Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
A contribuição da robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores no contexto dos projetos de trabalho
Alan Silva Ferreira
Vivemos numa sociedade em que todos são atingidos, direta ou indiretamente, pelas tecnologias, seja no banco, em casa, no trabalho ou mesmo nos modos mais simples de vivência. Essa característica da tecnologia influencia a forma de vida das pessoas, ao passo que exige novas competências cognitivas. Nesse contexto, emergem os objetivos deste estudo: a) apresentar o contexto nacional e internacional que explica o surgimento da robótica; b) identificar as concepções sobre robótica presentes no campo da educação; c) analisar as propostas dos PCN sobre a área de ciência e tecnologia; d) caracterizar desenvolvimento a partir das contribuições de Piaget, Vigotsky e Papert; e) identificar as novas propostas metodológicas apresentadas na literatura como as mais adequadas para o ensino na atualidade: projetos de trabalho; f) relacionar pedagogia de projetos ao ensino de robótica; g) refletir sobre as contribuições da robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos projetos de trabalho.
Se no começo a escola era o meio mais rápido de formação de pessoas que se relacionassem com as novas tecnologias, hoje se pensa a tecnologia na escola basicamente em duas formas: a capacitação de pessoas para o trabalho tecnológico e o uso de tecnologia para favorecer o processo de ensino-aprendizagem dos conhecimentos escolares. É nesta segunda forma de pensar o uso da tecnologia que pautaremos o desenvolvimento deste trabalho. Conforme os objetivos definidos anteriormente, a robótica deixa de ser meramente um conjunto de máquinas automatizadas que aceleram o sistema de produção e passa a ser considerada, também, instrumento de ensino na escola. A robótica educacional ou robótica pedagógica tem como principal meta proporcionar um ambiente de aprendizagem, que tem objetivos totalmente diferentes dos da robótica industrial, que, em níveis técnico-industriais, são mais específicos. Podemos destacar, como resultado desta pesquisa: a compreensão do ambiente de robótica educacional e a importância de ter ambientes, além da sala de aula, como a proposta dos Projetos de Trabalho, colaborando para dinamizar as atividades, integrando-as e atribuindo significados aos conteúdos de ensino.
Introdução
1.1 Apresentação do tema
O tema “A contribuição da robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores no contexto dos projetos de trabalho” surgiu no decorrer de meu trabalho com alunos do ensino fundamental no Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro, iniciado em 2004.
Esta monografia se constituiu em uma pesquisa bibliográfica principalmente em livros e artigos científicos, visando buscar fundamentações teóricas para compreender melhor o processo de ensino-aprendizagem no ambiente de robótica educacional.
O curso de robótica do Colégio Santo Inácio existe há seis anos, sendo repensado e avaliado a cada ano de experiência do curso. Atualmente o curso está dividido em duas modalidades: robótica com Lego, para os alunos das séries iniciais, e mecatrônica, para os alunos de séries intermediárias.
Toda a concepção e a estruturação do curso vêm sendo feitas pela equipe de professores de robótica do Colégio. Assim, minha entrada no curso não foi somente para ministrar aulas, mas para contribuir no repensar e replanejar o curso, baseado na experiência que tenho a respeito de eletrônica e de informática, embora não tenha ainda me formado em pedagogia.
O ano de 2004 trouxe muitas experiências e descobertas, pois é um desafio pensar a prática de um curso e suas significações à luz de teorias.
Através desta experiência, surgiram muitas questões a respeito da gestão do conhecimento e do desenvolvimento cognitivo dos alunos, proporcionadas pelo curso de robótica. Comecei a conceber a robótica como uma prática de ensino, assim como a Informática Educativa, e não como um laboratório onde alunos constroem robôs fantásticos e aprendem somente conhecimentos de eletrônica e física.
Na verdade, muitos outros conhecimentos estão implícitos: medidas de comprimento, padrões (cm, mm), fenômenos de força, peso etc. Todos eles foram desenvolvidos pela humanidade e são apreendidos, de forma sistematizada, na escola.
À medida que fui estabelecendo contato com os estudos diversos autores, principalmente Piaget, Vigotsky e Papert, comecei a perceber a importância de relacionar os conteúdos aprendidos com a realidade vivida fora da escola.
Entendo a robótica como um ambiente capaz de proporcionar a aprendizagem de conhecimentos através da prática, da experiência e de desafios. Estes se fazem presentes quanto mais a sociedade evolui em termos tecnológicos, sofrendo também transformações culturais que são responsáveis pelo desencadeamento de novas formas de aprendizagem e produção do conhecimento humano.
1.2 Contexto do problema
O século XX foi marcado por diversos avanços científicos e tecnológicos que promoveram várias mudanças na sociedade. Uma das áreas mais impactadas por essas evoluções foi o sistema de produção da sociedade, que, por meio do crescimento tecnológico, deixou de adotar o modelo de produção artesanal e passou para o modelo de produção em massa.
A esse momento histórico foi dado o nome de Revolução Industrial; nele, as fábricas começam a utilizar máquinas no sistema de produção. Essa atitude acarretou mudanças profundas, que vão desde o sistema de produção ao sistema de consumo, envolvendo diretamente o sistema de mão-de-obra.
Assim, essa mão-de-obra não mais atendia à demanda do novo sistema de produção, e foi precisa a formação de uma nova mão-de-obra, que atendesse às novas necessidades.
Nesse momento, a escola assume um papel fundamental: formar pessoas para essa nova sociedade; é neste ponto que se nota a primeira relação entre escola e tecnologia.
As necessidades do século passado eram diferentes das atuais, mas, ao refletir sobre elas, percebemos que há necessidade de formação de mão-de-obra especializada em tecnologia, pois elas continuaram a evoluir e a gerar demanda constante.
Ao destacar os impactos na educação, notamos que a escola sofre mudanças nas tendências de ensino. Se no começo a escola era apenas o meio mais rápido de formação de pessoas que se relacionassem com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), hoje se pensa tecnologia na escola basicamente em duas formas: a capacitação de pessoas para o trabalho tecnológico e o uso de tecnologia para favorecer o processo de ensino-aprendizagem. Este trabalho está voltado para pensar o uso da tecnologia nesse processo, em que a robótica deixa de ser um conjunto de máquinas automatizadas que aceleram o sistema de produção e passa a ser considerada também instrumento de ensino na escola. O detalhamento do projeto com robótica do Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro serviu como base para esta reflexão.
