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Coisas de mulher e folclore

Thelma Regina Siqueira Linhares

Publicado em www.usinadeletras.com.br. Recife, setembro/2002

Identificar o século XX por inventos não é tarefa fácil, haja a vista, a imensa diversidade de invenções que caracterizaram os últimos cem anos da história da humanidade.

Invenções simples às mais sofisticadas, complexas e/ou científicas fizeram a história do cotidiano do ser humano, nesse século recém-findo. Seja como componente integrante e significativo do dia-a-dia, seja como um referencial, um ouvir falar, às vezes longínquo, não compreendido, não fazendo parte da realidade do aqui e agora, dos diferentes povos do nosso planeta Terra.

E, por serem tão variadas e abrangentes refletiram, com certeza, em todas as atividades da vivência humana, interferindo/modificando/reforçando/reinventando a sua aventura, desequilibrando o status quo do relacionamento homem-mulher.

A mulher, especialmente nesse século XX, jamais será a mesma. Muitas foram as invenções colocadas a seu dispor e que tiveram como consequência a evolução/revolução do seu papel sóciocultural, até, então, de sexo frágil.

Absorvente, pílula anticoncepcional, camisinha, inclusive feminina, AIDS. Minissaia, silicone, carro, celular, aparelhos eletrodomésticos. Igualdade de direitos ao homem, garantida pela Constituição. Trabalhar fora, direito à escolha do companheiro, divórcio, inseminação artificial, produção independente, desestruturação familiar. Enfim, uma gama de pequenos e grandes inventos que permitiram à mulher assumir novos e outros papéis na sociedade, além daquele milenar, de mãe e dona-de-casa, já sacramentados em todas as sociedades, desde os aparecimentos da humanidade e a especificidade dos sexos.

O folclore, como ciência do pensar, sentir e agir do povo, tem nos assuntos relacionados à mulher e às fases que caracterizam a sua fisiologia, temática rica e variada. As cantigas de ninar e de roda e as histórias da carochinha... as crendices, superstições, tabus e faz-mal... as receitas de comes e bebes... os ditos e anedotário... são alguns dos muitos elementos do folclore que refletem os conceitos e preconceitos das questões de gênero.

O tema deste ensaio, Coisas de Mulher e Folclore, foi escolhido a partir da evolução observada nos absorventes higiênicos. Das toalhinhas higiênicas e dos primeiros absorventes presos em cintos com presilhas e calcinhas plásticas, da década de 1970 aos atuais absorventes, aderentes, com e sem abas, anatômicos, fininhos e seguros, há um passo largo em prol da higiene e da comodidade feminina, inegavelmente. E, como uma coisa puxa outra, a curiosidade de pesquisar o universo do folclore feminino foi aguçada. Como tabus, superstições e crendices são incorporados pelas jovens da era da informática? Como mulheres vivenciam conceitos e preconceitos assimilados em outras etapas de vida?

Na expectativa de encontrar respostas para esses e outros questionamentos, começamos a pesquisa bibliográfica e de campo, que registramos aqui os primeiros dados para a revista on-line Jangada Brasil. Disponibilizamos o e-mail folcloremulher@bol.com.br para eventuais colaborações, sugestões ou críticas em algum aspecto do referido estudo, por parte dos leitores jangadeiros(www.jangadabrasil.com.br) e usineiros (www.usinadeletras.com.br).

Menina

No contexto social do próprio ambiente familiar, cabia à mulher - mãe, babá e, anteriormente mucama - a socialização dos fatos folclóricos às novas gerações. Com a modificação dos papéis sociais da mulher-mãe, agora mão-de-obra responsável, também, pelo sustento e sobrevivência da família, é a escola de Educação Infantil (antigo pré-escolar) e a Educação Fundamental, que cabe tal função social. Incluir em suas atividades cotidianas, a prática das brincadeiras populares, por exemplo, como componente socializador de meninas e meninos, é uma medida eficaz para o aprendizado do folclore entre as crianças.

Usar roupas de cor rosa, já no enxoval da menina. Brincar de casinha e utensílios do lar, artesanalmente feitos ou produzidos em indústrias. Panelinhas de barro. Bonecas de pano - as bruxinhas. São algumas expressões da fase mulher-menina.

Dentre as brincadeiras populares próprias do sexo frágil, figuram: pular amarelinha ou academia, corda, elástico (popularizado na década de 1990), passar anel, brincar de roda. Histórias da carochinha. Bruxas, fadas e príncipes, surgem e acompanham os sonhos da menina-moça e, às vezes, até as fantasias da mulher madura.

Menina-moça

O corpo da menina, mais cedo que no menino, começa a sofrer transformações. A puberdade começa e, em breve, dá lugar à adolescência. Época do surgimento de cravos e espinhas - o terror da menina-moça. Para acabar com esse mal, duas receitas, dizem, infalíveis: passar, na área afetada pela acne, a primeira urina do dia ou o mênstruo do primeiro dia da menstruação. Em ambos os casos, deixar agir por alguns minutos, lavando com bastante água e o sabonete de uso diário. Repetir uma ou outra receita até atingir os objetivos.

Um método de provar a virgindade da donzela: pegar um cordão, cujo tamanho é obtido pelo dobro da medida do seu pescoço. Segurando as duas pontas do cordão na boca, tentar passá-lo pela cabeça. Se não conseguir, a jovem ainda é virgem.

