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Abolição da Escravidão Indígena: 1680 ou 1755?
Leonardo Soares Quirino da Silva
Alguns sites apresentam o dia 1o de abril de 1680 como o Dia da Abolição da Escravidão Indígena. Nesta data, o rei de Portugal publicou mais uma lei que acabava com o cativeiro dos índios no Brasil. Para o professor José Ribamar Bessa Freire, a lei foi mais uma "pegadinha" de 1o de abril e fez parte da luta entre colonos e jesuítas pelo controle da mão-de-obra nativa.
Para Bessa, do Programa de Estudo de Povos Indígenas da Uerj (Pró-Índio), a abolição da escravidão indígena ocorreu somente de forma definitiva depois, por iniciativa do marquês de Pombal. Primeiro, por lei de 6 de junho de 1755, válida para o Estado do Grão-Pará e Maranhão. Depois, em 1758, a medida foi ampliada por alvará para o Estado do Brasil.
Dia da mentira
Considerar a lei de 1680 como a da abolição da escravidão indígena é, no mínimo, um erro de leitura. Bessa explicou que o texto da lei proibia a escravização de novos índios, mas não libertava os cativos adquiridos antes de sua promulgação.
Por isso, para o professor, não pareceu ser por acaso que a lei tenha sido assinada no dia 1o de abril:
- Foi primeiro de abril, mesmo! Em primeiro lugar, a lei não entrou em vigência. Se entrasse, não acabava com a escravidão. Ela funcionava um pouco como a Lei do Ventre Livre. No ar.
O professor explicou que as idas e vindas da legislação, ao longo de todo século XVII, resultaram da luta entre jesuítas e colonos pelo controle da mão-de-obra indígena, tanto a que estava reunida nas repartições, quanto a que estava aprisionada nas chamadas guerras justas.
Para Bessa, a participação dos jesuítas neste debate acabou levando o público em geral a ver os padres daquele período como defensores da liberdade indígena. Apesar das condições de trabalho nas propriedades das ordens serem bem superiores que nas dos colonos, não era verdade que as os religiosos estivessem lutando pela liberdade dos nativos, como declarou o professor:
- Na verdade, o que (o padre Antônio) Vieira estava pedindo (com a lei de 1680) não era a liberdade dos índios. Era o controle dos jesuítas sobre os chamados índios livres. Tanto que, quando saiu o regimento do resgate, os jesuítas passaram a fazer parte de suas tropas. Isso caracteriza bem que, na verdade, eles não estavam lutando pela libertação dos indígenas.
Os nativos sob controle dos jesuítas, bem como de outras ordens religiosas, seriam empregados em suas propriedades, gerando recursos para financiar as atividades da Companhia de Jesus.
O professor explica que no Grão-Pará, como em outras partes da colônia, a posse de terra não significava nada. O importante era ter a mão-de-obra necessária para torná-la produtiva.
Malandragem de Pombal
Tampouco a legislação pombalina foi movida por razões humanitárias, destaca o professor. Autor do livro Rio Babel: a História das Línguas na Amazônia (2004), ele está à vontade para falar sobre as reais motivações do controverso marquês.
Ao aprovar uma lei que libertava e igualava os índios aos portugueses, o objetivo de Pombal era angariar a simpatia das populações nativas da Bacia Amazônica em razão da assinatura, em 1750, do Tratado de Madri, que revogou Tordesilhas (1494).
No tratado foi estabelecido que os limites entre Portugal e Espanha na América do Sul seriam fixados segundo o princípio do uti possidetis, ou seja, a terra seria daquele que já a ocupasse e sobre a qual não houvesse acordo estabelecendo limite anterior.
O problema para os portugueses, como observou Bessa, era que naquela época havia apenas cerca de mil portugueses em toda a região.
Em vista disso, um dos critérios usados pela comissão demarcadora do tratado para saber onde terminava a área sob ocupação portuguesa e começava a espanhola era se os habitantes locais falavam a língua geral. Esta era a língua usada pelos portugueses para "civilizar" a América. Ela era o resultado da sistematização do tupinambá pelos jesuítas ainda no século XVI. No Estado do Grão-Pará e no resto da colônia teve o status de língua oficial.
O professor observa que depois da lei de 1755, a escravidão indígena nunca mais foi legalmente reinstalada no Brasil. O mesmo não ocorreu com a exploração do trabalho compulsório dos índios.
Tiro n'água
Ao considerar a possibilidade da vinda de mão-de-obra livre da Europa ou em regime de semisservidão, como ocorreu nos EUA, Jacob Gorender observou, em Escravismo Colonial, que esses trabalhadores não seriam capazes de mover a cultura agroexportadora monopolista que os portugueses implantaram na América. A razão disso é que, ao contrário dos escravos - africanos ou não -, nada impediria que trabalhadores livres procurassem terras para explorarem por conta própria, ao invés de se sujeitarem aos grandes proprietários, como ocorreu com os europeus que imigraram para o Brasil no início do século XX. No segundo caso, dos servos temporários, uma vez terminado o tempo do contrato, eles também estariam livres para procurar novas terras, como ocorreu no Nordeste dos EUA.
Como observou o professor Bessa, os índios da região amazônica não se comportaram de outra forma. Ao serem legalmente igualados aos portugueses, em 1755, eles logo tentaram voltar ao seu antigo modo de vida ao abandonarem as aldeias e vilas criadas com o propósito de estabelecer a ocupação portuguesa da região. O resultado foi uma crise na economia local pela falta de mão-de-obra, como observou o professor.
A solução para a crise veio em 1757, com a criação do Diretório Pombalino, que reinstaurava o trabalho compulsório. Os índios deveriam ser reunidos nas aldeias e ficarem sob controle de cidadão de ilibada reputação, o diretor, escolhido entre os colonos.
Nada mais longe da realidade. Segundo Bessa, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira observou que os diretores de índios eram facínoras, bandidos e assassinos, sendo cada um deles um fidalguete. Ferreira participou de uma missão científica que percorreu 39 mil quilômetros na região entre 1785 e 1792.
Publicado em 3 de abril de 2007
Publicado em 03 de abril de 2007
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