O curso de robótica com Lego utiliza kits de peças direcionados para trabalhos educacionais fabricados pela Lego, com sede na Dinamarca, que em 1980 criou uma divisão educacional batizada Lego Educational Division. Fazer montagens com blocos, motorizá-los e computadorizá-los não era suficiente. Era importante que se tirasse maior benefício para uma educação contextualizada. Assim surgiram os kits voltados para o público escolar (Edacom, 2005).
O curso em foco tem o objetivo de iniciar o contato das crianças com as tecnologias e, através destas, proporcionar aprendizagens de conhecimentos para a formação de um indivíduo contextualizado, capaz de viver e atuar na atual sociedade, marcada pelos grandes avanços tecnológicos.
Os kits são pensados por equipes de profissionais de educação e contêm um conjunto de concepções e práticas.
O conceito da Lego Educational Division é baseado na filosofia de que a criança pode construir seu próprio conhecimento utilizando recursos tecnológicos e guiando-se pelos métodos do construcionismo, ou seja, “aprender fazendo”. Durante o aprendizado tecnológico, as diferenças individuais dos alunos são respeitadas, permitindo um aprendizado que sobrepõe o tradicional espaço entre “ganhadores” e “perdedores” dentro da sala de aula. Dessa forma, as aulas passam a ser mais interessantes, até mesmo aquelas mais difíceis, e o professor passa a ser um mediador entre os alunos (Edacom, 2005).
O curso de mecatrônica tem como objetivo: a) proporcionar ao estudante a aprendizagem de conhecimentos que fazem parte do cotidiano escolar e de seu dia-a-dia através de desafios, da elaboração de projetos e de reflexões sobre as experiências vivenciadas, estabelecendo relações com conhecimentos tecnológicos, físicos, químicos, matemáticos e outros que fazem parte da atualidade, sempre voltados para a formação do olhar científico; b) possibilitar ao aluno a construção de conhecimentos básicos de eletrônica, mecânica e programação vivenciados no dia-a-dia, através do contato com novas tecnologias; c) desenvolver a criatividade e a capacidade dos alunos na resolução de problemas. Ao final do curso, ocorre a apresentação dos projetos desenvolvidos (Colégio Santo Inácio, 2004). O curso utiliza sucatas de equipamentos, componentes eletrônicos e placas controladoras como material para desenvolvimento dos projetos.
Todas as abordagens e desenvolvimentos encontrados neste trabalho têm como principal objetivo responder à seguinte questão: quais são as contribuições da robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores, no contexto dos projetos de trabalho?
1.3 Justificativa
Os estudos sobre as tecnologias educacionais estão bastante difundidos e aprofundados. Seu crescimento nas escolas é notável, mas questionável com relação à sua aplicação. Para Litwin (1997, p. 131), “hoje encontramos utilizações equivocadas do desenvolvimento da tecnologia: adornos e pseudomodernizações”. Podemos perceber que a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) ainda faz parte de um contexto educacional privilegiado, realizado, em grande maioria, nas escolas privadas.
Apesar da implementação de recursos tecnológicos nas escolas, nas salas de aula, ou mesmo nas práticas de ensino, em alguns casos o processo de aprendizagem continua acontecendo através da transmissão dos conhecimentos, e a tecnologia não passa de uma mera roupagem para o método tradicional de ensino. De acordo com a afirmação de Bustamante (1996, p. 66),
nossa escola, esvaziada de ocasiões para pensar e perdida num verbalismo vazio, pode até mesmo utilizar a Informática Educativa dentro de antigos modelos. Mas acrescentará apenas uma nova tecnologia num ambiente pedagógico marcado por uma didática sem expressão.
Ou seja, para que a prática de ensino e a escola sejam significativas para o processo de aprendizagem, não basta somente utilizar as TIC, mas cabe refletir sobre seus impactos e efeitos a partir de perspectivas construtivistas.
A escola deve ser o espaço de formação de pessoas com novas competências. Sendo a tecnologia um marco revolucionário em nossos tempos, destaca-se a importância da inserção da robótica na escola, não apenas como “robótica técnica e sim uma robótica a serviço da educação, em que os alunos participam do processo de construção, montagem, automação e controle dos dispositivos” (D’Abreu, 2003, p. 138). Projetos de robótica a favor da construção de ambientes de ensino que promovam a construção de conhecimentos através do desenvolvimento de projetos poderão contribuir para a formação das competências para atuar na sociedade em que vivem, e não exclusivamente na escola.
No âmbito educacional, a robótica é recente, e são poucas as escolas que utilizam esse recurso tecnológico. Por meio de algumas pesquisas, reportagens e estudos isolados, percebem-se os efeitos positivos proporcionados ao processo de aprendizagem. Segundo Chella (2002, p. 8),
o desenvolvimento do Ambiente de Robótica Educacional (ARE) foi fundamentado em princípios derivados da teoria de Piaget (1966) sobre o desenvolvimento cognitivo e revisados por Seymour Papert (1985). Estas teorias sugerem que o centro do processo relacionado ao aprendizado é a participação ativa do aprendiz que amplia seus conhecimentos por meio da construção e manipulação de objetos significativos para o próprio aprendiz e a comunidade que o cerca.
A robótica e as tecnologias educacionais em geral não têm em si próprias o poder da construção dos conhecimentos, e sim o potencial para tal, porque fazem parte do contexto de vida das pessoas.
Assim sendo, é necessário aprofundar os estudos sobre esse recurso para que sejam exploradas ao máximo as riquezas desse ambiente, que contribui para a formação de novas competências, aqui entendidas como a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (Perrenoud, 1999, p. 7).
Este estudo se justifica porque, embora as tecnologias educacionais e este tema sejam difundidos no meio acadêmico, a robótica educacional ainda é uma área de estudo recente, sendo poucos os autores que tratam diretamente deste assunto.
1.4 Fundamentação teórico-metodológica
Esta monografia envolveu a realização de uma pesquisa teórica, que analisou dados obtidos através de documentação indireta. Utilizou fontes secundárias, como as publicações que abordam a contribuição da robótica para o desenvolvimento das competências cognitivas superiores no contexto dos projetos de trabalho.
