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Todo o ordenado dos pais para a caixa dos colégios

Luiza Barreto Leite

Especial: Memória da Educação

Desde o curso primário, os uniformes custam uma fortuna — A escola marca a diferença de classes sociais — Exigências supérfluas que arrasam o orçamento dos pais e afastam da escola milhares de crianças.

Prometemos entrar objetivamente nesta série de reportagens sobre os problemas da educação no Brasil, começando pelo princípio, isto é, pela escola primária. Prometemos, também, analisar o projeto de “Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, congelado na Câmara, ao lado de muitos outros projetos de emergência. Vamos, porém, transferir um pouco essa análise de problemas futuros para entrar concretamente nos atuais.

Para os pais que não são “Tubarões” nem “Marias Candelárias”, nem magnatas do café ou senhores de engenho, para aqueles, enfim, que não são “donos da bola”, o problema angustiante no momento não é a forma pela qual os filhos vão ser educados e sim a maneira de conseguir o dinheiro indispensável a sua educação, boa ou má. Ninguém tem tempo de pensar se o filho vai aprender porque o tempo é pouco para procurar “um bico” capaz de esticar o minguado orçamento até o ponto máximo exigido pela ganância dos “proprietários” do ensino. Mas os “bicos”, como o próprio nome está dizendo, nunca são suficientes, pois as matrículas nos colégios, somadas às despesas extras (obrigatórias), são sempre superiores aos salários mínimos dos funcionários de categoria média, embora estes sejam aumentados periódica e demagogicamente.

Mil cruzeiros pelo uniforme

Mas vamos aos fatos, tomando por base o primeiro ano ginasial de uma escola de nível médio — dizemos primeiro ano ginasial, porque seu preço é um pouco mais alto do que o do curso primário e um pouco mais adiantado; por conseguinte, é mais baixo do que o do curso padrão médio. E uma escola de padrão médio é também aquela que não é nem a mais cara, nem a mais barata, proporcionando, no entanto, nível cultural equivalente, pois os programas de ensino são estandardizados. Pois bem, tomando este exemplo verificamos que os pais, neste momento, já pagaram 650 cruzeiros de matrícula, mais 750 do primeiro período começado a 1º de março, quando as aulas só começam a 10, para o ginásio, e a 20 para o primário. Já estamos em 1300 cruzeiros, o que é, sem dúvida, um exagero para a matrícula de uma só criança. Mas isto é apenas o princípio!

Os uniformes, segundo dizem, foram estabelecidos obrigatoriamente para que as crianças mais pobres não se sentissem inibidas quando suas roupas simples sofressem comparação com os ricos vestuários das crianças abastadas. Mas, neste caso, como fazer para que as crianças pobres possam comprar tropical ou sarja inglesa, de 350, 450 ou 550 cruzeiros o metro para suas grandes saias de pregas fundas ou para suas calças, impecavelmente talhadas, como fazem os filhos de pais ricos?

Poderão, é claro, comprar o mesmo tecido nacional, de 250 cruzeiros o metro, e, se forem mulheres, comparecerem ao colégio com uma saia aparentemente igual à da colega favorecida pela sorte, embora a sua tenha sido feita em casa.

Para os garotos, porém, a facilidade já não é a mesma, pois muito poucas mães sabem fazer calças masculinas, ou, pelo menos, fazê-las de forma apresentável. Neste caso, gasta-se menos no tecido, mas as costureiras tomam a desforra. Por conseguinte, na melhor das hipóteses, uma saia ou calça de colégio, de aspecto impecável, custa no mínimo 400 cruzeiros para um adolescente não muito alto. Depois vêm as blusas ou camisas e os paletós do mesmo tecido, ou casaquinhos de malha. Na maioria das vezes, o uniforme do curso primário é o mesmo para ambos os sexos, mas no ginásio já varia bastante em prejuízo dos meninos, pois as fardas completas só podem ser decentemente feitas em alfaiates ou casas especializadas, que exploram convenientemente, de acordo com os colégios. Há colégios que impõem a qualidade do tecido, outros permitem a liberdade de escolha, impondo apenas a cor e o feitio. Então, onde está o célebre nivelamento da condição social através do uniforme, se este obedece ao mesmo feitio, mas não ao mesmo tecido, e toda a gente sabe que é na qualidade do tecido que está o segredo da confecção? Resultado: deste ponto de vista, o uniforme é inútil e até prejudicial, pois as diferenças sociais se estabelecem com muito mais evidência se umas crianças aparecem mal enjambradas (tecidos baratos deformam com facilidade) e outras elegantíssimas, usando uniformes falsamente iguais. Mas a questão ainda não pára aí; vêm os sapatos e as meias, caríssimos e combinados de maneira idiota, meias brancas, por exemplo — em alguns colégios mais sofisticados. Acontece que os sapatos baratos sempre mancham as meias, que, quando não custam somas estratosféricas para a sua pequena importância, estão sempre deformadas, caindo como trapos pelos tornozelos das crianças e aumentando a impressão de desleixo.

