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Colégio Pedro II: escola de líderes

Leonardo Soares Quirino da Silva

Vivemos para o estudo,
Soldados da ciência
O livro é nosso escudo
E arma a inteligência.
Por isso, sem temer
Foi sempre o nosso lema
Buscarmos no saber
A perfeição suprema.
(Trecho do hino do Colégio Pedro II)

Criado em dezembro de 1837, para formar a elite do Império e servir de padrão para as outras escolas do país, o Colégio Pedro II segue, até hoje, como um dos centros de excelência entre as escolas de ensino médio do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Nas palavras de seu diretor, o colégio tem que ser o "paradigma da escola pública de massa e qualidade".

Realmente, hoje, a escola se orgulha da diversidade de origens de seus alunos, apontada em seu Projeto Político Pedagógico como uma de suas riquezas.

Para conhecer e ir além das informações disponíveis na internet, conversamos com o diretor geral, professor Wilson Choeri, ex-aluno da escola. Também participaram da entrevista outros dois ex-alunos, o professor Geraldo Pinto Vieira, que colabora com o Núcleo de Documentação e Memória (Nudom), e o professor Aloysio Jorge do Rio Bárbaro. Juntos, eles somam mais de 150 anos de serviço ao colégio.

Colégio pioneiro

A história da escola remonta ao Colégio de Órfãos de São Pedro, fundado em 1733. Seis anos depois, o colégio foi transformado no Seminário de São Joaquim, que funcionava no mesmo local onde hoje fica a Unidade Centro. Fechado por Dom João VI em 1818, o seminário foi reaberto em 1821 a pedido da população. Em 1831, durante a primeira regência, teve sua natureza modificada pela inclusão de cursos de artes e ofícios. Em 2 de dezembro de 1837, um decreto imperial criou o Colégio de Pedro II aproveitando as instalações do seminário.

O ato de criação fez o colégio ser pioneiro em dois aspectos. Por um lado, foi a primeira escola pública de educação secundária. O então ministro interino do Império, Bernardo Pereira de Vasconcellos, teria tomado essa medida por acreditar que o ensino público fosse ser superior ao particular, então oferecido em condições precárias e por professores sem formação. As funções do Ministério do Império correspondiam às atuais pastas da Educação, Cultura e Infraestrutura.

Por outro lado, o ato de sua criação estabelecia o secundário como um nível de ensino entre o primário e o universitário. Quando começou, esse nível tinha seis anos, tendo duração de sete anos na maior parte do período imperial. No período republicano, o secundário será divido em ginásio e em curso complementar - depois colegial, com a Lei de Diretrizes de Base, de 1961.

Os alunos eram admitidos, ainda durante o Império, entre os 10 e 11 anos de idade, após passarem por processo seletivo. O regime era de externato e internato, para os que vinham de outras cidades. Já na primeira turma formada pela Instituição, em 1843, os alunos receberam o título de bacharel em Ciências e Letras e tinham acesso direto aos cursos superiores.

Para instalar a escola no prédio do Seminário de São Joaquim, o edifício foi reformado pelo arquiteto Grandjean de Montigny. Em 1874, a construção passou por nova reforma, dessa vez feita por Bethencourt da Silva, discípulo do arquiteto Montigny.

Em todo o período imperial, uma média de 12 alunos por ano completava o curso na escola, totalizando cerca de 500 alunos formados nesse período. Em sua tese de doutorado, a professora de história Vera Lúcia de Queiroz Cabana de Andrade observa que esse número não é pequeno, pois no fim do Império apenas 3% da população frequentava algum tipo de escola. Vera, hoje, coordena o Nudom do Colégio Pedro II.

Ainda com relação à função de ser modelo para outras instituições, em sua tese a professora de história cita a pesquisa da professora Massunaga, para quem o colégio nem sempre conseguiu ser o "padrão" como também teve que se render ao "padrão real". "Isso porque a tendência dos alunos foi a de abandonar o curso após cinco anos, quando eles já teriam completado a maior parte dos exames preparatórios exigidos para o acesso ao ensino superior", escreve Vera em sua dissertação.

A República e o Colégio

Seis dias após a Proclamação da República, o colégio teve seu nome mudado para Instituto Nacional de Educação Secundária e depois para Ginásio Nacional. O objetivo dessa mudança era apagar os símbolos ligados ao Império. Em 1909, uma reforma interna dá o nome de Colégio Pedro II para o externato e o internato vira Colégio Bernardo Pereira de Vasconcelos. Em 1911, as duas unidades são unificadas sob nome de Colégio Pedro II, denominação que é mantida até hoje.

A função de modelo para as outras instituições de ensino secundário chegou a ser ameaçada no início da República com a reforma implementada por Benjamin Constant. Entre as medidas previstas estava a criação do Pedagogium, que iria tirar do Colégio Pedro II essa função por ser um centro para treinamento de professores de todo o país. Como se diz hoje, contudo, a reforma de Constant não "pegou" e o Pedro II manteve sua função de modelo. Esta só iria acabar na década de 1930.