Para discutir o conceito de robótica educacional abordamos: Valente (2003), D’Abreu (1999) e Chella (2002); para conceituar projetos de trabalho utilizamos Hernández (1998); para estudar as competências, me baseamo-nos em Perrenoud (1999) e Alarcão (2003); para compreender o conceito de desenvolvimento cognitivo e construção do conhecimento, os autores estudados foram Piaget (1998), Vigotsky (1993), Papert (1994), Coll (1994, 1999) e Frawley (2000); para analisar as considerações sobre a importância da utilização de novas tecnologias na escola, encontramos referências nos PCN de Ciências (Brasil, 1997).
As abordagens sobre robótica como recurso tecnológico educacional são muito recentes. Por isso, recorremos a autores que não abordam diretamente o assunto, como: Litwin (1997) e Ferretti (1994).
1.5 Contribuição e relevância da pesquisa
Esta monografia busca contribuir para uma reflexão sobre as utilizações da robótica para o desenvolvimento cognitivo superior no contexto dos projetos de trabalho. Com isso, possibilita a discussão sobre a real contribuição da utilização de um projeto tecnológico em um contexto educacional, revelando seus benefícios para os processos de aprendizagem e desenvolvimento no cotidiano dos alunos. Além disso, espera contribuir para a disseminação da robótica, proposta muito recente e pouco difundida nas escolas mas capaz de favorecer aprendizagens significativas e o desenvolvimento cognitivo.
2 - O surgimento de novos ambientes de aprendizagem baseados em tecnologias frente às novas exigências da sociedade
2.1- A sociedade e as competências exigidas por um novo paradigma
Vivemos em uma sociedade em que todos são atingidos, direta ou indiretamente, pelas TIC, seja no banco, em casa, no trabalho ou mesmo nos modos mais simples de vivência. Essa característica da tecnologia influencia a forma de vida das pessoas, assim como exige novas competências cognitivas. De acordo com Castro (1996, s/p):
assistimos nos tempos atuais a uma profunda mudança na sociedade, onde o progresso tecnológico, a globalização, a urbanização, as polarizações e as novas dimensões do Estado delineiam um novo espaço de ação. Saímos da era industrial para a era da informação, proporcionando um novo redesenho dos comportamentos e valores sociais.
Dessa forma, esta sociedade, proclamada como da informação e do conhecimento, exige novas competências dos indivíduos, que devem estar contextualizados não só do ponto de vista tecnológico mas também com relação às formas de pensamento, ou melhor, competências cognitivas que os tornam ativos.
Para Alarcão (2003, p. 20), “ter competência é saber mobilizar os saberes. A competência não existe, portanto, sem os conhecimentos”; considerando que informação não é conhecimento, mas todo conhecimento parte da relação de informações, nós nos remetemos à seguinte questão: será que a escola tem formado pessoas para atuar nessa sociedade do conhecimento, da informação e da aprendizagem?
As transformações na sociedade requerem uma rápida mobilização dos conhecimentos e sua utilização de forma competente, o que só é possível se tiver ocorrido uma formação nesse sentido (Alarcão, 2003). Saber agir e atuar de forma correta e coerente frente a novas situações impostas pela sociedade se torna uma competência que não é inata ao indivíduo social, mas deve ser formada no decorrer de seu desenvolvimento.
Portanto, cabe à escola formar e desenvolver essas novas competências exigidas pela sociedade do conhecimento, que têm como viés as tecnologias influenciando também as transformações nos mundos econômicos e sociais. Assim, afirmado por Castro (1996, s/p),
neste contexto o conhecimento, matéria-prima da educação, torna-se um recurso estratégico para o desenvolvimento, e o mundo da educação não pode se isolar dos processos de transformação econômica e social, como também não pode deixar de incorporar, no sistema educacional, os novos recursos tecnológicos disponíveis.
Com as novas exigências da sociedade, não mais se querem no mercado de trabalho pessoas que somente operacionalizem sistemas tecnológicos; precisa-se de pessoas que reflitam sobre suas atitudes e tenham capacidade de se desenvolver em meio à evolução tecnológica. Assim, também são alterados os modelos de produção – que exigem um novo trabalhador, o qual, mais do que saber operacionalizar máquinas, precisará saber gerir múltiplos conhecimentos e informações.
Nesse sentido, Ferretti (1994) afirma que, com a elevação das exigências colocadas pela implementação de novas tecnologias no mundo do trabalho, somente a educação tem condições de desenvolver as novas capacidades exigidas por esse novo trabalho; com isso, a educação ganha uma nova dimensão e tende a conduzir o indivíduo para uma formação plena das faculdades espirituais e intelectuais. Cada vez se torna menos importante a necessidade de trabalhadores com as habilidades específicas de uma determinada profissão. É claro que esse fato não extingue a mão-de-obra técnica, mas a tendência é de que a escola priorize a formação de pessoas flexíveis do ponto de vista operacional.
O surgimento de novas tecnologias gera mais que revoluções na indústria ou nas condições de vida das pessoas, pelo fato de influenciar também as estruturas do pensamento e de produção do conhecimento. Estamos vivendo aquilo que alguns chamam de “Era da revolução da informática”; uma de suas características é a transferência das próprias operações intelectuais para as máquinas (Ferretti, 1994). Basicamente, a possibilidade de contato com um maior volume de informações e a realização de múltiplas tarefas são algumas das características da informática que, consequentemente, geram novas demandas para os seres humanos.
Em busca de formar pessoas para atender a essas demandas, a robótica educacional tem sido um dos ambientes pesquisados e implementados nas universidades e escolas, com objetivos cada vez mais amplos, a fim de possibilitar aos alunos o desenvolvimento dessas competências. Esse ambiente de aprendizagem tem sido cada vez mais reconhecido pelo campo da educação.
2.2 A robótica educacional: ambiente de aprendizagem em busca do desenvolvimento de novas competências
A robótica educacional ou robótica pedagógica surge como reflexo de uma exigência desta nova era, que faz com que existam na escola novos espaços além da sala de aula, nos quais possam ser vivenciadas experiências práticas contextualizadas, ou seja, contextos tecnológicos que promovam a formação de novas competências cognitivas.
Gerir e transformar informações em conhecimentos pertinentes são competências exigidas pela sociedade em que vivemos, assim como as atividades de planejar, projetar e criar estão presentes em todos os campos das atividades humanas (Chella, 2002). A elaboração de projetos na robótica pode contribuir para a criação dessas novas competências, pois a partir de seus princípios fundamentais possibilita ao aluno planejar, projetar, criar/desenvolver, avaliar, refazer e contemplar.
