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Depois da Filosofia

Pablo Capistrano

Escritor, professor de filosofia

Crônicas filosóficas

Há muito tempo, eu não tinha ideia do que fazer com a minha própria vida. Não sei se você já sentiu isso. Mas, aos 20 anos, eu não tinha ideia de que caminho seguir. Isso era grave, porque eu já havia cursado dois semestres de Psicologia na UFRN e estava perguntando a mim mesmo o tempo todo: “o que eu estou fazendo aqui?”. Quando você começa insistentemente a se fazer essa pergunta é porque alguma coisa está errada; ou com você, ou com o lugar onde você está. O fato é que eu assisti a uma palestra sobre o filósofo alemão Martin Heidegger e decidi mudar de curso. Fiz reopção (Uma espécie de vestibular interno) em 1996. Lembro de, no dia da prova, ter visto as listas com os alunos que estavam pleiteando mudança de curso e as respectivas vagas. As maiores concorrências estavam nas engenharias, na Saúde e no Direito. Procurei a lista da reopção para filosofia. Uma vaga. Um único concorrente.

Eu era o único sujeito naquela universidade inteira que estava prestes a entrar no estranho e pantanoso mundo da Filosofia acadêmica. Confesso que senti um arrepio na espinha quando vi aquela lista. Mas já era tarde.

O conhecimento filosófico começou a entrar em crise ainda no século XVI, quando a revolução científica começou a mudar a face do mundo, mas seu momento mais desesperador se deu no século XX. Para muitos, a filosofia morreu aí. A aventura filosófica, que havia começado na Grécia antiga, atravessado a avalanche do cristianismo e a queda do Império Romano, passado pela Idade Média e continuado Renascimento adentro, não teria suportado o advento da sociedade industrial. A ciência moderna, com seu conhecimento prático, produtor de tecnologias e mercadorias, havia destroçado a velha filosofia, derrubado os sábios barbudos e em seu lugar posto os cientistas de jaleco branco e cabelos desgrenhados. Veja que azar o meu: resolver me tornar filósofo justamente quando já haviam assinado o atestado de óbito do meu ofício.

Richard Rorty, um dos mais importantes pensadores norte-americanos da atualidade, diz que, depois do século XIX, a filosofia só teria três saídas para não ser enterrada de vez: 1) se contentava em ser um apêndice da ciência, uma espécie de antecipação dos problemas que as ciências irão resolver em um futuro próximo; 2) se torna uma espécie de instrumento de assessoria e justificativa ideológica de algum governante de plantão que precise encomendar argumentos para fundamentar suas ações políticas; 3) vira literatura.

A ideia de que a filosofia já disse tudo que tinha para dizer e que hoje não há nada mais a ser dito, nada mais a ser pensado, nada mais a ser criado em nenhuma área gerou a noção de que viveríamos em uma era pós-filosófica, e sujeitos como eu, olhando para aquela melancólica lista de reopção, único concorrente de mim mesmo na disputa para ser aluno do curso de Filosofia da UFRN, teriam que se contentar em ser uma espécie de especialista em uma ciência morta, dotada de uma linguagem oculta que teriam que decodificar para algum aluno do ensino médio, que só pensa em sexo e futebol.

Sinceramente, esse não parecia ser um bom prognóstico.

Mais de dez anos se passaram, e agora, ao menos no Brasil, a filosofia parece que ganhou um fôlego novo. Programas de TV; revistas especializadas, livros e livros aquecendo mercado editorial; retorno à obrigatoriedade nos currículos do ensino médio e até colunas como esta em jornais levando a mensagem da tradição filosófica para um número maior de pessoas. Ainda há espaço para a filosofia em nosso mundo? Há brechas para questões sobre a morte, o ser, a consciência, o bem e o mal em nossa sociedade? Curiosamente, os mesmos pensadores que decretaram a morte da filosofia no século XX, o alemão Martin Heidegger e o austríaco Ludwig Wittgenstein, acabaram por criar filas e filas de discípulos que continuaram a reflexão filosófica e acabaram fazendo com que essa dama moribunda atravessasse o milênio e chegasse aos dias de hoje. Mas esse é um tema para outro dia.

Publicado em 21/08/07

Publicado em 21 de agosto de 2007

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