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Podem os Poderes Emergentes do Sul Tornarem-se Forças Progressivas na Arena Global do Clima?
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Por ocasião de recente evento em Berlim - McPlanet.com 2007: Clima de Justiça - , organizado por diversas entidades da sociedade civil alemã, tive a oportunidade de participar de interessantes debates sobre justiça social, mudança climática e crescimento. Na Alemanha, a questão do clima está, literalmente, "esquentando" a agenda pública. Na minha avaliação, porém, a urgência de ação que a questão exige faz com que importantes atores optem por um perigoso pragmatismo. Valores fundamentais, sonhos de uns outros mundos possíveis e fundamentos inegociáveis, bases da força política renovadora dos movimentos sócioambientais nas últimas três a quatro décadas, ficam em segundo plano. Será que é possível ganhar a batalha do clima sem mudar o sistema econômico que destrói tanto o bem comum maior da vida, a atmosfera, como as bases de uma sociedade sustentável, democrática e justa?
A questão acima me foi proposta concretamente numa mesa. Por trás, tanto a forte presença do governo do Brasil em algumas negociações internacionais, como, sobretudo, as possibilidades do nosso etanol, combustível renovável que está sendo visto como tábua de salvação de países desenvolvidos e de toda uma civilização que tem no carro individual o seu valor máximo de consumo. Ou seja, combustível para mudar mantendo tudo igual em termos de padrão de desenvolvimento destruidor de recursos naturais e excludente, hoje em escala global. É claro que não tive como esconder meu profundo ceticismo em relação à questão.
Sem dúvida, a humanidade precisa mudar a matriz energética o quanto antes, de uso predominante de combustíveis fósseis para energias renováveis. O etanol, enquanto utilidade, é energia renovável. Mas o é, também, enquanto mercadoria produzida pelo predador, social e ambientalmente, agronegócio brasileiro? Renova em que e, sobretudo, para quem? Ou aprofunda o mesmo? Aliás, até hoje o setor álcool-açucareiro tem resquícios de trabalho forçado, lá de sua origem, como a primeira grande atividade escravista colonial. Como todo agronegócio neste nosso país, concentra as melhores terras, alimenta-se dos prodigiosos recursos naturais de que somos dotados sem preocupação com a sustentabilidade, usa e abusa do trabalho braçal e sempre de olho no mercado mundial. É incrível que ainda hoje, com a crescente consciência ecológica na sociedade, se apresente como indicador de progresso o sucesso de nossas exportações, de 70 a 80%, baseadas na natureza, onde o agronegócio tem destaque. É isto que vai nos levar ao desenvolvimento? Se em séculos de colonização e dependência não nos levou, vai ser agora? Transformando as melhores terras em canaviais para etanol será diferente?
Não é produzindo etanol para o mundo que o Brasil poderá se tornar uma força progressista na arena global do clima. Neste sentido, é emblemática a aproximação do governo brasileiro de Bush na questão do etanol. Isto até pode levar o Brasil ao G8 e ao Conselho de Segurança da ONU. Mas será que nos dará uma sociedade mais sustentável, democrática, justa e respeitosa do imenso patrimônio natural em terra, água, biodiversidade, minerais etc., etc., do território brasileiro? Aliás, a produção de etanol parece dar um aval "limpo e sustentável" para retomar e aprofundar um modelo destruidor e socialmente excludente, sintetizado na falsa ideia do crescimento econômico a todo custo como base de desenvolvimento.
Mudança climática e injustiça social são as duas faces interligadas do mesmo sistema econômico e de poder que, para além dos governos nacionais e de relações internacionais, assenta nas estratégias das grandes corporações o seu controle global do mundo. Em sua lógica mercantil e de acumulação globalizada, as grandes corporações dão a regra. São elas que estão por trás do que se denomina hoje "poder emergente". Trata-se de lugares privilegiados para seus negócios globais. O tamanho de seu poder fica evidente na capacidade de impor uma visão mercantilista no trato da premente questão climática. Hoje, ao invés de restringir emissões de gases de efeito estufa e buscar urgentemente alternativas, tudo se rege por "direitos" de poluição e por créditos de carbono, como um grande negócio em escala planetária. O passivo ambiental vai acabar renovando e aprofundando o próprio colonialismo, tornando países como o Brasil verdadeiros poços de captação de carbono e, subsidiariamente, produtores de energias renováveis, para satisfazer sua pantagruélica fome de lucro. Aliás, nossa estratégia de país emergente vai mais no sentido de sócio da empreitada do que força propulsora da mudança. A solidariedade e a sustentabilidade, para um Brasil para todas e todos, vai em outra direção.
Publicado em 22 de maio de 2007.
Publicado em 22 de maio de 2007
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