Dinheiro e bom gosto

Não seria tão mais fácil resumir as coisas deixando que cada criança ou cada adolescente frequentasse o colégio de acordo com as possibilidades econômicas dos pais? Assim, sempre é mais fácil corrigir os complexos de classe, pois qualquer mulher mais ou menos habilidosa pode improvisar, com tecidos de algodão ou lã nacionais, vestidos encantadores para suas filhas que, em qualquer idade, estarão sempre graciosas e poderão enfrentar com um pouco de bom gosto os caros tecidos das outras. É verdade que nem sempre as mães têm bom gosto, mas este é outro problema, e a escola poderia neste caso ser também útil, ensinando, além de boas maneiras, ainda a forma de se vestir discretamente, conforme as possibilidades de cada um; mas esta não é propriamente uma questão de classe, embora o seja de educação. Quanto aos garotos, uma calça e uma camisa seriam suficientes, o agasalho variando de acordo com o clima e podendo também ser fabricado em casa com boa lã e agulhas de tricô.

Quanto aos sapatos, por que padronizá-los de cor e feitio, facilitando a exploração dos fabricantes? Existem muitos fabricantes que anunciam sapatos escolares por preços módicos, mas a grossura e brutalidade do material empregado só servem para produzir uma falsa ideia quanto à sua duração, pois, na verdade, eles se “desmancham” com mais facilidade do que qualquer sandália delicada. Quanto as meias, o Brasil possui todos os climas, por que então obrigar as crianças de climas quentes a usarem algo tão dispendioso quanto desnecessário? Parece evidente que se os pais podem pagar as matrículas caras, poderão também pagar os uniformes, mas isso é inteiramente falso, pois a maioria dos pais paga as matrículas e mensalidades com sacrifícios inauditos. Além disso, os uniformes são também obrigatórios nas escolas públicas, reservadas principalmente às crianças com poucos recursos ou aquelas que não possuem recurso algum. “Para essas existem as caixas escolares”, dirão os dirigentes do ensino. Mas a maioria dessas caixas não funciona, como nada do que é necessário funciona neste país. Se o Estado desse assistência alimentar e médica aos pequenos desamparados, já faria bastante, podendo, neste caso, fazer apelos para que as suas roupas fossem fornecidas por essas instituições de assistência social, que, na verdade, costumam viver às expensas do governo, prestando serviços nem sempre muito claros. Restariam ainda os pobres envergonhados, aqueles que podem sustentar os filhos modestamente, mas não podem sofrer despesas extras e inúteis. As crianças de escolas públicas se encontram entre aquelas que podem usar tecidos baratos nos seus uniformes; mas alguém já se deu ao trabalho de verificar como ficam depois das primeiras lavagens os uniformes baratos, de tecido azul marinho? Enfim, a única solução seria a liberdade de vestuário para frequência das escolas, o que traria uma economia de 50 cruzeiros, em média, para cada criança de idade média também (saia 400, duas blusas 150; sapatos, 150, dois pares de meias a 25,50, um suéter azul marinho de 150, isso sem falar em capa de chuva, galochas, e agasalhos mais grossos, indispensáveis da mesma forma).

Eis o primeiro capítulo das despesas inúteis. Vejamos amanhã o dos livros e cadernos.

Publicado em O Mundo, em 1952, Rio de Janeiro;
da série: O problema dos nossos filhos

Publicado em 24 de julho de 2007

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