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A educação é, antes de tudo, um problema filosófico, declara a diretora do ensino primário da prefeitura

Luiza Barreto Leite

Especial: Memória da Educação

Continuando sua análise dos problemas do ensino no Brasil, ponto básico indispensável à compreensão do seu programa de realizações, disse-nos a professora Juracy Silveira:

- A crise educacional de que tanto se fala entre nós não constitui uma exclusividade brasileira e muito menos da escola primária. É antes um fenômeno universal e geral, decorrente, principalmente, da ausência de uma firme orientação filosófica no planejamento e execução dos serviços de educação. A sociedade atual, produto da evolução cientifica e democrática, transferiu para a escola uma considerável soma de encargos, antes repartidos entre as três instituições: família, escola e igreja. Exigindo-se mais da escola, é claro que esta deve exigir mais, muito mais, dos alunos e professores para render mais, não apenas nos aspectos comuns à escola tradicional, que se relacionam com a aquisição das técnicas fundamentais da cultura, mas, principalmente, no que se refere aos hábitos de trabalho e de recreação, às atitudes mentais e morais- de coragem, de cooperação, de iniciativa, de pertinácia- fatores que armam o homem para a vida.

- Na verdade, continuou, a escola entre nós deveria ser assim, mas de fato não o é. Vamos, então, analisar as causas desse desconcertante desajustamento entre a escola e seus objetivos. Três são as principais e que merecem ser citadas.

1 - Apenas 155 dias de aula por ano

- A primeira decorre da exiguidade do ano letivo. Tivemos no ano passado apenas 155 dias de aula, incluindo os destinados às comemorações cívicas que, por serem excessivas, interferem na normalidade dos trabalhos escolares, impedindo um encadeamento lógico dos fatos no sentido histórico, sem o que é impossível a formação de uma verdadeira consciência histórica e uma sadia educação cívica. Quero, porém, acentuar que não houve, da parte do D.E.P., nenhuma autorização para a suspensão de aulas. Ficamos pensando que, com a nova orientação, o D. E. P. não poderia, na realidade, autorizar a suspensão de aulas para comemorações inúteis, mas "o hábito do cachimbo faz a boca torta" e tantos anos de pouco estudo e muitas festas...

Mas, D. Juracy continuava:

- Estamos, porém, procurando aumentar o número de aulas e, nesse sentido, já nos entendemos com o Serviço de Educação Cívica e Intercambio Escolar, no sentido de reduzir as comemorações às datas realmente significativas para a nossa formação histórica.

2 - Somente duas horas de aulas nas zonas proletárias

- A segunda causa do pouco aproveitamento escolar, continuou nossa entrevistada, é o regime de três turnos, representando pouco mais de duas horas líquidas para os trabalhos de classe, os quais, na escola conservadora, ocupavam o horário integral de cinco horas. E a circunstância que mais agrava o problema é que essas escolas em geral estão instaladas em zonas proletárias, onde a família não pode, por deficiências econômicas ou culturais, ou ambas, completar-lhes a educação. É claro que em tais escolas só se pode realizar um apressado programa de leitura, escrita e cálculo. Toda a outra parte, substanciosa, rica de estímulos e de ensinamentos para alunos e mestres, fica relegada a segundo plano, como complemento suplementar, quando na verdade é fundamental e insubstituível. Também neste sentido já tomamos providências e a compressão das turmas, assim como as 13 novas escolas de que já falei, vieram diminuir bastante o número de turmas sujeitas a três turnos. Não descansarei, porém, enquanto não acabar com todas. A criança precisa no mínimo de quatro horas e meia de aula, o que, na realidade, ainda é muito pouco. O ideal seria conseguirmos o horário integral, onde a criança estudasse, pela manhã, as disciplinas básicas e, à tarde, pudesse trabalhar nas oficinas e nos diversos setores destinados às atividades extracurriculares onde seria fácil a cada uma desenvolver sua personalidade individual e encontrar sua verdadeira vocação.

Que magnífico projeto, pensávamos, enquanto ela falava. Pena que o dinheiro do governo nunca seja suficiente para realizações dessa ordem. Mas as mulheres são teimosas e, quem sabe, talvez a professora Juracy Silveira consiga o milagre de romper o círculo burocrático da inércia administrativa que há tanto tempo vem sufocando esta cidade, aparentemente tão ampla e luminosa...

3 - Professoras em número reduzido

- A terceira das causas a que me refiro, e essa ainda decorrente dos três desdobramentos do horário das escolas, é a carência de professores para a regência efetiva e regular das turmas. Mas também esse problema será solucionado, pois as 511 professorandas deste ano cobrirão as falta da 1ª e da 2ª zonas e o cancelamento de remoções no decorrer do ano letivo assegurarão mais regularidade nos trabalhos escolares, em 1952.

Isso veio criar no espírito do repórter um novo problema: por que fecham as portas do Instituto de Educação a tantas candidatas ao professorado, reduzindo o número de matrículas, quando há falta de professoras e haverá mais ainda à medida que for sendo executado o projeto do aumento gradativo do número de escolas?

Enfim, como esse é um problema que não está afeto ao D.E.P., deixamos D. Juracy "em paz" com seus infinitos problemas, depois de uma tarde das mais esclarecedoras para as dúvidas sobre o ensino primário do Distrito Federal. Pena que não haja pelo menos uma Juracy Silveira para dirigir o ensino em cada estado do Brasil. Mas pelo menos já é um consolo fazer voto para que o seu programa possa ser executado aqui mesmo, em todos os recantos do Distrito Federal.

Publicado em O Mundo, provavelmente no dia 4 de abril de 1952, Rio de Janeiro;
da série: O problema dos nossos filhos

Publicado em 12 de junho de 2007

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