A robótica contribui para a formação de novas competências por promover o contato direto com as ciências tecnológicas atuais, permitindo sua construção ou desconstrução, não somente no sentido concreto mas também intelectual, pelo fato de compreender conhecimentos criados pelo ser humano (Chella, 2002).
Dentro do contexto escolar, sendo concebida como uma tecnologia educacional, a robótica pode ser capaz de contribuir para essa formação porque traz para a ação prática do aluno conhecimentos que antes só eram aprendidos através de escritos em quadros-negros ou em livros. As ciências matemáticas, geométricas, físicas, químicas ganham funções conjuntas e reais que se materializam em objetos construídos ao longo de um processo duradouro. Segundo Chella (2002, p.1),
analisando o ensino tradicional verifica-se que a preocupação maior está na apresentação de conceitos contidos em um currículo. Esse enfoque curricular provoca um distanciamento entre o que é ensinado e a realidade dos fenômenos físicos, biológicos e sociais em que o aprendiz está inserido.
Abordar o conceito de competência na robótica educacional não significa se opor aos outros modos de ensino ou mesmo se contrapor ao tradicional quadro-negro e giz. A concepção de competências dentro de um ambiente tecnológico educacional como a robótica aproxima a teoria da prática, o abstrato do concreto. Seria impossível criar qualquer robô ou máquina sem que haja a busca pelos conhecimentos já construídos por outras gerações. É como criar uma roda sem aprender como a roda foi feita, e, na verdade, se não existisse esse processo de busca para solucionar um desafio, seria como reinventar a roda: talvez levasse muito tempo para construir algo que já existe.
A robótica proporciona a busca por informações existentes, seja na internet ou em livros, para que, através de um processo de seleção e aplicação dessas informações, sejam discernidas quais as adequadas/pertinentes ao tema a ser investigado. Esse processo pode contribuir para a construção de conhecimentos significativos; é um exercício que leva ao desenvolvimento de competências que antes seriam impossíveis de serem experimentadas, simuladas e testadas somente através do quadro. Para Valente (1996, p. 12),
o processo de achar e corrigir o erro constitui uma oportunidade única para o aluno usar e testar ou aprender tanto os conceitos envolvidos na solução do problema quanto as estratégias de resolução de problemas.
O triângulo didático entre professor-aluno-saber se mantém dentro da proposta da robótica, mas os papéis são alterados, de modo que o professor não é um mero detentor do saber e o aluno um receptor de conhecimentos; o professor torna-se um mediador que coordena, junto ao aluno, o processo de busca de informações e a construção de conhecimentos. Para Alarcão (2003, p. 30), “criar, estruturar e dinamizar situações de aprendizagem e a autoconfiança nas capacidades individuais para aprender são competências que o professor de hoje tem de desenvolver”. Percebe-se que, nesse processo ousado (se visto pela ótica tradicional), o papel do professor é fundamental, pois busca novos conhecimentos a todo momento. Nesse processo, torna-se claro que a escola está inserida em uma sociedade que evolui rapidamente e é influenciada por ela.
Muito mais do que conhecer as TIC ou saber interagir com elas, hoje é necessário que o indivíduo seja capaz de viver em grupo, obtendo competências de colaborar e decidir, entre outras. Um dos princípios que favorecem a formação dessas competências é que na robótica educacional todos os projetos são realizados em grupo, promovendo ao longo do processo discussões, desentendimentos, embate de ideias; através desses fatos, são realizados e construídos projetos e objetos. A construção de ambientes colaborativos de aprendizagem proporciona ao aluno a participação em uma comunidade na qual se exerce a prática e o discurso científico (D’Abreu; Chella, 2001). A robótica propicia ainda a aprendizagem compartilhada.
O fascínio que os alunos adquirem pela robótica e pela criação de projetos vai muito além do simples ato de brincar, é atribuída a eles a responsabilidade de traçar metas e objetivos, sempre buscando alcançá-los.
A robótica trouxe uma ramificação de estudos e pesquisas em diversos níveis educacionais. Grande parte dessa expansão se deve à popularização dos kits da Lego, que se especializou nessa área educacional. Temos vivido, recentemente, novas experiências felizes com a chamada robótica de baixo custo, que consiste na utilização de motores, sensores, componentes eletrônicos, interfaces controladoras e diversos tipos de materiais comuns, como: madeiras, plásticos, sucatas etc. para desenvolver projetos tão ricos quanto os possibilitados pelo kit Lego. Esse fato representa um salto, à medida que possibilita a democratização do acesso aos alunos de escolas públicas e também aos estudantes de escolas particulares que não dispõem de recursos financeiros para comprar e manter kits da Lego.
Outra possibilidade de democratizar o acesso ao ambiente de robótica e driblar a limitação dos kits Lego foi a criação de um ambiente de telerrobótica desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp, onde muitas outras pessoas podem controlar e construir projetos a distância, via internet. Para que isso funcione, elas assumem que somente tendo uma proposta pedagógica por parte da instituição é que ocorrerão aprendizagens.
Os projetos desenvolvidos não podem estar centrados unicamente na criação de dispositivos robóticos, mas devem, a partir desses dispositivos, alcançar objetivos ainda maiores, que permitirão ao aprendiz adquirir novos conhecimentos e ver suas aplicações na realidade.
3 - As contribuições dos enfoques teóricos do conhecimento e do desenvolvimento para a fundamentação da robótica educacional
A escola de hoje tem buscado promover o desenvolvimento a partir das interações e relações dos alunos, mudando o modelo de ensino centrado unicamente no professor. Tradicionalmente, a escola privilegiava a interação professor-aluno, considerando-a fator único do desenvolvimento cognitivo. As interações entre alunos não eram valorizadas e até mesmo consideradas perturbadoras para o rendimento escolar. De acordo com Coll (1994, p. 78),
Dispomos, na atualidade, de provas suficientes que permitem afirmar sem vacilações que a interação entre os alunos não pode nem deve ser considerada um fator desprezível; ao contrário, tudo parece indicar que tem um papel de primeira ordem na consecução das metas educacionais.