Talvez, nessa fase biológica da mulher, a prática das superstições casamenteiras do ciclo junino sejam mais comuns. Especialmente, no dia dos namorados (12 de junho) - véspera de Santo Antônio (13 de junho) - jovens namoradeiras, em adivinhações, crendices e superstições diversas, buscam desvendar o futuro amoroso que as aguardam. Rezando, lentamente, a oração Salve Rainha, deixa-se pingar a vela num prato ou bacia, virgem, com água, até "mostrai-nos". A letra que for formada será a primeira letra do futuro namorado...

Mulher

Coisas para passar dor de menstruação:

  • deitar-se ao lado e abraçar o travesseiro, na altura da barriga;
  • ao usar a privada, debruçar-se para à frente e abraçar um travesseiro;
  • usar uma bolsa de água quente na barriga;
  • beber chás caseiros: erva-doce, erva-cidreira etc.

Coisas que devem ser evitadas durante o período menstrual:

  • tomar banho de mar ou piscina;
  • ir à praia;
  • praticar atividades físicas;
  • sentar ao chão;
  • sentar em lugar quente;
  • pegar em peso;
  • comer alimento remoso (porco ou peru);
  • comer crustáceos;
  • comer cebola e ovos - para não acentuar o mau-cheiro;
  • comer determinadas frutas (abacaxi, laranja, manga, limão, jaca ou banana-anã);
  • comer frutas com sementes na cor preta (pinha/ata, graviola, melancia, etc.);
  • andar descalça;
  • lavar os cabelos;
  • dormir sem calcinhas;
  • varrer a casa;
  • ter relações sexuais;
  • entrar em cemitério.

Coisas para chegar a menstruação:

  • tomar água inglesa;
  • tomar Regulador Xavier;
  • tomar banho quente;
  • tomar chás caseiros (erva-cidreira, alcachofra, cuminho, quebra-pedra);
  • pular;
  • fazer exercícios físicos.

Superstições para uma gravidez saudável:

  • comer bem, evitando gorduras;
  • dieta saudável, alimentação leve;
  • dormir bem;
  • fazer exercícios moderados;
  • andar/caminhar;
  • não transar;
  • não tomar banho de mar;
  • não subir escadas;
  • não sentar em batentes;
  • não pegar em peso;
  • não colocar chave no seio para o bebê não nascer com lábio leporino;
  • não falar a ninguém que está grávida para o nenê nascer bonito;
  • ter os desejos realizados, pois do contrário, pode perder o bebê;
  • olhar fotos de gente bonita, para o bebê, também, nascer bonito;
  • não ir a zoológico, para o nenê não nascer com cara de macaco.

Superstições para passar enjoos:

  • chupar limão ou gelo;
  • apertar um limão inteiro;
  • cheirar casca de laranja descascada em fita;
  • cheirar canela;
  • cheirar as axilas do marido;
  • cheirar uma axila do marido, quando ele chegar da rua, suado e sem ele perceber;
  • tomar chás caseiros (louro, boldo, erva-doce);
  • mastigar grão de arroz;
  • mascar cravo da índia;
  • mascar um palito de fósforo;
  • colocar uma moeda dentro do sutiã;
  • segurar firme uma moeda com a mão bem fechada;
  • pedir ao marido para passar a perna por sobre seu corpo, enquanto estão deitados.

Superstições para prever o sexo do bebê:

  • cortar um coração de galinha ao meio e por para cozinhar. Fechando, nascerá menina.
  • se a barriga for redonda, menina. Se pontuda, menino;
  • colocar uma tesoura fechada e uma aberta, embaixo de duas almofadas. Se a gestante sentar sobre a tesoura aberta, terá uma menina;
  • pedir a mão da gestante. Se ela estender a mão com as palmas para cima, terá uma menina;
  • enjoar muito, nascerá uma garota;
  • fazer ultrassonografia para saber o sexo do feto;

Para ter uma boa hora no parto:

  • rezar para Nossa Senhora do Bom Parto;
  • acender velas para N. Sra. do Bom Parto;
  • trazer consigo a imagem de N. Sra. do Bom Parto;
  • fazer a trezena para N. Sra. do Bom Parto;
  • muita oração;
  • ficar bastante calma e pensativa;
  • fazer respiração "cachorrinho";
  • tomar xícara de café quente com manteiga;
  • não dormir muito.

Outros nomes para menstruação:

  • boi;
  • tá de boi;
  • bezerra;
  • incomodada;
  • regrada;
  • (estar) doente;
  • mulher doente;
  • regra;
  • Chico;
  • marido;
  • TPM;
  • estressada, nervosa;

Piadas:

- O monstro chamou a monstrinha:
- Vamos fazer um monstrengo?
- Não, pois estou monstruada!

Um rapaz na noite de núpcias, quando notou a mulher menstruada disse:
- Jogo adiado. Campo alagado...

Referências Bibliográficas:

SOUTO MAIOR, Mário. Os Mistérios do Faz-mal. 20-20.

CASCUDO, Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro.

MELLO, Luiz Gonzaga de. Mulher, comparação e Machismo. FUNDAJ - Folclore 163 - out/1985.

Enjoos, sexo dos bebês e superstições de gravidez. O Povo - 2º caderno. Fortaleza 15/5/1986.

Publicado em 07 de março de 2006

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