Do primeiro cone de sombra aos anos 1950

Após a Revolução de 1930, segundo o professor Wilson Choeri, o Colégio Pedro II entra em seu primeiro cone de sombra. Ele nota que "o Pedro II começou a perder luz própria, mas não seu mito".

A reforma da educação feita pelo ministro Francisco Campos (1931) passou para o Ministério da Educação e Cultura, a partir de 1932, a responsabilidade pelos programas nacionais das disciplinas. A aplicação destes em todo o país, segundo Choeri, era verificada por fiscais do ministério. Eram realizadas, ainda, as provas nacionais. A reforma privilegiou o ensino das ciências - como física e biologia - em decorrência do clima existente no período entre guerras.

O atual diretor geral observa, contudo, que professores do colégio participaram das reformas, caso de Jonatas Serrano, José Veríssimo e Venâncio Filho, mas como todos agiram individualmente, suas ações não resultaram em benefício para a o Pedro II.

Com as mudanças na formulação dos programas nacionais, os catedráticos do colégio ficaram à margem, continuando a fazer, apenas, os currículos do colégio. O cargo de professor catedrático do Colégio Pedro II era vitalício e preenchido por concurso público.

Os professores lembraram que apenas os catedráticos poderiam colocar o nome do colégio na capa de seus livros. Muitos deles ficaram famosos como autores de livros didáticos, como o professor de matemática Cecil Thiré. A propósito disso, o professor Geraldo Pinto Vieira lembra uma quadrinha popular entre os alunos da época:

Quando nasceu minha filha,
verdadeira maravilha!
Prodígio em que ninguém crê,
disse logo em voz enfática,
quero estudar matemática
pelos livros do Cecil Thiré.

Ainda nos anos 1930, o golpe do Estado Novo também contribuiu para que o colégio perdesse o destaque que tinha nos anos anteriores. A constituição outorgada de 1937, ao proibir a acumulação de cargos no serviço público, fez que muitos dos professores famosos do colégio optassem por outras escolas. Choeri lembra que foi nessa época que o poeta Manoel Bandeira saiu do colégio. Antenor Nascentes, por sua vez, declarou que não aceitava trocar o Pedro II por uma escolinha nova.

Nos anos 1950, o professor Wilson Choeri conta que foi um período muito bom para o colégio em razão do apoio do ministro da Educação do governo JK, Clóvis Salgado. O ministro permitiu a aquisição dos imóveis onde operavam as outras unidades do colégio, efetivou os professores horistas e ampliou o número de vagas. Foi nessa década que foram criadas as unidades da Tijuca, do Engenho Novo e do Humaitá. A unidade de São Cristóvão era o antigo internato, inaugurado em 1888.

1964: segundo cone de sombras

Entre as medidas tomadas no governo Castelo Branco estava o fim dos professores catedráticos. O professor Choeri lembra que, naquela época, apenas o Pedro II, o Colégio Militar e o Instituto de Educação tinham cátedras.

Contudo, os efeitos mais danosos para o colégio, na avaliação do atual diretor geral, ocorreram com a "Reforma Passarinho", que proibiu os concursos de admissão, e, com a nova política do governo federal, acabou com as escolas de Ensino Fundamental.

O resultado combinado dessas metidas foi que o colégio chegou, no fim dos anos 1970, com cerca de 3,8 mil alunos, sem nenhuma turma de 5a a 7a séries e poucas de 8a. Nessa época, o Pedro II ainda não tinha o primeiro segmento do ensino fundamental.

Virada de 1979

Em 1979, com a nomeação do diretor Tito Urbano da Silveira, esse quadro começa a ser revertido. O diretor convida o professor Choeri para ser o chefe da recém criada Divisão de Ensino, atualmente Secretaria. À frente da divisão, ele formula o I Plano Diretor de Desenvolvimento, com o slogan O Novo velho Pedro II. O novo significava a necessidade de se incorporar o que a ciência colocou a serviço da educação; o velho, por sua vez, era conservar as tradições do colégio.

O diretor compara o plano a um círculo com um polígono inscrito em seu interior. O círculo, ele explica, era o objetivo a que se queria chegar; o polígono, a situação do colégio no momento em que o projeto foi formulado. Na prática, esse processo de transformação levou dez anos.

Como parte deste plano, foram criados os departamentos para cuidar dos programas das disciplinas. Os últimos cinco catedráticos foram automaticamente nomeados chefe dos departamentos. Nas disciplinas que não tinham mais esse tipo de professor, o chefe do departamento passou a ser escolhido pelo colegiado.

A criação dos departamentos tirou dos catedráticos a prerrogativa de formular os programas das disciplinas. Esta passou a ser atividade coletiva: depois de aprovado o conteúdo, os professores tinham liberdade para usar os instrumentos que considerassem adequados para ensinar o programa.

