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Imperador republicano

Leonardo Soares Quirino da Silva

Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferia a de presidente ou ministro à de imperador. Se ao menos meu Pai ainda imperasse estaria eu há 11 anos com assento no Senado e teria viajado pelo mundo.

Diário pessoal do imperador D. Pedro II, 1862

Retirado do livro Pedro II: ser ou não ser, escrito pelo historiador José Murilo de Carvalho (IFCS/UFRJ) para a coleção Perfis Brasileiros, da editora Companhia das Letras, o texto revela o amor do governante ao saber, às viagens e ao ideal republicano da estirpe de Cícero e Montesquieu.

Nesta biografia, Carvalho mostra tanto o lado público - o imperador D. Pedro II - quanto o lado privado - o cidadão Pedro d'Alcântara. Se por um lado o autor se ocupou não só de retratar as posições e a atividade política do imperador, de outro ele abordou a vida pessoal do regente, com capítulos sobre suas amantes e suas viagens particulares ao exterior, bem como sobre sua rotina no Rio e Petrópolis.

Para isso, o historiador compulsou ampla bibliografia, que aparece comentada no final do livro em uma seção específica. Entre os livros estão História de dom Pedro II: 1825-1891, escrita por Heitor Lyra entre 1938-1940 e que teve uma edição revista e ampliada em 1977. Carvalho aponta essa como a melhor biografia do imperador em termos de abrangência e riqueza de fontes, pois Lyra teve acesso aos arquivos pessoais de D. Pedro II no castelo d'Eu.

O professor do IFCS/UFRJ consultou ainda documentos originais como os diários, que foram publicados pelo Museu Imperial em livro e CD-ROM.

Na obra, Carvalho procura seguir a ordem cronológica dos principais acontecimentos da vida de Pedro II, sempre com o cuidado de os contextualizar. Isso faz que o livro seja ainda uma revisão dos principais aspectos do período imperial - anteriormente tratados pelo autor em Construção da Ordem e Teatro de Sombras (2006) -, como ao tratar das modificações no sistema eleitoral.

Este processo em particular revela a preocupação do imperador de que o resultado das urnas fosse representante da opinião nacional, porque, para D. Pedro II, uma das duas principais fontes do governante era a tribuna da Assembleia Legislativa.

Outra fonte de informações era a imprensa. Para se informar sobre o que acontecia no Brasil, o imperador lia não só os jornais da corte como também, a partir de 1854, recebia um resumo do que saía nos jornais provinciais. Assim, nas reuniões com seus ministros, sempre estava a par dos fatos, para desconcerto de alguns, não tão informados.

Em parte por isso, em seu reinado o Brasil viveu um dos períodos de maior liberdade de imprensa, segundo Carvalho. D. Pedro II não perseguia nem as publicações nem os jornalistas que se opunham ao regime. Na primeira viagem do imperador a ser acompanhada por uma comitiva de imprensa, por exemplo, um dos três jornalistas - José Carlos de Carvalho, da Revista Illustrada - envolvera-se na Revolta do Vintém.

Por um lado, esse comportamento lhe valeu acusações de excesso de tolerância em relação à imprensa. Silva Jardim, por exemplo, propôs em seus artigos o fuzilamento do conde d'Eu. Como observou Carvalho, "pregar o assassinato de um político em pleno gozo de seus direitos era, e continua sendo, crime em qualquer país democrático".

Na viagem aos EUA, em 1876, por outro lado, isso logo lhe granjeou a simpatia dos jornalistas locais. Ao saber que a comissão de recepção em Nova Iorque não havia permitido a presença de jornalistas em seu hotel, D. Pedro autorizou sua entrada, o que valeu o comentário de um dos repórteres que, apesar de conhecer muitos figurões, nunca vira um que tratasse a imprensa com a mesma cortesia.

