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Dante Milano, o puro poeta antilírico
Luiz Alberto Sanz
De e sobre o poeta Dante Milano, que visitamos como tradutor, vão aqui poemas, referências biográficas e comentários de fontes diversas:
Dante Milano nasceu no Rio de Janeiro em 16 de junho de 1899, filho do maestro Nicolino Milano e de sua esposa Corina, e morreu em Petrópolis em 15 de abril de 1991.
Seu primeiro poema publicado foi Lagryma Negra, na revista Selecta, do Rio de Janeiro, em 1920, mas seu primeiro livro, Poesias só foi editado em 1948, quando já tinha quase 50 anos. Por essa obra, recebeu o Prêmio Felipe d'Oliveira. Esperou mais 21 anos para editar o segundo, Poesia e Prosa (Uerj/Civilização Brasileira, 1979 – organizado e apresentado por Virgílio Costa).
Foi um importante tradutor de poetas difíceis, destacando-se em 1953 com Três Cantos do Inferno, de Dante Alighieri, e em 1988 com Poemas traduzidos de Baudelaire e Mallarmé. Recebeu, em 1988, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, que, em 2004, publicaria sua Obra reunida.
Dante Milano é considerado um dos poetas representativos da terceira geração do Modernismo, movimento que os críticos situam entre 1945 e 1962, embora já estivesse presente, mas distante, na época da Semana de Arte Moderna. Na verdade, Milano compartilhou as transformações manifestadas pelas gerações de 22 e 45 e suas amizades espelhavam essa ponte.
Algumas opiniões de sobre Dante Milano e sua obra
"Dante Milano está longe de ser, como se diria, um poeta de ideias, posto que suas ‘ideias’ não sobrevivem separadamente a qualquer espécie de paráfrase em prosa. Em outras palavras, seu pensamento é de fato sua forma”.
Sergio Buarque de Holanda
"Pequena, entre nós, é a obra fundamental de Dante Milano, que morreu aos 91 anos de idade e nos deixou uma exígua produção de 141 poemas, esse Dante Milano que Drummond, no fim da vida, considerava o maior dentre todos os poetas brasileiros do século passado. E se os cito aqui, é porque todos encarnam essa poética do pouco, que teria a coroá-la aquele juízo do poeta expressionista alemão Gottfried Benn, segundo quem o que de fato permanece para sempre de cada grande poeta não chega a oito ou dez poemas dignos desse nome”.
Ivan Junqueira
"Trata-se essencialmente de um poeta antilírico. A palavra lirismo é equívoca e exige uma conceituação pessoal. André Gide afirmava que sem religião não poderia haver lirismo. Preferia eu dizer que sem o jogo-do-faz-de-conta, sem o sentimento ilusório de que a vida tem um sentido, não pode haver lirismo. Dante Milano é o poeta antipoético, o poeta do desespero. Também este, o desespero, pode ser lírico, mas não o desespero seco, sem lágrimas como um soluço. Em todos os poemas deste livro, encontramos o mesmo timbre árido: em vez de sonho, o pesadelo; em vez da fantasia, a angústia; em vez de amor, um arremedo de posse bruta. O próprio poeta se espantou há muitos anos, quando lhe disse, com admiração, que a sua poesia me parecia sinistra. Releio agora os poemas, procuro cuidadosamente uma fresta lírica, um respiradouro, e chego à antiga conclusão: esta poesia é sinistra, nua, desértica”.
Paulo Mendes Campos
"Poeta dos poetas, só agora Dante começa a ser menos desconhecido.
(...) para Dante apenas existe a mais intensa, a mais pura poesia. E só poesia. (...) Tudo é exílio, leitor, disse Dante Milano. Tudo exceto a poesia. Esta será a ocupação mais pura entre os humanos. Aprisionar e libertar os seres pelo canto, como faz Orfeu."
Virgílio Costa
"(...) Como o amigo Bandeira, refletiu muito sobre a morte, casando o pensamento à forma enxuta de seus versos – lírica seca e meditativa, avessa ao fácil artifício, onde o ritmo interior persegue em poemas curtos, com justeza e sem alarde, o sentido. Uma forma de calada música, que imita, roçando o silêncio, o pensamento”.
Davi Arrigucci Jr.
A cidade
Dante Milano
Ao ver os altos castelos
Do Alhambra, dos Alijares
Lavrados à maravilha,
El-rei Don Juan dizia:
"Se tu quisesses, Granada,
Contigo me casaria
E te daria como arras
Córdova e Sevilha!"
"Não sou solteira nem viúva,
Sou casada, rei Don Juan,
Com Abenámar o Mouro,
Senhor que muito me quer."
Maior felicidade
Que amar uma mulher,
Amor de longo olhar
E presente saudade,
Amor muito maior
É amar uma cidade!
Objeto de arte
Dante Milano
Corpo de ancas opulentas,
Mulher de Angkor,
Coxas e tetas pedrentas
De árduo lavor.
Pedra, lição de escultura,
Da verdadeira
Carnadura, carne dura
Mais que a madeira
Ou o bronze que posto ao forno
Se liquefaz.
A pedra não; seu contorno
Mantém-se em paz
À maneira do medonho
Ser que no Egito
Contém o esfíngico sonho
Do granito.
Já no mármore a figura
Parece menos
Tosca; é mais branca, mais pura,
Mais lisa; é Vênus
Que, mesmo nua, ao expor
Sua vaidade,
Tem do mármore o pudor,
A castidade.
Ou então pedra-sabão,
Pedra-profeta,
Que da fêmea a carnação
Não interpreta.
Mas és da beleza o exemplo,
Pedra qualquer,
Se a figura em ti contemplo
De uma mulher,
Aparição singular,
Sem que me farte
Jamais o prazer de a olhar,
Objeto de arte.
Lagryma negra
Dante Milano
Aperte fortemente a penna ingratta
entre os dêdos nervosos e trementes,
e os versos jórram, claros e estridentes,
n'uma cascata, n'uma cataracta!
Escrevo, e canto cânticos ardentes,
enquanto dos meus olhos se desata
uma fiada de lagrymas de prata
como um collar de pérolas pendentes...
Eu canto o soffrimento, a ancia incontida
de amor, que é a maior ancia desta vida,
- vida a que a Humanidade se condemna!
E todo o meu sofrer, todo, se pinta
n'este pingo de dor – pingo de tinta,
lagryma negra que me cáe da penna.
Canção bêbeda
Dante Milano
Estou bêbedo de tristeza,De doçura, de incerteza,
Estou bêbedo de ilusão,
Estou bêbedo, estou bêbedo,
Bêbedo de cair no chão.
Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbedo!" outros dirão.
E ficarei estirado,
Bêbedo, desfigurado.
Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.
Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,
Bêbedo, bêbedo, bêbedo,
Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,
Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.
E ficarei atirado,
Bêbedo, desfigurado.
Publicado em 4 de setembro de 2007.
Publicado em 04 de setembro de 2007
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