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Jejum consumista

Mariana Cruz

Comida, roupa, calçado, transporte, lazer... Necessidades legítimas do ser humano que servem de pretexto para dar vazão à sede de consumo cada vez mais voraz dos dias de hoje.

Exemplos prosaicos são bastante ilustrativos para evidenciar tais mudanças. Quem tem mais de 25 anos lembra-se, certamente, da coca-cola de um litro para toda a família, cujo casco era de vidro (portanto retornável). Agora a garrafa de coca-cola é de plástico e o módico um litro, que meus olhos infantis contemplavam sedentos, transformou-se em nada menos que 2,5 litros. Em geladeiras mais antigas como a minha, no lugar reservado para garrafas, a colossal big-coke nem ao menos cabe. A coca-cola cresceu e a família diminuiu, as barrigas incharam e os cintos apertaram. Come-se em excesso ao mesmo tempo em que se cobra um corpo escultural, dietas radicais contrapõem-se a comidas tentadoras acompanhadas de remédios para emagrecer. É o dialético momento em que vivemos.

Em uma simples ida ao cinema, é fácil notar outra mudança nos hábitos de consumo. Aquele baldão de pipoca que víamos os adolescentes americanos devorarem dentro da tela, agora somos nós que seguramos. O clássico e simplório saquinho de papel de outrora está cada vez mais raro. As pessoas não ficaram mais famintas e nem as fitas mais longas, o consumo é que aumentou. Americanizamo-nos.

Ainda no túnel do tempo, lembro que as amiguinhas da minha infância tinham uma, no máximo, duas Barbies, agora as meninas têm literalmente dezenas delas, cada uma de um tipo. E aguardam ansiosas pelo novo lançamento.

A oneomania (compulsão por comprar) mundial nos faz agir como autômatos, subindo escadas rolantes atrás de telas planas, televisões de plasma, celulares com câmera, home theather, MP3, I-Pod, e outras coisas que daqui a bem pouco tempo serão obsoletas.

É como se a atriz do comercial, nossos vizinhos, parentes, colegas de trabalho, diante de um novo produto, sussurrassem em nossos ouvidos: “eu tenho, você não tem, eu tenho você não tem, eu tenho...”. É nesse afã consumista que os meninos que “não têm” roubam os Nikes dos meninos que “têm”. O mundo fica dividido basicamente entre os que “têm” e os que “não têm”. Para entrarmos no seleto mundo dos que “têm”, basta seguirmos à risca o que as grandes corporações mundiais nos mandam fazer: comer Big Mac, vestir Calvin Klein e entrar para o mundo de Marlboro.

A pop art

Antes mesmo das Barbies, da Nike e dos baldões de pipoca, já havia um burburinho sobre essa enxurrada que estava por vir. Lá nos anos de 1960, a Pop art já pintava com cores fortes o quadro da humanidade em relação ao consumo. Como toda vanguarda, a Pop art foi de início mal compreendida pelo público e acusada de superficial pela crítica. Andy Wahrol antecipou a compulsão consumista atual com sua série de repetições das latas de sopa Campbell’s, garrafas de coca-cola e, posteriormente, rostos de pessoas conhecidas mundialmente, de Marlyn Monroe a Che Guevara.

Das galerias de arte para os corredores do shopping

O consumo tomou proporções ainda maiores, e as formas de protestos saíram das galerias de arte e foram parar na própria publicidade, a fonte do consumo.

Como uma forma de ação contra a indústria consumista, um movimento criado pela organização não governamental canadense Adbusters Media Fundationpropõe um crash nesta esteira das compras, por, pelo menos, um dia. É o “Buy Nothing Day” (“Dia do não compre nada”), um web site (em inglês), fundado por Kalle Lasn, que defende a “ecologia mental” contra a poluição publicitária. Atualmente conta com a participação de cidadãos de cerca de 65 países. São grupos das mais diferentes tendências que convergem neste ponto: grupos de defesa do consumidor, ambientalistas, ativistas antiglobalização e até seitas religiosas.

A campanha existe desde 1992. Geralmente, a data escolhida para o protesto é a manhã seguinte ao Dia de Ação de Graças nos EUA, no fim de novembro, quando a temporada de caça aos bens de consumo intensifica-se para o Natal. Deixar de consumir excessivamente pode gerar consequências positivas para o meio ambiente, pois, quanto mais consumimos, mais gastamos os recursos já escassos de nosso planeta na fabricação de bens descartáveis.

O pano de fundo da campanha é ecológico, mas seus resultados vão muito além disso. Esse pit stop pode fazer com que diversas pessoas percebam que existe vida além do consumo, pode-se inclusive alongar tal dia para dois, três, quatro, refletir sobre os hábitos de consumo e fazer uma espécie de reeducação consumista.

Nesse dia, quem deseja participar do movimento de forma mais light basta não consumir, não mexer em dinheiro, cheque, cartão, nada. E aqueles que querem participar de forma mais ativa, por vezes utilizam formas criativas e bem-humoradas de protesto: sentam em restaurantes e cortam seus cartões de créditos, fantasiam-se de policiais e multam aqueles que estão consumindo ou se dirigem aos shoppings e tentam convencer as pessoas a não comprar.

Ter menos e ser mais

Muitas religiões reservam um determinado dia para o silêncio, o jejum e o desapego material, como o Shabat judaico, que proíbe os judeus de mexer em dinheiro aos sábados. É uma maneira de entrar em contato com o mais íntimo do que temos em nós. Assim pode ser encarado o “Buy nothing day”.

Comprar menos, comer menos, beber menos, fumar menos, trabalhar menos, assistir menos TV. Diminuir os hábitos de consumo e mudá-los, reutilizar e reciclar o máximo possível. Se não for por engajamento ou preocupação ecológica, que pelo menos seja para tornar a vida mais simples. Ter menos e ser mais é uma forma de preservar o planeta e a si mesmo.

Em um mundo onde 20% da população mundial consome 86% dos recursos naturais existentes, parece que há algo de errado. Muito errado.

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Publicado em 3 de julho de 2007.

Publicado em 03 de julho de 2007

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