Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Competição X cooperação

Júlio César Prado Pereira de Souza

Ao longo de meus 43 anos, tenho estudado o comportamento do ser humano no que diz respeito à competição e à cooperação, bem como seus efeitos sociais.

Pude comprovar que a competição, iniciada na pré-história, é baseada no comportamento mais primitivo do ser humano. E se hoje sentimentos de individualidade, egoísmo, vaidade, afirmação e autopreservação são quesitos pessoais pouco admirados, eram imprescindíveis numa época que a sobrevivência era ditada pela lei do mais forte, onde a única alternativa era matar ou morrer. Com o passar do tempo, o homem, através da sua evolução, sente necessidade do convívio familiar e social. É o início da mudança do individual para o coletivo, da gradativa substituição da competição pela cooperação em prol do bem estar social. A partir daí, esta mudança seria lenta, porém contínua, e acompanharia o homem através dos tempos. Baseados nestes fatos, podemos afirmar que a cultura de um povo esta diretamente relacionada com seu desenvolvimento intelectual e, principalmente, moral, e quanto mais ele se desenvolve, maior é a cooperação entre si. A forma de expressão cultural nos dá exata noção do grau de competitividade desta sociedade e isso pode ser observado principalmente pela prática do esporte. Temos este exemplo nos países nórdicos, detentores da melhor qualidade de vida do planeta pela solução de seus principais problemas sociais, porém, com pouca expressão no cenário esportivo mundial.

Grécia e Roma antiga

Para ilustrar o que tenho dito, peguemos como exemplo a época greco-romana. Teremos como principal modelo esportivo as olimpíadas e os jogos de arena, onde gladiadores lutavam até a morte, bem como cristãos eram atirados a leões famintos como espetáculo tenebroso, divertindo a turba ensandecida.  Passados mais de 2.000 anos, logicamente não mais aceitamos tal barbárie de morticínio como forma de jogar, mas se fizermos uma analogia, veremos que as consequências sociais do modelo de ontem pouco diferem do contexto atual.

 Isto é compreensível, já que a evolução humana foi infinitamente maior no aspecto intelectual do que moral, perpetuando a competição acirrada como forma  de cultura social.

Tempos modernos

Temos na atualidade duas grandes manifestações sócioesportivas que representam a cultura mundial altamente competitiva que são: as Olimpíadas e a Copa do Mundo de Futebol.

As olimpíadas

Criada na Grécia antiga há aproximadamente 2.500 anos a.C. em homenagem aos deuses do Olimpo, as olimpíadas tinham como principal objetivo unir as cidades gregas através dos jogos. Os vencedores ganhavam coroa de louros e eram recebidos como verdadeiros heróis em suas cidades. Novamente, o homem priorizando o orgulho e vaidade do indivíduo, cidade ou mesmo nação, valorizando em demasia a cultura pela vitória. Os atletas começam a se profissionalizar, recebendo altos prêmios em dinheiro, despertando grande interesse popular. Passam assim longo tempo, quando os jogos perdem prestígio após o domínio romano no século III a.C.. E, no ano de 392, com a ascensão do imperador cristão Teodósio I, as olimpíadas são proibidas como festa pagã, para somente voltar a acontecer no ano de 1896, em Atenas.

As olimpíadas sofreram grande transformação negativa no século XX.

 Nas olimpíadas de Berlim, em 1936, o chanceler alemão Adolf Hitler nega-se a premiar o negro norte americano Jessé Owens, ganhador de 4 medalhas de ouro, induzido pela ideia da supremacia da raça Ariana. Entretanto, o fator de maior influência foi durante a guerra fria, quando o mundo dividido entre Rússia e EUA disputava, através dos jogos, qual a melhor ideologia política. Isto fez com que o evento atingisse um nível competitivo insuportável. Foi o início do “dopping” no esporte, ou seja, falta de ética para alcançar determinado objetivo. Como nos tempos antigos, a finalidade do esporte é distorcida para camuflar interesses excusos da política. O que deveria promover diversão, educação e união dos povos, acabou usado para incitar rivalidade e discórdia.

O futebol

O futebol passou a ser uma versão mais moderna das arenas romanas e continua usado politicamente como válvula de escape para extravasamento da insatisfação popular.

