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A verdade bem redonda

Pablo Capistrano

Escritor, professor de filosofia

Crônicas filosóficas

“É preciso que de tudo te instruas,/ do âmago inabalável da verdade bem redonda/ e de opiniões de mortais, em que não há fé verdadeira,/ no entanto também isto aprenderás, como as aparências/ deviam validamente ser, tudo por tudo atravessado”. O autor dessas palavras, Parmênides, nasceu na Itália (numa cidade da Magna Grécia chamada de Eleia) por volta de 530 antes da era comum e desenvolveu, através de um conjunto de versos divididos em duas grandes partes, toda uma visão de mundo baseada na ideia de imobilidade. O personagem central dos versos é o próprio poeta-filósofo, que é levado num carro incandescente, guiado pelas musas (filhas da deusa Mnemonise). A viagem de Parmênides faz referência a um tipo muito particular de transposição. Um deslocamento semelhante à ascensão de Elias num carro de fogo em direção aos céus ou de Dante, na sua busca pelos ciclos do inferno, paraíso e purgatório, por Beatriz.

Em todos os casos há uma descrição firme de um arrebatamento, de uma transição entre mundos, de uma escalada pelas esferas do céu em direção ao caminho da “verdade bem redonda”. Muitas são as histórias de viagens povoando o imaginário dos homens. Talvez, todas as histórias já descritas em verso e prosa no tempo da humanidade apenas a três tipos se reduzam. As que falam sobre um amor; as que falam sobre um deus que morre e as que falam sobre uma viagem. A vigem do poeta-filósofo Parmênides, um dos primeiros pensadores da antiga Grécia, marca um momento de transição no universo da cultura antiga. A filosofia está presente em seus versos, mas ela ainda não encontrou o gênero monográfico que se tornou o padrão nas universidades modernas. Ainda está ligada ao mundo mágico e lírico das musas, as mesmas criaturas divinas do mundo mágico da sagrada deusa ancestral, que encantam e conferem poder aos poetas. A fonte do pensamento de Parmênides, antes de ser a reflexão racional, a análise meticulosa, a observação e a experimentação, é, sim, o furor divino do verbo poético.

Do ponto de vista de Parmênides e de seus seguidores, o movimento é uma ilusão. A geração de todas as coisas, o crescimento e a corrupção; o tempo, com seus ciclos de apogeu, decadência e morte, são apenas erros dos sentidos falhos, que não alcançam a verdade bem redonda do Ser. Se qualquer um de nós, amigo leitor, ao invés de um táxi para Ponta Negra, numa sexta feira à noite, entrasse no carro de Parmênides, seríamos alçados a um ponto de vista privilegiado. Poderíamos ver o mundo em sua totalidade, de fora dele, como se tivéssemos sido pegos na carona de um objeto não identificado e pudéssemos contemplar não apenas a terra, não apenas o sistema solar ou a via láctea, mas todo o universo, bem de longe, em sua totalidade.

Se pudéssemos ter essa experiência, se pudéssemos ver o mundo como a poesia de Parmênides nos induz, teríamos a sensação de que ele seria inteiro, esférico, inabalável e sem fim; tudo junto, uno, contínuo. Seríamos tomados pela deliciosa sensação de que o tempo, a morte e a decomposição são reflexões, projeções, sombras de nossa mente que tomam o caminho errado do entendimento e pensam que as coisas são como aparecem para a gente. Os seguidores de Parmênides entendem, através da poesia, que a matéria que me compõe não desaparece. Nada no universo se cria, nada se perde. As transformações superficiais das coisas não impõem a elas uma mudança substancial. Viver, sofrer, mudar e morrer não são, a rigor, coisa alguma, se a matéria que compõe meu corpo não se perde, voltando a fazer parte do mundo que me circunda. Se somos todos “poeira de estrelas” antigas, nada se perdeu, nem se criou na história de nossas vidas.

Publicado em 12/06/07

Publicado em 19 de junho de 2007

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