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Cecília Meireles
Luiz Alberto Sanz
Um canto porque o instante existe
A tijucana Cecília Benevides de Carvalho Meireles (7 de novembro de 1901 a 9 de novembro de 1964), tinha apenas oito anos mais que Luiza Barreto Leite (1 de outubro de 1909 a 1 de dezembro de 1996), mas foi uma das professoras que mais marcaram a futura educadora, jornalista e atriz na sua rápida passagem (penúltima série do primário) no batista Instituto Lafayette. Era aí por 1924. Cecília se formara na Escola Normal em 1917 e tinha acabado de publicar Nunca mais... e Poema dos Poemas (1923) que se seguiram a Espectros (1919), seu primeiro livro de poesia, objeto de elogios de críticos como João Ribeiro que, ao contrário de seu filho Joaquim, não era dado a grandes expansões: em breve, e sem grande esforço, poderá lograr a reputação de poetisa que de justiça lhe cabe.
Já poeta firmada, a educadora Cecília não suportava declamação e tentou impedi-la na didática do Lafayette. Felizmente, outra grande jovem educadora, Juracy Silveira, discordava. Com a cobertura de Juracy, Luiza ocupou espaço que lhe possibilitaria ser uma das melhores intérpretes de poesia da sua geração. Em resposta a pergunta o crítico Yan Michalski, ela conta:
... fui estudar num colégio onde a Cecília Meireles e a Juracy Silveira eram professoras. Como eu não podia cantar, porque era muito desafinada, eu fiquei sendo a declamadora oficial do colégio. E fiz uma peça sobre Sarmiento. Foi o ano do Sarmiento, grande argentino. Ganhei várias coisas. A Cecília Meireles não queria que a gente declamasse. Ela achava incrível, horroroso. E não queria que declamassem as poesias dela também. Mas a Juracy, que era muito minha colega, incentivava demais aquilo.
A intransigente Cecília foi poeta, artista plástica, educadora e jornalista. Tudo com paixão, como confessaria: A educação (...) é uma causa que abraço com paixão assim como a poesia.
Filha da primeira professora formada no Brasil, Matilde Benevides, gostava de estudar nos livros e cadernos da mãe. Essa paixão é bem lembrada por Lúcia Helena Vianna no sítio Vidas Lusófonas:
A Educação é uma causa e um compromisso. É a sua militância. Exerce o magistério até 1951 (aposenta-se como Diretora de Escola). Defende os ideais da Nova Escola, propostos por Fernando Azevedo e Anísio Teixeira: desejam uma escola que proporcione o desenvolvimento integral da criança. De 1930 a 1934 dirige seção diária sobre Educação no jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. O seu entusiasmo leva-a a criar uma Biblioteca Infantil, no Pavilhão Mourisco, em Botafogo. É a primeira no gênero, germe para inúmeras outras que se espalham pelo Brasil.
Autorretrato
Sua poesia, apesar de moderna, tem traços do Movimento Simbolista e do lirismo de tradição portuguesa, marcado pela tristeza e o desencanto. De sua obra poética destacam-se: Viagem (1929), Romanceiro da Inconfidência (1953), Poemas escritos na Índia (1962) e Solombra (1963). Sua obra humana mais notória é a filha Maria Fernanda (atriz extraordinária cujas interpretações me emocionaram, e muito, quando, jovem, usufruí suas interpretações em Um bonde chamado desejo, Verde que te quero verde e As Troianas).
Os poemas que provocaram este encontro com Cecília foram enviados por Renata Vasconcelos (Contemplação) e Rosana Zucolo (Lua Adversa).
Renata é uma videasta do barulho, mestra em Ciência da Arte e outras artes. Mulher e artista sensível e uma das pessoas mais afetivas, delicadas e, simultaneamente, sarcásticas com quem já convivi prazerosamente.
Rosana Zucolo é uma amiga por quem tenho grande afeto. Jornalista e professora que só acumula bons resultados em seus projetos e na formação de seus alunos. Por isso mesmo, tornou-se uma errante. Lembro-me de sérias palavras de Joaquim Ribeiro à minha mãe, Luiza Barreto Leite: "Luiza, teu problema é que você chega e vai fazendo. As pessoas não gostam disso. Quanto mais você faz, mais aparece o que os outros não fazem". Acho que isso acabou repercutindo na menina Zucolo que muito fez nos postos que ocupou na Federal de Santa Maria, na Secretaria de C&T do RS, na FSBa, em Salvador e, agora, de novo em Santa Maria (sua terra e de minha mãe), em uma faculdade católica na qual coordena a Agência Central Sul de Notícias que foi premiada pela segunda vez recentemente. Tudo isto com a delicadeza que a faz amar poesia e a filosofia de Martin Buber.
Grandes escolhas de poemas. Fogem ao óbvio de Cecília e, ao mesmo tempo, nos oferecem exemplo claro da obra daquela que chamaram de "poeta do amor"...
A eles, lembradas minhas amigas e já que estamos no Portal da Educação, acrescento algumas escolhas de meu Eu: Motivo e da Bandeira da Inconfidência.
Saudações a todos.
Motivo
Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento,
Atravesso noites e dias
No vento.
Se desmorono ou se edifico,
Se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Contemplação
Não acuso. Nem perdoo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.
Quando os homens apareceram,
eu não estava presente.
Eu não estava presente,
quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente,
quando o sol apareceu no céu.
E, antes de haver o céu,
EU NÃO ESTAVA PRESENTE.
Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.
Parece que às vezes me falam.
Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens
onde todos somos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes,
da oferta que vai comigo, e em que resulta,
pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio, e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.
Já vês que me enterneço e me assusto,
entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.
Noites e noites, estudei devotamente
nossos mitos, e sua geometria.
Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,
eu era amor. Só isso encontro.
Caminho, navego, voo,
- sempre amor,
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
- mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
Á beira dos teus olhos,
por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti?
Lua Adversa
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida
Fases de vir para a rua
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua
Tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm
No secreto calendário
Que um astrólogo arbitrário
Inventou para meu uso
E roda a melancolia
Seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
Não é dia de eu ser sua
E, quando chega esse dia,
O outro desapareceu...
Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
- e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
"Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio..."
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
"Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam..."
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus - pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
- e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
"Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Leem notícias nas Gazetas?
Terão recebido cartas
de potências estrangeiras?"
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas!
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade - essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.
Quem quiser ler mais sobre Cecília, pode visitar sítios como:
Ou dar uma busca na Internet. Há de encontrar muita coisa valiosa.
Publicado em 12/12/2006
Publicado em 12 de dezembro de 2006
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