A amabilidade e a simplicidade do imperador levaram o New York Herald a chamá-lo de o Imperador Ianque em editorial. No texto, que Carvalho considera que tenha sido escrito provavelmente por James O'Kelly, repórter que cobriu toda a viagem para o Herald, o autor destaca o fato de que em uma terra em que todos se julgam imperadores, D. Pedro "desembarca como qualquer livre imperador americano e, antes de atravessar o rio, paga a passagem da barca". Um ano depois, seu nome teria sido indicado pelo jornal para concorrer para presidente dos EUA.

Na mesma viagem, no sul dos EUA, ele ouviu de um bispo episcopal que os rebeldes desejariam um monarca. O bispo não poderia estar mais enganado. Por um lado, em seu diário, o imperador registrou que os sulistas ainda não tinham se conformado com a derrota.

Por outro, D. Pedro era sabidamente abolicionista. Segundo Carvalho, ele começou a tomar posição sobre o tema em 1845, quando do Bill Aberdeen, e apoiou a proibição do tráfico em 1850 e a adoção de medidas drásticas contra o último desembarque em 1855. Nessa oportunidade ele destituiu o presidente da província, "mandou invadir engenhos e processar seus donos, e afastou três desembargadores da Relação de Pernambuco que tinham votado pela absolvição dos acusados".

Ademais, D. Pedro não concedia títulos a traficantes, observa o historiador.

Como destaca o professor da UFRJ, as iniciativas mais contundentes foram tomadas justamente perto do fim da Guerra de Secessão. Em 1864, preocupado com o que se passava nos EUA, ele propôs ao conselheiro Zacaria de Góes o início do processo de abolição com a apresentação de projeto de lei que libertasse o ventre. Dois anos depois, ele recebeu de Pimenta Bueno cinco propostas de lei que foram a base da Lei do Ventre Livre, bem como uma carta do Comitê para a Abolição da Escravidão, formado por membros da intelectualidade francesa, apelando pelo fim da escravidão. Em resposta, o imperador assumiu o compromisso de tratar do problema tão logo a guerra com o Paraguai acabasse.

A notícia do compromisso do imperador, nas palavras de Joaquim Nabuco, caiu como um raio em céu sem nuvens e provocaram a reação da maioria escravista. Para Carvalho, a reação mais elaborada e mais explicita em defesa da escravidão veio de José de Alencar que, entre outras coisas, acusou o imperador de querer agradar os europeus às custas da economia nacional.

Em 1871, o empenho do imperador na aprovação da Lei do Ventre Livre levou-o a usar da prerrogativa do Poder Moderador para nomear o visconde do Rio Branco no cargo de presidente do Conselho de Ministros.

Mais adiante, Carvalho trata da atuação da princesa Isabel no processo de aprovação da Lei Áurea. Segundo o historiador, além de pensar que estava criando as bases para o terceiro reinado, a princesa, católica conservadora, acreditava que lutar pela aprovação da lei era um imperativo da caridade cristã. O historiador ressalta que, no fim, o processo teve grande importância na queda da monarquia.

O livro, naturalmente, trata ainda da Questão Religiosa e da Questão Militar, bem como revela a posição ao menos dúbia da maioria dos republicanos com relação à abolição, detalhes da educação de D. Pedro II e o cuidado com o dinheiro público. Durante todo o período, a dotação da Família Imperial se manteve constante, no valor de 800 contos anuais, apesar de iniciativas de deputados para aumentar seu valor, nunca aceitas pelo imperador. Depois, quando foi exilado, ele recusou ainda um subsídio no valor de 5 mil contos decretado pelo governo provisório.

Pedro II: ser ou não ser é uma excelente fonte para se conhecer mais sobre o período imperial e sobre o espírito republicano de um imperador brasileiro.

Ficha técnica do livro:

  • Título: D. Pedro II: ser ou não ser
  • Autor: José Murilo de Carvalho
  • Gênero: Paradidático
  • Produção: Companhia das Letras

Publicado em 6/8/2007

Publicado em 07 de agosto de 2007

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