá-lo ao mesmo tempo como senhor do mundo e cordeiro de Deus.

Se as representações da crucificação seguiam uma desses três linhas, os santos não tinham iconografia própria até o fim do período românico e o gótico, quando começaram a ser produzidas imagens. Até então, o culto era incentivado para servir de exemplo aos cristãos e os objetos de culto eram as relíquias. Para isso, foram criadas urnas finamente decoradas para abrigar os restos dos santos.

A exposição também trata dos principais momentos da vida do cristão, o batismo e a morte. Durante o período românico também se difundiu o costume de se batizar apenas molhando a cabeça em uma pia. A introdução desse objeto na igreja era o segundo ato mais importante depois da inauguração. Anteriormente, o batismo era feito por imersão.

Na parte que trata da morte o que chama a atenção é um pedaço do manto do rei Afonso VIII de Castela, em exposição em um sarcófago de pedra com as laterais esculpidas.

A introdução da arte românica também influenciou a arte de copiar livros desenvolvida nos mosteiros. Esse período marca a introdução da letra carolíngia na península ibérica. Com isso, tornou-se possível o intercâmbio de livros com o resto da Europa. Antes, os copistas usavam a cursiva visigótica.

Outra influência do românico pode ser percebida nas iluminuras. As iluminuras são imagens que eram pintadas nos livros que serviam para ornamentar e ilustrar o texto. Na exposição é possível observar esse trabalho na Bíblia Românica e no Beato de Fernando I.

Visitas guiadas

É possível agendar visita guiada à exposição. O Instituto Inclusartiz desenvolveu programas específicos para diferentes públicos com base na metodologia do pensamento visual, desenvolvida pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. O método foi adaptado às especificidades brasileiras.

Para escolas, existem visitas seguidas de oficinas de terça à sexta (às 10h e às 14h), e nos fins de semana (às 14h). Foi previsto na programação, ainda, encontros para professores e educadores, realizados às terças e aos sábados (às 14h) e às quintas (às 10h). O telefone para agendar visitas ou a participação nos encontros é (21) 2537-3800.

Caminhos de Santiago - arte no período românico em Castela e Leão - séculos XI a XIII
Período: de 17 de novembro de 2006 à 9 de fevereiro de 2007

Local:
Museu Histórico Nacional
Praça Marechal Âncora, s/nº - próximo à Praça XV

Horários: de terça a sexta, das 10h às 17h30
Sábados, domingos e feriados, das 14h às 18h

Telefones:
Informações - (21) 25509220 / 25509224
Agendamento de visitas - (21) 2537-3800

4/12/2006

Publicado em 05 de dezembro de 2006

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