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Uma cara da poesia de hoje: Reynaldo Castro

Luiz Alberto Sanz

Diálogos Poéticos

Sei pouco de Reynaldo Castro, a quem convido hoje para viajar conosco. Eu o conheci às vésperas do golpe de 64. Precisamente no dia 30 de março. Sua mulher de então ficou minha amiga e voltamos a nos ver em algumas ocasiões. Reynaldo tinha sido parte do grupo de poetas que se reunia na "Praça da Biblioteca", em São Paulo, no final dos cinquenta, e que pesou muito na cara que tem nossa poesia hoje: Jorge Mautner, Mario Chamie, Escobar, Edwaldo Cafezeiro, os irmãos Campos e mais gente que agora o nome me escapa, mas que alguém há de me lembrar. Todos bons poetas, todos combativos, às vezes indo às vias de fato até entre eles.

Quando o conheci, ele me deu seu livro De não sorrir. Estourou o golpe e o levei comigo para uma reunião do partido no Arena (eu estava de passagem em São Paulo). Afinal, o golpe nos atingia a todos e haveria outros não-filiados (o Boal, por exemplo). A primeira pergunta que me fizeram foi: "Por que você trouxe esse bêbado trotskista?". Só pude responder: "Ele quis vir". Eu tinha 20 anos e autossuficiência bastante para crer que um poeta explosivo como aquele poderia ter alguma utilidade. Mas o que o atrapalhava não era ser poeta (bom) ou trotskista, mas ser bêbado. Inevitavelmente bêbado. Ao que me lembre, pedi desculpas e o desconvidei.

Que me lembre, não voltamos a nos ver, mas de vez em quando leio o seu De não sorrir e aprecio as ilustrações de Cyro Del Nero.

à hora do sol pôr

Reynaldo Castro

Um súbito tremor perpassa e põe olhares lúbricos
no ar que é todo ele um sinistro encantamento.
A hora é de loucura e sortilégios atávicos,
toda ela confusa e de sacrílegos sabores
subterraneamente ressoando
em nossas câmaras mais íntimas e ocultas.
E em transe despertamos as lembranças nebulosas
de um país verdadeiro e antiquíssimo
de que partimos um dia impuramente,
à hora do sol pôr.
Habitantes inconclusos,
eternos permanecemos com um perfume de exílio
e a nostalgia do porto abandonado e que nos volta sempre à hora do sol pôr.
Mas o porto está em nós,
eterno e sonolento.
E transitam-nos os ritos de pureza adormecida
com que, deuses, brindávamos, diurnos,
num suave paganismo.
E o mesmo sortilégio, de demência quase,
defronta-nos o mar quando o auscultamos,
exilados prisioneiros, esforçando-nos em vão
distinguirmos na distância o porto que deixamos.
Mas o porto está em nós,
eterno e sonolento.

Efêmeros, entornamos nossas taças, prosseguindo
numa peregrinação de desalento e de outonal langor.
E embalamo-nos com gestos exteriores e gratuitos,
iludindo, na mais vã das dispersões,
nossas ânsias de retorno à pátria imponderável,
perdida para sempre nas brumas do ter-sido,
e nos oprime o peito à hora do sol pôr.

Publicado em 18 de setembro de 2007.

Publicado em 18 de setembro de 2007

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