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Ação Griô: Cultura e Comunicação...

Cleise Campos

Atriz Bonequeira e Historiadora. Gestora do Ponto de Cultura Arte Educação no Ponto – ONG SEMEAR

Cultura tem muito a ver com comunicação. Cultura é um mundo de significados, é um código simbólico construído socialmente, isto é, em grupo, e compartilhado por todos os seus integrantes. Cultura é construção.  Griô. Saberes. Comunicação. Construção: CULTURA!

Todos os seres humanos são capazes de criar cultura, todos têm cultura. Um bebê, quando vem ao mundo, nada sabe, além de sugar o dedo. Ele está biologicamente equipado para aos poucos desenvolver a fala. Mas a língua que vai falar dependerá do grupo social ao qual pertence. Uma criancinha Fulniô  (grupo indígena de Pernambuco)  primeiro vai aprender com os pais, irmãos e a falar o Yathé, só depois ela aprenderá o português. O que essa criança vai comer, como vai se chamar, como será tratada, o que vai vestir, como vai brincar: construção cultural do meio-grupo em que vive.

Exatamente por ser construída é que a cultura pode ser tão variada! Cada grupo desenvolve a sua  e pode ser, também, transformada, modificada pelos próprios integrantes, por meio de contato e convivência com outros grupos.

Cultura é algo que pode ser trocado: temos nossa cultura, mas podemos compreender as alheias.

Troca. Comunicação...

Cultura popular designa os saberes e fazeres do povo. Mas que povo é esse? Quem são os brasileiros, afinal? Um povo plural, cuja trajetória, desde a formação até os dias de hoje, tem possibilitado o encontro e a combinação de tradições culturais diversas, recriadas em combinações novas, brasileiras. A história desses encontros e criações  que é a própria história brasileira  é marcada por conflitos e contradições.  Aprendemos na escola e ouvimos, a toda hora, os meios de comunicação repetirem que nosso povo é "o resultado da junção de representantes de três raças; o branco, o negro e o índio". Será que o conceito de raça é adequado para explicar nossa formação social e cultural?

Historiadores comentam a dificuldade de comunicação enfrentada pelos primeiros africanos escravizados que para cá foram trazidos (que viviam em diferentes locais da África e falavam línguas distintas). O colonizador os igualava, denominando-os todos 'negros', vendo-os como mão-de-obra e não como indivíduos dotados de uma história.

E a respeito dos brancos, colonizadores. Quem eram eles? Portugueses, espanhóis, franceses, holandeses, no início. Mais tarde, outros brancos. Tinham experiências de vida distintas. Diferiam na fé (católicos, outros protestantes, outros, seguidores do judaísmo e do islamismo).

E quanto aos índios que aqui viviam? Impossível saber em quantos povos se organizavam. Hoje, são mais de 200 sociedades, cada qual com sua língua, seu modo de agir e de pensar, sua política, suas regras sociais, sua ética, sua maneira de adornar o corpo e de educar os filhos, seus rituais. O povo brasileiro, além de multiétnico, é pluricultural, desde os primeiros tempos.

Não havia, como não há atualmente, uma única cultura branca, outra negra e outra indígena. Misturas...

A Ação Griô nos Pontos de Cultura tem este compromisso:

Difundir, informar, resgatar,manter, em tempos contemporâneos, a cultura popular,os saberes dos mestres (que  podem resultar em  livro,  filme-documentário, oficinas multiplicadoras - olha o Griôzinho ai gente!).

É uma missão - tarefa na tentativa de preservar /respeitar os diferentes modos de ser e de viver dos brasileiros, como aqueles que vivem em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Quem vive em São Gonçalo, vive de um modo bem diferente daqueles que vivem na cidade vizinha de Niterói, no mesmo estado fluminense. Que criações resultam das tantas misturas culturais que esse povo é capaz de fazer? Que relações são possíveis? O que pode ser descoberto-resgatado com os Griôs? Qual o resultado da mistura de mestres da cultura popular (e lá se vão 60, 70, 80 anos de vida...) e a garotada de 6 a 16 anos?

"Entrou pelo pé do pato
Saiu pelo pé do pinto
E quem quiser
Que conte cinco!"

O patrimônio imaterial como as festas e celebrações, as músicas, danças, comidas, saberes e técnicas próprias da cultura popular só se conservarão, efetivamente, se vividos por pessoas em condições, com garantias, liberdade e interesses em vivenciá-los de modo dinâmico e criativo. Assim, a recente legislação de preservação do patrimônio cultural imaterial será mais eficaz na medida em que seja amplamente conhecida pelos diferentes segmentos da sociedade  e que as comunidades locais e a sociedade abrangente tenham condições de estar mobilizadas para a prática permanente, para a transmissão e aprendizado de saberes, a pesquisa, documentação, apoio e reconhecimento da riqueza cultural brasileira, de maneira crítica e participativa.

Temos aqui, com esta proposta da Ação Griô, do Programa Cultura Viva - Ministério da Cultura, a oportunidade de contribuir nesta tarefa: na atualização constante dos princípios do relativismo cultural para as novas gerações; na valorização da diversidade cultural com respeito e tolerância; no estímulo permanente à curiosidade pelas culturas e identidades tradicionais das comunidades locais (para que sejam conhecidas e reconhecidas na própria comunidade) de modo que seja preservada a vontade de apreender, compreender, vivenciar, repassar e reinventar as tradições com liberdade, criatividade e senso de justiça social. Posto que tal preservação e a superação das desigualdades socioeconômicas são um dos maiores desafios que a sociedade brasileira enfrenta neste século XXI.

Publicado em 02/01/2007

Publicado em 03 de janeiro de 2007

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