Os gladiadores trocaram as armas pelas chuteiras, mas o papel social continua o mesmo. O ídolo é supervalorizado, rico e famoso, idolatrado pela mídia e disputado pelas mulheres. Entretanto, quase sempre tem sua origem nas camadas sociais mais humildes, carecendo de estrutura sóciocultural para cumprir o papel de ídolo a que fez jus. Ao invés de manter uma postura ética dentro e fora de campo, exemplificando bons valores morais, fazem exatamente o contrário. Induzidos por esta forte estrutura competitiva, usam de toda brutalidade e das artimanhas mais vis para aniquilar o inimigo dentro de campo, enquanto técnicos agridem verbalmente juízes, culminando com a guerra de torcidas nas arquibancadas. Este  triste espetáculo é transmitido ao vivo diariamente para milhões de pessoas em todo o mundo, transformando negativamente o comportamento social.

O vilão

Cada país adotou como esporte profissional a modalidade que mais se identificou com seu povo e isso muda de um para outro. Entretanto todos têm em comum o forte apelo competitivo como forma de jogar. Isto se explica pela necessidade de autoafirmação do ser humano em se sentir capaz somente quando vence seu opositor. Isto se reflete principalmente nas classes sociais mais humildes, onde  pessoas sentem como única chance de vitória a experiência dentro do esporte, seja jogando em sua comunidade (verdadeiras guerras onde deveria existir o lazer), ou se realizando através da vitória de seu time ou seu ídolo. Por isso, o esporte profissional é um fenômeno social que atrai principalmente as camadas mais baixas da sociedade e não teria tanta projeção se houvesse maior igualdade social.

  Atraídos pelo forte interesse popular, empresas patrocinadoras investem milhões para veicular seus produtos ao esporte profissional, que estarão expostos exaustivamente na mídia com a intenção de incentivar uma cultura de consumo de seus produtos. Tanto interesse político-financeiro só poderia gerar uma cobrança exacerbada  pela vitória, pois todos querem vender a imagem de campeões e usam todos os meios disponíveis  para atingir tal objetivo. Este cenário de interesses diversos abre margem para todo tipo de criminalidade que existe dentro da estrutura esportiva e vai desde compra de árbitros, influência política nos tribunais desportivos, lavagem de dinheiro das empresas patrocinadoras, enriquecimento ilícito de dirigentes esportivos, manipulação de resultados, corrupção de loterias, promoção pessoal na mídia para todos os fins e uma infinidade de outras coisas. O esporte sofre todo tipo de influência negativa e fica relegado a 2º plano.

Fruto desta estrutura manipulada e desequilibrada nascem os ídolos que irão servir de modelo a nossos filhos,  quando estes vão jogar na rua ou na escola. Onde deveria ser local democrático de lazer e do desenvolvimento de aptidões físicas, psicológicas e sociais, promovendo educação de todos através do esporte, torna-se palco da exclusão e da competição com o único objetivo da vitória, reproduzindo com o máximo de fidelidade o resultado desta corrupção que assistimos na tv em forma de jogo.

A solução

Mas não será sempre assim, pois conforme formos evoluindo como individuos e como povo, não nos contentaremos com este padrão cultural e chegará o tempo em que não haverá mais espaço para a competição em nossa sociedade. Como fruto desta mudança, passaremos a jogar com os outros e não contra os outros, pois não haverá mais necessidade de vencer, mas sim de promover o esporte em outros moldes, onde todos possam participar, se divertir e, principalmente, se educar na mais ampla concepção do ser humano.

A responsabilidade de iniciar este processo é de todo profissional da área de educação, em particular do esporte e lazer. Cabe a ele promover a educação de nossos jovens, criando campeonatos, jogos e brincadeiras com objetivos que estimulem a fraternidade, solidariedade e igualdade entre os participantes,  virtudes tão necessárias à evolução do indivíduo e da sociedade.

E quando tivermos plena consciência que somente vencemos quando a vitória contribui para o desenvolvimento geral,  teremos a certeza de que as gerações futuras receberão de nós melhor legado que recebemos dos antigos romanos.

Publicado em 3 de julho de 2007.

Publicado em 03 de julho de 2007

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.