Algumas destas mudanças surgem em decorrência dos estudos de Piaget (1998), Vigotsky (1993) e Papert (1994). Piaget é um epistemólogo; seu interesse estava ligado especialmente ao estudo de como a criança adquire o conhecimento. Ele contribuiu muito para a valorização dos estudos e aprofundamentos das pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo. Sua concepção sobre aprendizagem vem orientando várias metodologias de ensino. Segundo Vigotsky (1993, p. 9), “a psicologia deve muito a Jean Piaget. Não é exagero afirmar que ele revolucionou o estudo da linguagem e do pensamento das crianças”. Piaget também influenciou a valorização da ação do sujeito como agente de sua aprendizagem, quando desenvolveu o conceito de assimilação e acomodação, no qual o aprendiz formula hipóteses através da interação com objetos e reacomoda informações que para ele têm significado. Assim, “toda conduta é uma assimilação do dado a esquemas anteriores e toda conduta é, ao mesmo tempo, acomodação desses esquemas à situação atual” (Piaget, 1998, p. 89).
Na robótica, esse processo de desequilibração ocorre com grande frequência, pois, ao projetar ideias e interagir com objetos materiais, os alunos ressignificam conhecimentos que antes lhes pareciam verdadeiros. Ao interagir com os objetos, novas ações surgem e desequilibram o conceito que antes era dado como verídico. Assim, o processo de aprendizagem concebido por Piaget ocorre dentro da robótica educacional, porém a base piagetiana de desenvolvimento não considera a interferência do outro (Coll, 1994), o que, na robótica, pode acontecer através das interações entre professores e alunos e, principalmente, entre alunos. A robótica educacional tem como requisito a interação entre os alunos, concebendo o desenvolvimento entre os iguais.
Para compreender, de forma ampla, esse processo de desenvolvimento no ambiente de robótica educacional, é importante compreender o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), concebido por Vigotsky (1973, p. 34 apud Coll, 1994, p. 93):
a zona de desenvolvimento proximal é a diferença entre o nível das tarefas realizáveis com a ajuda dos adultos e o nível das tarefas que podem ser realizadas com uma atividade independente. A aprendizagem situa-se precisamente nesta zona.
A aprendizagem se dá na ZDP; é estabelecida sempre pela mediação do outro, o que a diferencia completamente das teorias de Piaget, pois o processo de desenvolvimento cognitivo segue o da aprendizagem.
A grande contribuição da teoria de Vigotsky para compreender a possibilidade de propiciar desenvolvimento cognitivo na robótica parte da consideração do outro, da interação entre os alunos e das interações sociais. Nestas, a criança aprende a regular seus processos cognitivos; desse modo, produz um processo de interiorização (Coll, 1994).
Ambientes colaborativos, como o da robótica, podem contribuir para o desenvolvimento cognitivo à medida que os trabalhos são desenvolvidos em grupo. Na construção de um projeto ou robô, ocorre com grande frequência o desequilíbrio conceitual. Os alunos se defrontam com conceitos diferentes de outros alunos e, ao experimentá-los, concluem que seus conceitos não eram tão corretos para solucionar esse determinado desafio. O desequilíbrio acontece no momento em que o aluno vê, na prática, que seu conceito não era a melhor opção para a solução do problema e se coloca a experimentar o conceito ou a solução apresentada pelo companheiro do grupo. Esse confronto promove discussões profundas e ressignificações de informações.
Vigotsky (1993) faz críticas à teoria desenvolvida por Piaget, mas em nenhum momento menospreza sua influência para o estudo do desenvolvimento cognitivo e do processo de aprendizagem. Considera as influências e destaca algumas falhas da teoria construtivista. Segundo ele, a maior falha de Piaget foi não considerar o fator da interação social e separá-los dos processos de aquisição do conhecimento. Segundo Vigotsky (1993, p. 100),
discordamos de Piaget num único ponto, mas um ponto importante. Ele presume que o desenvolvimento e o aprendizado são processos totalmente separados e incomensuráveis, e que a função da instrução é apenas introduzir formas adultas de pensamento que entram em conflito com as formas de pensamento da própria criança, superando-as finalmente.
Mesmo com suas convergências e divergências, não podemos opor as teorias de Piaget e Vigotsky, pois, para a ciência, ambas se completam em busca de respostas sobre o pensamento. Podemos considerar que ambos os teóricos são construtivistas, pois consideram a atividade do sujeito no processo de construção do conhecimento.
Em muitos momentos Piaget e Vigotsky falam sobre a importância da escola para o desenvolvimento da criança, e ambos concordam que o desenvolvimento de conceitos é um sistema complexo que não pode ser instruído, mas construído. É verdade que cada um concebe de um modo, mas os dois trazem claramente as necessidades de desenvolver espaços dentro da escola que posicionem os alunos de novas formas frente ao processo de aprendizado de conteúdos e conceitos, e que cada vez mais, tanto pela individualidade de Piaget quanto pela interação social de Vigotsky, os alunos sejam levados a construir seus próprios conhecimentos. Para Vigotsky (1993, p. 79) “o aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais”.
A robótica proporciona esse espaço, por promover em diversos aspectos o desenvolvimento pela interação e, em outros momentos, pela tomada de consciência individual, sendo que, por mais que os pensamentos sejam internos e muitas vezes individuais, com toda certeza já sofreram uma influência social anterior que dará condições para que o indivíduo resolva o problema ou, se não conseguir resolver, pelo menos dará condições de buscar outras estratégias que o leve a novas informações para solucionar o problema sobre o qual se defronta. Na teoria vigotskyana, o indivíduo não é “engolido” por uma sociedade; ao contrário, a sociedade precede o indivíduo e fornece condições que permitem o surgimento do pensamento individual. O pensamento superior é duplo, sendo transmitido do grupo para o indivíduo e novamente para o grupo (Frawley, 2000).
Sem dúvida, a escola é um local que promove desenvolvimento, que não é só cognitivo, mas também ocorre em outros níveis. A aprendizagem parte de uma construção pessoal, não promovida unicamente pelo indivíduo, pois agentes culturais e outros sociais são extremamente importantes para o desenvolvimento.
Nesse sentido, cabe ressaltar que o indivíduo que se desenvolve mesmo tendo um esquema interno de aprendizagem, adota cursos e formas de interação com seu contexto de vida, tornando-os, assim, inseparáveis para o desenvolvimento. A construção individual não se contrapõe à interação social, do mesmo modo que não se contrapõe aprendizagem ao desenvolvimento (Coll, 1999).