Segundo Choeri, ele se inspirou no antigo Estado Maior do Exército alemão do século XIX ao dar maior liberdade para o professor decidir como cumprir o programa. Como lembra o professor, as dificuldades de comunicação fizeram que os germânicos desenvolvessem um sistema em que as ordens eram dadas de forma a definir o que cada comandante deveria fazer sem se prescrever como. Dessa forma, a qualquer momento o comando do exército tinha uma ideia de onde poderiam estar as unidades militares. Modernamente, essa prática se chama administração por objetivos.

Nas unidades do Pedro II, os coordenadores de disciplina ficaram responsáveis por informar ao chefe do departamento os problemas encontrados na aplicação dos programas.

O problema encontrado durante a reforma era o da adesão do professor ao conteúdo. Para isso, foi publicada a Diretriz de Verificação de Aprendizagem, que previa a realização cinco avaliações durante o ano. Dessas, duas eram gerais, feitas semestralmente pelo departamento com base no programa. Essas provas tinham peso maior que as feitas pelos professores em classe e só eram aplicadas nas turmas que não tivessem problemas intrínsecos, como a falta de um professor por motivo de doença.

A volta da segunda época foi outra novidade trazida pelo plano. O professor Choeri observa que com recuperações que duravam três dias, as famílias deixaram de participar do processo de aprendizagem. Ao comprometer as férias de verão, os pais ficariam mobilizados para que isso não acontecesse.

Na segunda época, cabia ao chefe de departamento definir os pontos nodais, outra novidade criada pelo plano. Os pontos eram os itens do programa que um aluno deveria saber ao concluir uma série, sendo pré-requisitos para o ano seguinte.

A inspiração para a criação dos pontos nodais, conta o professor, veio da técnica de administração de projetos PERT/CPM (Program Evaluation Review Technique/Critical Path Method - Técnica Crítica da Avaliação do Programa/Método do Caminho Crítico). Desenvolvidas em separado para produção de submarinos lançadores de mísseis e para análise de sistemas, as semelhanças levaram ao casamento das duas que, hoje, são empregadas em várias áreas que vão desde engenharia civil a prestação de serviços.

Para conseguir restabelecer o ensino no segundo segmento do Ensino Fundamental sem ferir a proibição do governo federal para a realização de concursos, em 1982, o colégio firmou convênio com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/PCRJ).

O acordo criou o Programa de Complementação de Estudos, que previa a vinda de alunos indicados pela SME/PCRJ. Como condição, todos deveriam ter concluído a 4a série com grau A. Esses alunos faziam período de adaptação, com reciclagem de Português e de Matemática antes de iniciar a 5a série. Mudanças nos critérios de seleção por parte do município levaram ao fim do convênio dois anos depois.

Wilson Choeri comenta que, a princípio, a reação de alguns professores foi negativa. Diziam que estavam trazendo a ralé das favelas para o Pedro II.

No segundo ano do convênio, as reclamações dos professores aumentaram. De todas as turmas admitidas via convênio, apenas uma não apresentava problemas de aprendizagem. Segundo o diretor geral, muitos dos alunos eram quase analfabetos funcionais, tendo dificuldades em História e Geografia.

Diante desse resultado, a direção da escola resolveu investigar qual era razão do sucesso daquela única turma. A classe tinha vindo de uma escola na Gamboa. Ao conversar com a diretora, descobriu-se que ela não tinha cumprido a ordem da Secretaria de acabar com a Classe de Alfabetização, atual Série Inicial. O resultado era que seus alunos tinham maior domínio da língua escrita. O resultado dessa pesquisa foi comunicado a então secretaria de Educação.

Outro desdobramento dessa experiência foi a decisão de incluir na estrutura do primeiro segmento do colégio uma Classe de Alfabetização, em 1985. Isso fez que o "Pedrinho" - apelido dado ao primeiro segmento - fosse pioneiro na adoção do Ensino Fundamental de nove anos.

Dez anos depois, em 1988, foi lançado o segundo plano diretor para o colégio com o tema O Futuro do velho Colégio Pedro II: o que queremos para o ano 2000?. O plano previu discussões sobre a definição dos conteúdos e levou a inclusão de novas disciplinas na grade, como: Sociologia, Filosofia, três línguas estrangeiras e informática. Nesta última, o Pedro II foi pioneiro na rede pública federal.

Atualmente, o colégio conta com cerca de 12,5 mil alunos, da série inicial até a 3a série do ensino médio, que estudam em suas 12 unidades. Este ano será inaugurada a unidade Niterói, a primeira fora do município do Rio de Janeiro. Em 2004, foi aberta a unidade Realengo, a primeira depois de 50 anos de existência da Instituição. Além do ensino médio convencional são oferecidos cursos técnicos.

Publicado em 07/03/2006

Publicado em 07 de março de 2006

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