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Primavera da resistência – Os 25 anos do Ibase
Cláudia Dias Sampaio
25 anos é o rumo para a maturidade e em alguns casos a chegada da vida adulta marca também um certo comodismo, uma sensação de que até aí tudo era permitido, mas que a partir de agora é preciso pensar no futuro, sufocar divagações e ideias tolas de mudar o mundo.
No caso de Betinho e daqueles que se permitiram contagiar pela sua apaixonada entrega à vida, 25 anos significa maturidade sim, e muitos motivos para comemorar, mas precisamos nos virar do avesso, olhar por outros ângulos para entender que maturidade pode ser algo bem diferente de burocratizar as ideologias. Isso para aqueles que levam consigo a liberdade pulsante da juventude, o entusiasmo para questionar o que em princípio parece cristalizado pelo senso comum e a compreensão de que o futuro depende do que está sendo feito aqui e agora.
Da ideia à ação
O Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - começou a ser pensado durante o exílio, na ditadura militar, pela correspondência entre Betinho, Marcos Arruda, Carlos Afonso e Paulo Freire. A ideia era criar uma entidade autônoma que monitorasse as políticas públicas e prestasse informações aos movimentos populares. O sonho se tornou realidade e em 1981 Betinho e Carlos Afonso criaram uma instituição de utilidade pública federal, sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa e a partido político, cuja missão é a construção da democracia, combatendo desigualdades e estimulando a participação cidadã. Cândido Grzybowski foi convidado para a direção geral e contribuiu de forma decisiva para a atuação do Ibase no processo do Fórum Social Mundial. Hoje a instituição conta com a participação de mais dois diretores: João Sucupira e Dulce Pandolfi e celebra 25 anos de uma trajetória de luta e participação, reconhecida no Brasil e no mundo.
"Comemorar não é só festejar, é lembrar". Com esta frase Dulce Pandolfi deu as boas vindas aos convidados no encontro Juventude, participação e cidadania - que papo é esse? que encerrou as atividades pela comemoração dos 25 anos do Ibase. O evento foi um exemplo prático da nova proposta de promoção do debate público que concilia a tradicional mesa de debates com expressões artísticas, na tentativa, principalmente, de manter um diálogo mais próximo da juventude. E não haveria local mais propício para essa aproximação calorosa do que a Lapa, bairro tradicional da boemia carioca que reúne jovens de todas as tribos.
O atraso de quase uma hora, provocado pelo problema dos aeroportos, fez com que Regina Novaes, presidente do Conselho Nacional de Juventude e da Secretaria Nacional de Juventude, chegasse ao Centro de Teatro do Oprimido - CTO - pouco depois da pesquisadora do Ibase, Patrícia Lânes, ter iniciado sua fala. Patrícia, que esteve à frente da pesquisa "Juventude Brasileira e Democracia - Participação, Esferas e Políticas Públicas", começou agradecendo aqueles que apesar da demora permaneceram sentados nas arquibancadas e cadeiras espalhadas pelo salão. Em seguida, ela lembrou a trajetória de atuação do Ibase em relação à juventude: o fortalecimento do Estatuto da Criança e Adolescente, o Núcleo Geração, da Ação da Cidadania contra a Miséria, a Fome e pela Vida - que reuniu jovens voluntários e integrou moradores de favelas e de diversos bairros da cidade - , a presença na luta pelo voto aos 16 anos na campanha "Se liga 16" e a criação de alguns coletivos locais liderados pelo Ibase no Fórum Social Mundial, quando as ações da juventude no mundo se tornaram mais visíveis.
Aos poucos mais pessoas foram chegando e ocupando o espaço. Na primeira fila alguns lugares ainda estavam vazios à espera de seus donos que permaneciam de pé na entrada: mochilas penduradas nas costas e olhar atento na mesa onde estavam a rapper Refém, Mônica Santos, integrante da Agenda Social Rio, além de Dulce Pandolfi, Patrícia Lânes e Regina Novaes.
A dificuldade do jovem de se sentir integrado ao espaço público, de se ver como parte das instituições e a situação frágil a que estão submetidos na contemporaneidade, foram algumas constatações das debatedoras. Através de suas falas individuais, elas construíram um diálogo rico e provocativo e aos poucos o público foi entendendo o porquê dos principais convidados da noite não tomaram seus lugares no recinto.
"Juventude, participação e cidadania- que papo é esse?"
"Por que a juventude como tema para esta ocasião?" Dulce Pandolfi explicou que o Ibase está iniciando uma nova linha de atuação e pesquisa totalmente dedicada à juventude, embora o tema já esteja há tempos no foco de diversas ações do Instituto. A primeira medida dessa nova linha de atuação foi a realização de uma ampla pesquisa sobre o tema, que esteve em voga na última década. Patrícia Lânes contou que a ideia era contemplar uma outra perspectiva que não fosse aquela que vê o jovem como um problema que deve ser remediado, a intenção era partir da ideia do jovem como um sujeito de direito, expressão que foi por diversas vezes enfatizada pelo grupo de debate. A inquietação que moveu os pesquisadores foi justamente o princípio que associa juventude à alienação. Ele teria realmente fundamento? E se tivesse? Quais seriam os motivos pelos quais os jovens se eximiriam de participar do corpo social?