Entendendo a aprendizagem basicamente como a integração e a modificação de conhecimentos prévios, podemos notar que, na robótica, o aluno atua na construção de projetos que façam parte de seu contexto. Ao se deparar com problemas e desafios que decorrem do processo de construção do objeto, ele se vê diante de situações que permitem analisar o problema a partir de seus conhecimentos prévios. Quando esses conhecimentos não dão conta da solução, ele se depara com o desafio e a interrogação sobre como solucionar o problema. Assim, ao confrontar seus conhecimentos e os desafios, se vê diante a uma situação em que terá que buscar respostas para obter soluções plausíveis. É neste processo que ocorre o fenômeno da integração e modificação dos conhecimentos (Coll, 1999), ocorrendo a aprendizagem significativa. Essa busca por novas informações e novos conhecimentos é dada pela relação com seu contexto, ou seja, na interação com seu meio social.
Assim como Piaget, seu discípulo Papert (1994) considera que as crianças devem assumir o controle de sua aprendizagem. Quando a escola subestima o aluno, impondo o que deve aprender e determinando os conhecimentos, na verdade ofende o aluno, pois o desencoraja.
Papert é um educador-pesquisador que trouxe grandes contribuições para a educação e importantes considerações a respeito da construção do conhecimento. Para Papert (1994), Piaget valorizou muito o pensamento abstrato e não considerou as possibilidades de aprendizagem por meio do pensamento concreto.
Papert é um precursor na valorização do uso de tecnologias na educação, e uma de suas hipóteses é a de que crianças que, de acordo com o construtivismo, ainda não se encontravam no estágio de desenvolvimento operatório formal poderiam abstrair conhecimentos por meio de simulações concretas possibilitadas pelo computador. No final da década de 1960, Papert desenvolveu o Logo com o objetivo de ser uma linguagem de programação para as crianças. Em sua primeira experiência, foram levadas para o laboratório da universidade crianças que experimentaram a linguagem de programação para movimentar um robô mecatrônico ligado ao computador. As crianças interagiam com o robô – rapidamente associado a uma tartaruga devido à velocidade com que se movia – controlando-o pela programação. Eles programavam as ações por meio de coordenadas e visualizavam a ação imediata da tartaruga, possibilitando, assim, a formulação de hipóteses sobre suas ações (Papert, 1994).
A linguagem Logo foi projetada e pensada na perspectiva de que o aluno é sujeito da construção de seu conhecimento. Isso se reflete em mudanças no paradigma tradicional de ensino que conhecemos, principalmente pela nova postura dos sujeitos: o aluno e o professor.
Essa mudança interacional provoca o surgimento de questionamentos em relação ao papel do professor: se antes ele era o detentor do conhecimento e a centralidade estava nele, com a utilização da linguagem Logo ele perde essa função (Valente, 1996). De acordo com a filosofia original do Logo, o professor desempenha o papel de facilitador ou mediador, e auxiliará o aluno na construção do conhecimento. Podemos considerar que o professor desempenha o papel do “outro” concebido por Vigotsky (1993).
Papert (1994) concebe a teoria do construcionismo, que enfatiza a possibilidade de aprendizagem por intermédio da experiência concreta, que é um dos recursos proporcionados pelas tecnologias atuais. Dessa forma, ele contribui muito para o desenvolvimento dos ambientes de robótica educacional, pois as crianças aprendem conceitos através da construção prática de objetos – controláveis ou não por computador – que permitem simulações instantâneas das ações aplicadas pelos alunos e a compreensão de conhecimentos que se tornam necessários para as soluções dos desafios impostos pelos projetos. Para Papert (1994, p. 161),
a oportunidade para a fantasia abre a porta para um sentimento de intimidade com o trabalho e proporciona um vislumbre de como o lado emocional do relacionamento das crianças com a ciência e a tecnologia poderia ser muito diferente do que o que é na tradicional escola.
A construção de um protótipo num ambiente de robótica educacional exige do aluno uma série de ações e atitudes que o fazem passar por processos de planejamento, desenvolvimento e depuração. É muito pouco provável que um aluno construa um projeto em pouco tempo sem que erros e desafios aconteçam, pois, mesmo para um engenheiro ou técnico profissional, a necessidade de planejamento e estudo sobre desenvolvimento de projetos é necessário e, ainda assim, surgem imprevistos. Essas etapas de construção e elaboração de um projeto em um ambiente de robótica educacional surgem a partir do contato direto do aluno com seu projeto; para solucionar os problemas que surgem é necessária a busca por conhecimentos de diversas ordens, às vezes científicos ou técnicos.
Não importa a ordem do conhecimento, mas sim a busca pela possibilidade de solução, que necessariamente passa pela mediação do outro (Masetto, 2000). Ou seja, a solução pode partir da discussão com o colega do grupo, com o professor ou mesmo com de pesquisas na internet ou em livros. Nestas fontes, a busca pelas informações serão avaliadas com relação à sua aplicabilidade, e incontestavelmente passam pela dimensão do conhecimento humano produzido ao longo das gerações.
Esse exercício de solução de problemas e a busca pela superação de desafios formam competências cognitivas ao aluno que serão utilizadas por ele em diversas situações da vida. Segundo Papert (1994, p. 161), “transformar ciência em conhecimento usado apresenta implicações epistemológicas, porque permite meios mais ricos de pensar sobre o conhecimento do que a epistemologia verdadeiro/falso fundamentada em autoridade”.
Assim, quando o aluno se questiona e avalia as soluções implementadas no projeto, ele começa a entender seu próprio pensamento e refletir sobre suas ideias; consequentemente, toma consciência de sua aprendizagem.
4 - Breve análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais de ciências e dos projetos de trabalho
4.1 - As considerações dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre as tecnologias educacionais
O sistema educacional do Brasil sofreu diversas mudanças nas últimas décadas, mudanças que influenciaram diretamente na formação dos indivíduos de cada época. Muitas delas foram expostas por meio de documentos oficiais elaborados pelo governo e órgãos competentes do país.
Com nossas enormes proporções territoriais, torna-se complexa a administração de um sistema educacional que garanta a formação de diferentes indivíduos e contextos com qualidade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são documentos elaborados pelo Ministério da Educação com o intuito de constituir um referencial de qualidade para a educação.
