Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Agosto: mês do desgosto

Rosemary dos Santos

Já tem um tempo que não escrevo uma crônica, mas é tão boa esta escrita assim, “despreocupada”, esta falta de compromisso... Toda leitura e escrita deveriam ser assim: fontes de prazer; só leio e escrevo aquilo que me desperta interesse e que é significativo pra mim. Boa é a demora que torna o caminho seguro. Não gosto nem de lembrar daquelas enormes redações que eu tinha de escrever contando as minhas férias. Bom mesmo é escrever assim, aquele pensamento que surge, aquela vontade enorme de colocar pra fora aquela ideia, por menor que ela seja. Quase não vi minhas professoras lendo ou escrevendo algo  diferente  nas aulas. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

Já diz minha avó, com seus 84 anos de vida, que agosto é o mês do desgosto. Coisas do folclore, ela na sua longa vida deve saber do que está falando; morando no interior do nordeste, conhece bem as lendas e crendices que nos cercam: mais vale um pássaro na mão que dois voando; ô mês chato, esse mês de agosto. Ele não passa, desfila. Mas precisamos continuar... trabalhar. Antes morrer de azia que de barriga vazia. De qualquer forma, não foi maior a  minha inquietação ao lembrar que no dia 24 de agosto foram comemorados (não sei se esse é o termo certo) 50 anos da morte de Getúlio Vargas. A Era Vargas: manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Lendas e folclore à parte,  prefiro não arriscar: um homem prevenido vale por dois. Fico pensando no que estudei na escola, nas aulas de História, sobre Getúlio Vargas; dizia-me a professora de História: “Getúlio foi chamado ‘pai dos pobres’, suicidou-se no Palácio do Catete com um tiro no coração. A seu lado foi encontrada uma carta ao povo brasileiro, que ficou conhecida como Carta Testamento. Nesse documento apaixonado, Vargas denunciava os grupos que se uniram para derrubá-lo do poder e oferecia seu sangue pelo resgate do povo. A carta terminava com a seguinte frase: ‘dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História’”, ou algo parecido. A ocasião faz o ladrão. Mudemos de prosa.

Fiquei pensando se deveria  conversar com os alunos que participam do projeto Tonomundo sobre esses fatos. Não. Definitivamente, seria demais para a cabeça deles. Heróis e História. Fatos e Mitos. Quando a razão fala, presta atenção no que diz.

Comecei a aula falando da nossa cultura, dos valores, do amor à Pátria. Reconhecimento das nossas tradições. Um dos nossos alunos, no meio da discussão, comenta o caso dos acidentes aéreos e da violência nos morros aqui do Rio. Questiona tantas mortes e diz como o verbo morrer, matar, está sendo fácil de conjugar. Questiona se amor à nossa cultura tem a ver com isso. Não tenho resposta. Quem procura acha. De onde esse menino tirou essa pergunta? Estava tudo indo tão bem, de acordo com o planejamento curricular...

Paro. Reflito. Reflitamos. Heróis. Atletas. Poder. As palavras zunem na minha cabeça, enquanto o aluno intrigado me olha, como se quisesse uma resposta. Não sei. Não tenho resposta pra ele. Ainda não, porque não tenho respostas pra mim. Fica o vazio da sua pergunta. Tive que dar a mão à palmatória. Comecei a falar do poder da cultura, da questão do preconceito. Só um país sem cultura discrimina seus diferentes e não conhece e valoriza sua História. Exclusão social. Pra bom entendedor, meia palavra basta. Menino, presidente, aviões e folclore. Nenhum campo semântico. Novamente minha avó com suas histórias. Foram elas que me fizeram contá-las aos meus filhos. Casa de ferreiro, espeto de pau. A partir delas amei a minha pátria e fiz dela o meu travesseiro, a minha bíblia.

Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Hoje vejo na TV atletas brasileiros com medalha de ouro nas mãos. Agosto deu gosto a muito brasileiros, mas o Pan passa, o Parapan também e voltamos à estaca zero. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Lendas e crendices à parte, acho melhor não arriscar. Gato escaldado tem medo de água fria. Preciso esquecer deste mês de agosto. Vou trabalhar, pois Deus ajuda quem cedo madruga. No fim do mês tenho contas a pagar. Rapadura é doce, mas não é mole, não.

Pubicado em 4/9/2007

Publicado em 04 de setembro de 2007

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.