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A Engenharia do Consenso
Pablo Capistrano
Comprei a terceira edição do álbum do Joe Sacco (Palestina: Uma Nação Ocupada). Sacco é formado em jornalismo pela Universidade do Oregon e se ocupou nos últimos anos em produzir "reportagens quadrinizadas" de alguns dos mais significativos conflitos étnicos e políticos da nossa época. Entre 1995 e 1996, viajou à Bósnia e acabou transformando suas impressões em quadrinhos por meio de uma publicação na revista Zero Zero com o título "Natal com Karadzic". A ideia do Sacco parece ser a de utilizar o suporte dos quadrinhos para desenvolver suas "reportagens". A edição da Conrad traz também um interessante prefácio do José Arbex, que expõe de modo bem claro, uma ideia trabalhada por Noam Chomsky.
A engenharia do consenso, à luz do prefácio do Arbex, parece indicar um tipo de procedimento técnico que as grandes corporações de informação se utilizam para forjar polêmicas e direcionar a construção de um consenso no âmbito da opinião pública. Essa é uma técnica interessante. Por exemplo, se discute hoje no Brasil se Lula sabia ou não do chamado esquema do "mensalão". Esse tipo de discussão acaba por tomar como pressuposto fundamental que o "mensalão" existiu e que ele é o que dizem que ele foi. Desse modo, não se discute a natureza do fato (o que significa "mensalão"?), mas sim se o presidente sabia ou não da existência dele. Seguindo essa linha de polêmica direcionada, impõe-se um consenso da opinião pública acerca da existência e da natureza do "mensalão". Isso parece muito com a polêmica envolvendo os "Falcões" e as "Pombas", nos EUA durante os anos oitenta. Naquela época se discutia se o regime nicaraguense (sandinista) deveria ser derrubado mediante pressões econômicas (tese das "Pombas" democratas do congresso americano) ou mediante intervenção militar (tese dos "Falcões"
republicanos). Polarizando a discussão desta forma, forja-se o consenso de que o governo nicaraguense precisaria ser derrubado de algum modo. Ninguém se dedica a pensar se é ou não justo que uma nação intervenha no regime de uma outra nação.
Essa técnica de consenso forjado anda de mãos dadas com duas outras mitologias jornalísticas. A ideia da objetividade do fato e a noção de que uma linguagem televisiva não é um "discurso" sobre o mundo, mas uma "exibição" do mundo. No primeiro caso o jornalista acredita na ideia, repetida como um mantra nas redações, que o jornalismo é algo distinto da literatura, e que, o seu papel enquanto repórter é apenas o de deixar que o fato apareça para o consumidor da notícia, como se seu discurso fosse um casulo vazio para que o mundo pudesse encontrar uma morada. Nelson Rodrigues usava a alcunha de "idiotas da objetividade" para designar o tipo humano que cedia a alma para que, supostamente, a notícia aparecesse, nua como Eva no paraíso. O segundo ponto camufla a noção de que por trás de uma reportagem de telejornal se esconde um discurso sobre o mundo, camuflado atrás de uma edição de imagens que impõe à realidade uma determinada angulação.
É a um só tempo misterioso e comovente ver os esforços da mídia corporativa brasileira em criar um consenso em torno do governo Lula. Misterioso porque, a despeito de todos os esforços em se forjar esse consenso, Lula continua subindo nas pesquisas. Comovente porque deve ser realmente humilhante para essas mesmas corporações perceber que o público brasileiro não parece mais estar sendo levado ao estado de unanimidade burra que sempre foi uma marca das sociedades de informação. O que está acontecendo? Ou a tese do Noam Chomsky vai encontrar seu caixão no Brasil das eleições de 2006 (hipótese que eu acho difícil de ser correta) ou os engenheiros do consenso forjado, andam errando muito nos seus cálculos. O bom se ter engenheiros incompetentes é que o edifício que se constrói, a despeito da sua aparente solidez e da sua imponência, sempre acaba desabando no final.
Publicado em 28/03/2006
Publicado em 28 de março de 2006
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