No entanto, os PCN não são documentos-padrão que devem ser adotados obrigatoriamente pelos órgãos regionais de ensino; são propostas educacionais que podem auxiliar em mudanças curriculares e planejamentos escolares, respeitando as diferenças locais e culturais de cada contexto, visando buscar melhoras da qualidade da educação brasileira.
Segundo os PCN (1997, p. 13),
sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual.
Os PCN propõem interferências diretas nas propostas educacionais atuais dos diferentes contextos culturais existentes em nosso país e são um referencial na construção da identidade da educação brasileira. Assim, se torna importante, neste trabalho, uma análise dos PCN no sentido de compreender suas orientações e atribuições a respeito das tecnologias.
Devido à grandeza dos conteúdos e conhecimentos que constituem o currículo e a educação escolar, esses documentos foram divididos em áreas de conhecimento e aqui serão analisadas as contribuições dos PCN de introdução e os da área de Ciências Naturais de 1ª a 4ª séries, por abordarem a importância da temática “tecnologia”.
Os PCN de Ciências Naturais não delimitam os conhecimentos a serem trabalhados em cada faixa etária, mas chamam a atenção para uma nova perspectiva do fazer científico humano. Essa consideração demonstra uma nova valorização das ciências e do fazer científico que promove uma conscientização de que são conhecimentos produzidos pelo homem para melhoria das condições de vida.
Nos dias atuais, as tecnologias fazem parte de nosso contexto de vida e representam a evolução de sistemas de conhecimento desenvolvidos pelo homem através dos tempos. Como está descrito nos PCN (1997, p. 24),
este século presencia um intenso processo de criação científica, inigualável a tempos anteriores. A associação entre Ciência e Tecnologia se estreita, assegurando a parceria em resultados: os semicondutores que propiciaram a informática e a chamada “terceira revolução industrial”, a engenharia genética, capaz de produzir novas espécies vegetais e animais com características previamente estipuladas, são exemplos de tecnologias científicas que alcançam a todos, ainda que nem sempre o leigo consiga entender sua amplitude.
Na medida em que as tecnologias foram produzidas pelo homem, elas são partes do fazer científico que foi acumulado durante anos. Entendendo que o ser humano é o único ser vivo que transmite os conhecimentos produzidos por gerações e que a escola cumpre um grande papel para esse fenômeno, é natural que o conhecimento tecnológico também seja.
Os PCN buscam proporcionar uma visão das ciências e mostrar a importância de compreendê-las como uma importante área do conhecimento que deve ser aprendido por meio da experiência e não somente pela transmissão. Nos PCN, esses aspectos trazem significativa contribuição para a busca da formação do olhar científico, importante nos tempos atuais.
Outra proposta dos PCN é a formação de competências que permitam aos indivíduos compreender o mundo que os cerca. Assim, podemos considerar que parte do mundo a ser compreendido está relacionada às tecnologias. Portanto, essa formação do olhar científico pode ser favorecida no ambiente de robótica educacional, pois nela a construção dos conhecimentos é sempre intermediada pelo contato com as tecnologias, tanto básicas como avançadas, variando desde a construção de uma roda à elaboração de um sistema eletrônico.
Através da análise dos PCN de Ciências Naturais, percebemos a necessidade de ter espaços que promovam o contato com o saber científico através da experiência e da descoberta. Assim sendo, simples motivações, como a curiosidade e o prazer de conhecer, são importantes na busca de conhecimento para o indivíduo que investiga a natureza (PCN, 1997).
4.2 - As contribuições dos projetos de trabalho para a aprendizagem
Hoje em dia, muito se tem discutido no âmbito educacional sobre várias propostas que solucionem os problemas atuais da educação e busquem possibilidades de melhora do sistema de ensino ou mesmo do próprio ensino. Busca-se a transformação da escola tradicional, porque esta não atende mais às exigências da sociedade em que vivemos. Agora é preciso formar pessoas para viverem em um mundo globalizado.
No capítulo anterior, vimos que o construtivismo, o sociointeracionismo e o construcionismo trouxeram muitas contribuições para a educação, principalmente por contribuir para a reflexão sobre a forma como se compreende o papel do aluno e do professor em um sistema de aprendizagem.
Para a compreensão do ambiente de robótica educacional e da importância de ter ambientes além da sala de aula, a proposta dos projetos de trabalho colabora para dinamizar as atividades, integrando-as e atribuindo significados aos conteúdos de ensino. Segundo Hernández (1998), os projetos de trabalho não são “a” mudança na educação, nem “a” solução dos problemas educacionais. Para ele, os projetos de trabalho constituem um lugar que se aproxima da identidade do aluno, favorece a construção da subjetividade, organiza o currículo de maneira que aproxime os conhecimentos dos problemas vivenciados pelos alunos e leva em conta o ambiente de vida dos alunos fora da escola, considerando também os acontecimentos sociais e pragmáticos que constituem o mundo atual.
Nesse sentido, podemos considerar que a robótica educacional vem se tornando um projeto de trabalho por ter os mesmos princípios fundamentais enunciados e, assim, se torna um local de grande potencial educacional. Hernández (1998, p. 64) destaca que:
os projetos de trabalho supõem, do meu ponto de vista, um enfoque de ensino que trata de ressituar a concepção e as práticas educacionais na escola, para dar resposta (não “A resposta”) às mudanças sociais que se produzem nos meninos, meninas e adolescentes e na função da educação, e não simplesmente readaptar uma proposta do passado e atualizá-la.
Com isso, percebemos que os projetos de trabalho incitam novas formas de gerir o conhecimento escolar, pois não inserem nos alunos conteúdos fragmentados e descontextualizados, mas geram novas formas de construção dos conhecimentos, os mesmos destacados nas teorias construtivistas, sociointeracionistas e construcionistas.
Os projetos de trabalho interferem na organização curricular, pois concebem que os conhecimentos não podem ser organizados e ordenados rigidamente. Segundo Hernandez (1998, p. 61),
a função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação precedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio.
Para ele, a proposta de projetos de trabalho é muito mais que uma metodologia de ensino; é uma concepção que prioriza a compreensão dos conhecimentos que fazem parte do contexto e proporciona a formação da identidade do aluno para atuar criticamente no meio em que vive. Portanto, os projetos atuam de forma global, de modo que não estão voltados para o conteúdo, mas sim para as necessidades dos alunos.
