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Começo de Conversa

Pablo Capistrano

Escritor, professor de filosofia

Crônicas filosóficas

Pouca gente pára e se pergunta: “o que significa dizer que a filosofia começou na Grécia?”. Sim. A Grécia é um país fascinante. Quem tem mais de trinta anos no Brasil, com certeza lembra bem das viagens de Dona Benta e Tia Anastácia para a Grécia de Péricles no famoso seriado da Globo (Sítio do Pica Pau Amarelo). Lá os Gregos vestiam aqueles ridículos lençóis brancos, pregados com broches no ombro direito e aquelas coroas idiotas de louro na cabeça. Mas, se formos pensar, a Grécia é muito mais do que aquilo que aparecia nos episódios da TV.

Aliás, a Grécia, a rigor, nunca existiu. Na verdade, se você procurar um país com fronteiras definidas, com uma bandeira, um hino nacional e uma seleção de futebol (ou seja, tudo o que realmente importa para se fazer uma nação), chamado “Grécia”, na antiguidade, você não vai encontrar. Isso porque a Grécia (ou Hélade) não era um país, no sentido moderno do termo, mas um amontoado de cidades-estados, mais ou menos independentes umas das outras, com regimes políticos próprios, deuses particulares, composição étnica e jurídica distinta. Essas cidades se espalhavam por todo o mar Egeu (por aquele amontoado de ilhas legais que ficam lotadas de europeias nuas na beira da praia no verão), pela costa da Turquia, pelo norte da África, pelo Sul da Itália e Sicília. Talvez, a única coisa que realmente tivessem em comum era um certo sentimento de pertencimento a uma só comunidade, derivado, em muito, do uso de um idioma mais ou menos homogêneo e de uma escrita comum. Por isso é muito impreciso se dizer que “a filosofia começou na Grécia”. Primeiro porque Tales, o mais antigo filósofo grego conhecido, que nasceu por volta do século VI antes da Era comum, morava em Mileto, na costa da Turquia. Então, talvez, mais exato seria dizer que a filosofia começou na Turquia.

Mas dizer uma coisa dessas é perigoso. Poderia gerar sérios problemas políticos; porque gregos e turcos têm uma relação um pouco menos amistosa do que a de brasileiros e argentinos às vésperas de uma final de Copa América. Na verdade, esse é apenas um dos problemas sobre a origem da filosofia. Existem autores (chamados de orientalistas) que defendem a ideia, por exemplo, que essa novidade chamada filosofia nem sequer foi uma invenção do povo da Hélade. Para os orientalistas, os gregos, uma civilização bem mais recente do que os Sumérios, Egípcios, Persas, Chineses, Indus e Judeus, não estariam imunes à influência dessas outras civilizações e poderiam ter recebido as bases da filosofia de outros povos e não as inventado do nada. Um reforço dessa ideia pode se encontrar na tese de que a filosofia, em seu começo, não era muito diferente das seitas místicas, dos mistérios órficos e da religião monoteísta dos judeus. O cristianismo primitivo, por exemplo, bem mais judaico do que romano, quando aparece pela boca de Paulo na costa do Egeu, é confundido de imediato com mais uma escola de filosofia e não com uma religião.

Mas como tudo na filosofia é polêmico, um sujeito chamado Diógenes Laércio, eurofilo militante, defendeu a ideia de uma espécie de “milagre grego”. Assim, a filosofia teria surgido repentinamente, bruscamente, sem antecedentes. Ela seria produto do “Gênio Grego”. Uma contribuição decisiva da Grécia para a humanidade. Sem nenhuma influência do oriente. Na verdade essa ideia parece bem mais uma crença política para embalar o nacionalismo grego e salvar a Europa do vexame de não ter criado nada de original para a humanidade. Sim, porque quase tudo que realmente importa na vida da gente parece ter sido produzido ou na África, ou na Ásia (ou na América, talvez, se levarmos em consideração o milho, motivo básico das festas de São João e de toda aquela ralação de órgãos sexuais nos forrós da vida durante o mês de junho). As cidades, a escrita, a agricultura, a domesticação de animais, o fogo, o papel higiênico e o macarrão, foram criados por outras civilizações. Sobraria, então, para os Gregos e os Europeus, a tal da filosofia.

Publicado em 03/07/07

Publicado em 03 de julho de 2007

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