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João Antônio: escritor, jornalista e...malandro

Ieda Magri

João Antônio, mais conhecido como o autor de Malagueta, Perus e Bacanaço, seu livro de estreia publicado em 1963 - vencedor de dois prêmios Jabuti - fez da rua a casa de seus muitos malandros, personagens de seus livros.  Diz ele: "É da rua que eu gosto, espetáculo humano e rico, movimento colorido, encantador, surpreendente. É na rua que as coisas coletivas costumam acontecer". Seus personagens andam a pé, atravessam bairros inteiros, frequentemente a Lapa e Copacabana, pensando e sentindo a cidade enquanto andam.

Depois do livro de estreia publicou Leão-de-Chácara e Malhação do Judas Carioca em 1975; Casa de Loucos, 1976; Calvários e Porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto e Lambões de Caçarola, 1977; Ô Copacabana, 1978; Dedo-duro, 1982; Abraçado ao meu rancor, 1986;  Guardador, 1992 para dizer de seus melhores livros. "Agarrei-me à literatura aos onze anos. Neste amor já houve longos espaços de paixão maluca e houve esmorecimentos explicáveis, que eu, com estes meus arrebatamentos só apronto confusão. E levo tanta aflição por dentro". Quem leu Abraçado ao meu rancor que o diga!

Escritor de uma literatura que não quer ser enquadrada, defendeu  o que ele chamou de corpo-a-corpo com a vida: "Malagueta é simplesmente uma aventura que cansei de viver". E se não vivia, via viver: saía com uma agenda de telefone pra anotar, em ordem alfabética, as gírias novas dos malandros cariocas. Misturava-se com eles, era um deles. E costumava dizer em seus contos que o mundo estava dividido entre os malandros e os otários.

Entre o jogo e o bar, o ganho e o gasto, é que os personagens de João Antônio se sustentam. Encontram uma outra maneira de viver que não no mundo do trabalho. Como o chutador de tampinhas: "Olhe: sou um cara que trabalha muito mal. Assobia sambas de Noel com alguma bossa. Agora, minha especialidade, meu gosto, meu jeito mesmo, é chutar tampinhas da rua. Não conheço chutador mais fino."

Em Dedo-duro: "Saído do xadrez, não fazia uma semana, Cigano, um punga fuleiro dos que se desapertavam como lanceiros nos ônibus Avenida e tinha seu mocó num hoteleco da Boca do Lixo, mandou pintar um quadro que pendurou na cabeceira da cama. Dizia lá: 'Morro de fome mas não trabalho. Louvado seja Deus.'"

Mas seus personagens estão longe de uma definição simples: ao mesmo tempo em que se afirmam na malandragem, vivem como pingentes da cidade, carregando consigo o peso da vida. Ítalo Calvino diz no seu livro Seis propostas para o próximo Milênio que o peso da vida "está em toda forma de opressão; a intrincada rede de constrições públicas e privadas [que] acaba por aprisionar cada existência em suas malhas cada vez mais cerradas". Ao ler João Antônio percebemos imediatamente que seus personagens, sempre com um nome que dá a medida do peso que carregam, estão como que plantados no chão, não sucumbindo a um peso demasiado grande, mas carregando-o com dignidade e alguma sobra de resistência.

E como seus personagens, João Antônio carregou também seu peso dividido entre o trabalho de jornalista que tanto o consumia e a dedicação à literatura, até 1996, quando morreu sozinho e quase esquecido em seu apartamento em Copacabana.

Este ano, em outubro, serão lembrados os 10 anos de sua morte. Que as comemorações sirvam de motivação aos que gostariam de ler a obra de João Antônio. Os livros mais importantes estão sendo reeditados pela Cosac & Naify, mas muitos deles podem ser encontrados nos sebos do Rio de Janeiro.

Publicado em 02/01/2007

Publicado em 03 de janeiro de 2007

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