Na robótica educacional, a organização do conhecimento pode se dar no mesmo sentido dos projetos de trabalho. Os conteúdos podem ser apresentados à medida que os alunos necessitam deles para a realização do trabalho, não sendo priorizada a série e/ou a idade, mas o tema-problema.
5 - Considerações finais
A escola atual vem buscando, cada vez mais, proporcionar a formação de pessoas capazes de refletir sobre o meio social em que vivem e de atuar em busca de melhorias. A globalização é um fenômeno que atinge o mundo, não só na área econômica, mas principalmente na construção da história humana. O conhecimento é um patrimônio da humanidade, na medida em que é produzido por todos e atinge a todos.
A globalização das informações e do conhecimento se tornou praticamente instantânea, graças à evolução das tecnologias de comunicação e da informática, criando uma mão dupla, no sentido de que são produzidos conhecimentos na mesma velocidade em que fluem as informações.
É verdade que essa realidade globalizada não atinge diretamente todas as camadas sociais ou mesmo algumas culturas e países, mas é inegável que interliga e atua sobre o mundo em que vivemos. As pessoas são atingidas pela evolução tecnológica, mesmo que de forma indireta.
A escola atual deve estar preparada para lidar com essa realidade, pois sua função original é reproduzir o conhecimento humano construído durante as gerações e permitir que novos conhecimentos sejam criados. Para isso, a escola deve adaptar-se à nova realidade e repensar seus espaços, pois não é mais possível considerar que levar pessoas para um espaço físico e introduzir conhecimentos de diversas áreas específicas seja a melhor maneira de formar pessoas, como se fazia há poucas gerações. O surgimento de novas linguagens, de novos suportes textuais e de novas formas de produção de informações requer das pessoas novas competências cognitivas; cabe à escola formar essas novas competências.
Este estudo buscou refletir sobre a inserção da robótica educacional como um espaço dentro da escola que desenvolve competências cognitivas por permitir o entendimento de conhecimentos científicos atuais que fazem parte do contexto dos alunos. As questões definidas para a elaboração deste projeto foram: a) o que explica o surgimento da robótica dentro dos contextos nacional e internacional?; b) quais são as concepções de robótica presentes na educação?; c) quais as propostas dos PCN sobre a área de ciência e tecnologia?; d) qual é a concepção de desenvolvimento para Piaget, Vigotsky e Papert?; e) quais as novas propostas metodológicas apresentadas na literatura como as mais adequadas para o ensino na atualidade?; f) qual a relação da pedagogia de projetos com o ensino de robótica?
No estudo aqui apresentado, pudemos perceber que a robótica educacional contribui para o desenvolvimento cognitivo, por possibilitar uma aprendizagem ativa e participativa na qual o aluno se torna sujeito do seu processo de construção do conhecimento. Pudemos chegar a essas conclusões através dos estudos das teorias construtivista e construcionista sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento.
A proposta de ensino mais adequada ao ambiente de robótica educacional é a dos projetos de trabalho, pois possibilita aos alunos a aprendizagem de conhecimentos através da necessidade, e, assim, proporciona a criação de identidade dos alunos com os conhecimentos científicos. Se antes os alunos aprendiam fórmulas e modelos de cálculos e não identificavam seu funcionamento na prática, no ambiente de robótica educacional esse processo pode ser invertido: podem ser criadas situações-problema decorridas natural ou propositalmente, gerando demanda de conhecimentos que serão desenvolvidos a partir de uma ótica interdisciplinar e que não necessariamente pertencem a uma área específica, como é organizado no currículo escolar.
Assim sendo, concluímos que a proposta de projetos de trabalho tem muito a contribuir para a melhoria da educação que buscamos e, no desenvolvimento da robótica educacional, sua concepção se torna indispensável.
Percebemos que a robótica educacional não é o único, mas um dos ambientes a enriquecer o processo educacional. Esse reconhecimento demonstra que é preciso desenvolver outros espaços que proporcionem a formação de outras competências, a fim de proporcionar ao ser humano uma formação plena.
Bibliografia
ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.
BUSTAMANTE, S. B. V. Ensinar e deixar aprender: a formação do facilitador Logo. In: VALENTE, J. A. (Org.). O professor no ambiente Logo: formação e atuação. Campinas: Unicamp/Nied, 1996.
BRASIL, Ministério da Educação – Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/livro01.pdf. Acesso em 02.mai.2005.
BRASIL, Ministério da Educação – Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais de 1ª a 4ª séries: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/livro04.pdf. Acesso em 02.mai.2005.
COLÉGIO SANTO INÁCIO. Apresentação do curso de robótica e mecatrônica. Rio de Janeiro, 2004.
CHELLA, M. T. Ambiente de robótica educacional com Logo. Campinas: Unicamp, 2002. Disponível em: www.Nied.unicamp.br/~siros/ doc/artigo_sbc2002_wie_final.pdf. Acesso em 02.mai.2005.
CASTRO, M. H. G. In: VALENTE, J. A. (Org.). O professor no ambiente Logo: formação e atuação. Campinas: Unicamp/Nied, 1996.
COLL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1999.
D’ABREU, J. V. V. In: VALENTE, J. A. et al. Educação à distância na internet. Campinas: Unicamp/Nied, 2003.
D’ABREU, J. V. V.; CHELLA, M. T. Ambiente colaborativo de aprendizagem à distância baseado no controle de dispositivos robóticos. Campinas: Unicamp, 2001. Disponível em: www.nied.unicamp.br/~siros/doc/artigo_sbie_2001.pdf. Acesso em 02.mai.2005.
EDACOM TECNOLOGIA. Disponível em http://www.edacom.com.br/lego_dacta.asp. Acesso em 13.abr.2005.
FERRETTI, C. J. et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
FRAWLEY, W. Vigotsky e a ciência cognitiva: linguagem das mentes social e computacional. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projeto de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artmed, 1998.
HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
LITWIN, E. et al. Tecnologia educacional: política, histórias e propostas. Porto Alegre: Artmed, 1997.
MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.
PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
VALENTE, J. A. (Org.). O professor no ambiente Logo: formação e atuação. Campinas: Unicamp/Nied, 1996.
VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
Publicado em 20/06/2005
Publicado em 14 de agosto de 2007
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.