"Começamos a ver que era um mito essa história de todo jovem ser alienado, eles mostraram uma visão crítica de sua realidade. Cientes das dificuldades de trabalho, de acesso à cultura, à educação e ao trabalho. Eles sabem que isso é um problema", revelou Patrícia.
Segundo Regina Novaes, não é por uma boa coisa que o tema da juventude foi parar no centro da discussão social nessa década de passagem entre os séculos XX e XXI. "A juventude é o segmento mais vulnerável frente às mudanças sociais no Brasil e no mundo. É o grupo mais atingido, onde se potencializam os problemas da exclusão e das injustiças sociais. A grande questão do jovem contemporâneo é o medo de sobrar, pois sua inserção produtiva está sob constante ameaça, Todos os jovens têm medo do futuro, medo da morte prematura (por arma de fogo, acidente de trânsito, etc) é outro ponto importante. Essas questões atingem a todos os jovens, marcam uma geração inteira, por isso começam as políticas públicas para a juventude", explica a antropóloga.
Realizada entre os anos de 2004 e 2005, em âmbito nacional, a pesquisa envolveu oito mil jovens entre 15 e 24 anos, em sete regiões metropolitanas do Brasil e no Distrito Federal. O Ibase coordenou os trabalhos em conjunto com a Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais - numa rede de parceria com várias outras instituições que já trabalhavam com a questão da juventude. O resultado foi a publicação do documento: Diálogo nacional para uma política pública de juventude que apresenta dados e considerações sobre o trabalho.
A pesquisa foi dividida em duas partes: o tradicional questionário e a metodologia inovadora dos Grupos de diálogos. "Essa segunda etapa foi a mais bacana, conversamos com cerca de mil jovens. Eram conversas longas, de oito horas, com jovens de diferentes experiências", explica Patrícia.
Diante da falta de perspectiva e do sentimento de desilusão presentes em muitos dos jovens - problemas que mais tarde foram apontados também por Mônica Santos - os pesquisadores propuseram aos jovens três caminhos participativos como alternativa de mudança: a) Participação social através de vínculos com instituições, partidos políticos e ONGs, b) Trabalho voluntário individual, c) Participação autônoma pelo esporte, cultura ou lazer.
Segundo Patrícia, a conclusão que se chegou após as discussões nos Grupos de diálogos foi que somente uma das alternativas não dá conta da realidade complexa em que estamos inseridos, e que para vislumbrarmos alguma mudança é preciso que articulemos esses três caminhos.
Mônica Santos enfatizou a dificuldade dos jovens das comunidades em se sentirem parte da cidade. O trabalho que resultou na criação do Núcleo de Política e Cidadania do Borel e Grande Tijuca começou com a organização de visitas a lugares públicos como o Centro Cultural Banco do Brasil e o Museu Nacional. Segundo Mônica, ficou nítido o constrangimento desses jovens em relação ao espaço público. Além da questão do acesso à cidade, ela ressaltou o problema dos projetos sociais que já chegam prontos nas comunidades, em propostas que não partem das necessidades reais dos jovens. Um dos objetivos do Núcleo é justamente trabalhar a partir das propostas criadas pelos próprios jovens, estimular o pensamento crítico e incentivar o debate. "Os jovens começam a questionar e deixam de ser objetos de projetos, passam a ser protagonista".
Outra constatação foi a que em nossa sociedade o jovem está sempre sob suspeita. Regina Novaes lembrou o quanto a nossa polícia é despreparada para lidar com a juventude e através da contundência do rap, Refém expressou sua indignação. "O movimento Hip Hop parte desta ideia recorrente em nossa sociedade que trata o jovem como suspeito". Moradora da baixada, negra e transitando entre os rappers, meio em que a participação feminina ainda é novidade, Refém falou sobre determinação e a possibilidade que o jovem tem de criar sua própria história. E foi pela sua expressão artística, cantando rap, que Refém deu seu recado: exaltou a Baixada Fluminense "é o meu lugar", criticou a violência contra a mulher e defendeu o direito ao aborto.
O rap de Refém, o som do DJ Andrézinho, a cena de teatro que abriu o evento e as apresentações de CJ Hip Hop (break), do Coral Iyún Asé Orin (cânticos de axé em iorubá) possibilitaram a reflexão sobre a urgência de reconhecermos outras formas de expressão e participação. E mais uma vez, ao exercício de perceber por outras lentes concepções pasteurizadas pelo senso comum que nos impõem que as aceitemos como verdades imutáveis.
Segundo Regina Novaes, o que se tenta fazer hoje é colocar duas palavras no centro da discussão sobre a juventude: direito e oportunidade. Ela acredita que as mudanças partirão do exercício do diálogo entre jovens e adultos, "escuta e aprendizado mútuos" e entre as diferentes tribos que constituem a juventude. E vê na fragilidade a que os jovens estão submetidos justamente a chance que eles têm de inovar e provocar transformações significativas. "É preciso encontrar o que une essa geração e a partir daí lutar por políticas públicas. Se eles se fragmentarem, farão os mesmos que os adultos. O grande desafio é fazermos com que os jovens não reproduzam os preconceitos dos adultos".
Se esse tipo de encontro acontecer com mais frequência, certamente, as primeiras cadeiras serão rapidamente ocupadas e os tímidos espectadores da entrada tomarão seus lugares.
Leia a pesquisa Diálogo nacional para uma política pública de juventude
Saiba mais:
Publicado em 05/12/2006.
Publicado em 05 de dezembro de 2006
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