Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Sobre a violência da mídia

Cláudia Sampaio

Os heroísmos da reflexão

Entre tentativas de golpes, vírus, correntes, e muitas besteiras, a internet ainda se apresenta como uma daquelas saídas quase improváveis em meio ao vazio e à imbecilidade que a mídia insiste em perpetuar. O que a torna sedutora talvez seja essa ainda liberdade juvenil dos recém-chegados ao mundo dos adultos. Para o bem e para o mal, leis e mecanismos de controle ainda são uma novidade nesse território e por isso mesmo surgem brechas, ilhas, que desafiam a lógica contemporânea do não pensar.

Dia desses recebi uma mensagem típica da internet, sem assinatura, encaminhada por uma amiga também jornalista. O título Heróis de verdade passaria por mais uma bobagem que dificilmente eu perderia tempo em abrir. Não fosse pela remetente, seu destino certamente seria a lixeira. O arquivo anexado, quando aberto, apresentava uma edição de fotos e textos, no que se convencionou chamar apresentação de slides. Tratava-se de uma crítica ao jornalista Pedro Bial, que usou a palavra "herói" ao apresentar os participantes do programa Big Brother. O autor anônimo mostrava fotografias e informações de quem seriam os verdadeiros heróis: pessoas que se dedicavam a ajudar ao próximo, médicos voluntários, moradores de rua que conseguiram inverter as expectativas e viver com um mínimo de dignidade, todos com nomes e referências de seus trabalhos. Em seguida, a constatação de que se um repórter brilhante como Pedro Bial vibrava e discutia namorico, intrigas e futilidades do BB como se fossem os assuntos mais importantes do país, era sinal de que algo estava lamentavelmente errado.

Mesmo concordando com a afirmação e também admirando os profissionais que se dedicam às causas humanitárias, entendo a afinidade dessa mensagem com o tempo em que a ética está necessariamente vinculada a algum interesse. No final, o autor desconhecido sugere que ao invés das pessoas ligarem para o programa, liguem e façam doações para as instituições que promovem ajuda humanitária, ao que segue um link com uma lista de instituições mundo afora.

Bem, começamos a nos aproximar do sentido deste texto que, mesmo sem lead, ou coisa parecida, tem por objetivo partilhar a preocupação com o atual panorama da mídia brasileira.

Reiterando a reflexão de que algo está lamentavelmente errado, à leitura da mensagem Heróis de verdade somou-se o texto de Cora Rónai publicado recentemente no O Globo sob o título Bolsa bandido. A jornalista condena veementemente a intenção do Governo do Estado de conceder uma espécie de bolsa-família às famílias dos menores infratores como forma de estimular os laços familiares. Cora vê na proposta um "incentivo explícito à criminalidade" e diz que a desintegração familiar não é uma questão exclusivamente financeira. Certo, caso fosse exclusivamente financeira não teríamos, por exemplo, episódios como o de Susana Richthofen. Mas há uma diferença entre casos isolados e uma situação que parece se generalizar a cada dia: jovens negros pobres envolvidos com a criminalidade. É óbvio que a pobreza não justifica a violência, mas a falta de dinheiro é, sim, uma violência, principalmente quando sabemos que políticos, bancos e empresas de comunicação ganham rios de dinheiro enquanto a maioria da população amarga dificuldades. Se o problema não é só dinheiro, poderíamos pensar que a solução está então na educação, na formação do indivíduo, na união familiar, no amor. Então projetos como esse do Governo do Estado e a proposta do Governo Federal, que pretende dar uma caderneta de poupança aos jovens carentes para que eles não abandonem a escola e fortifiquem os laços familiares, seriam luzes no fim do túnel.

Mas também podemos pensar que quando o governo precisa dar dinheiro para a criança e/ou jovem para que eles continuem os estudos, ao invés de investir na melhoria das escolas, algo também está terrivelmente errado. Não seria mais coerente as pessoas terem um mínimo de dignidade e boa educação? Mas como pensar em estruturas melhores, professores bem remunerados, crianças sendo de fato estimuladas ao exercício do pensamento, se estamos em um lugar onde os políticos aumentam seus próprios salários, bancos lucram à custa do trabalhador e a mídia incentiva a cada dia a atrofia do pensamento? Com esse quadro lamentável somente cabem programas do tipo maquiagem, sejam de tevê ou do governo, pois é preciso ser politicamente correto, pensar na população carente, no problema ambiental, etc. É como aquela história da mulher que dizia não ter preconceito racial, mas não suportava a ideia de ver a filha casada com um negro, afinal, os negros devem saber o seu lugar e na cabeça da pobre mulher, obviamente, os negros eram inferiores a ela. Enquanto eles souberem seus lugares e estiverem conformados com eles, tanto melhor. Para quem interessa que o pensamento se torne uma virtude? Quem desse modo iria ver e telefonar para eliminar os candidatos do Big Brother?

De fato, algo está lamentavelmente errado. Que faremos se não nos agarrarmos às brechas, às ilhas que resistem à pasteurização e à crueldade de nosso governo e de nossa mídia? Aproveitemos, enquanto ainda há tempo, para cultivarmos as esperanças.

26/3/2007

Publicado em 27 de março de 2007

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.