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A gravidez na adolescência e a escola

Mariana Cruz

Nem sempre os opostos se excluem. Não, não estamos falando da filosofia de Heráclito nem da dialética de Hegel, mas o fato é que quando pensamos na palavra “mãe” ou “pai”, o que naturalmente se contrapõe é o vocábulo “filho”. São funções opostas, apesar de não serem excludentes, já que uma pessoa pode ser “pai” ou “mãe” e “filho” ao mesmo tempo. Mas, convenhamos, um adulto cujos pais são vivos, ao ter um filho, passa a ser menos filho do que antes, pois seu papel principal agora passa a ser o de pai.

O que acontece quando essa passagem ainda não está muito bem marcada? Quando a mãe ou o pai ainda são bastante “filhos”, dependentes de seus pais financeira e afetivamente? Quando filhos, por um deslize, por uma atitude inconsequente ou mesmo pela mais nobre das vontades, passam de uma hora para outra a exercer o papel de pais?

É mais ou menos assim que ocorre quando a gravidez aparece no período da adolescência. A seguir, você vai ver o que dizem Luziene e Ariana, duas estudantes que tiveram filhos na adolescência, e a coordenadora pedagógica de uma escola estadual, Thaísa Ferraz, sobre este delicado assunto.

Luziene teve o filho aos 18 anos. Hoje está com 20 anos e é estudante do primeiro ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública do estado, no turno da manhã.

Educação: Fale um pouco da sua experiência de ter tido filho aos 18 anos.

Luziene: Foi uma decepção para minha mãe e para meu pai, porque eles achavam que eu não ia ter filho tão cedo, porque, como eu conversava com eles, achavam que eu era esperta, que eu sabia das coisas, que eu iria estudar e só depois ter filho. Mas acabou acontecendo, né? Eu tinha um namorado, minha mãe e meu pai não me deixavam namorar ele. Eles não gostavam dele, não simpatizavam com ele, achavam que ele era muito brincalhão, irresponsável, essas coisas. Ele tinha 20 e eu tinha 18. Eu falava pra minha mãe que ia para alguns lugares; mentira, eu ia sair com ele. E acabou que aconteceu: eu fiquei grávida. A gente usava preservativo mas, às vezes, não dava. Usava de vez em quando. Aí acabou acontecendo. No dia que eu descobri que estava grávida foi um desespero. Eu contei para minha avó primeiro, depois contei para minha tia. Pedi à minha avó para contar para minha mãe, ela falou: “Não! Conta você”. Aí eu falei: “Eu não vou contar, não. Vou esperar ela ficar sabendo pela boca dos outros ou desconfiar e vir me perguntar”. Aí minha avó contou. O pior mesmo é que meu pai não aceita, ele falou que falou, disse que eu tinha de arrumar algum lugar para ficar, porque “filha dele com neto, dentro da casa dele não fica”, tanto que ele fala isso até hoje, joga na minha cara isso até hoje. Aí eu fui morar com o pai do meu filho e com a minha sogra, só que não dava certo, a gente brigava muito, eu brigava muito com a minha sogra. Aí fui morar com minha família de novo; hoje estou com eles porque minha avó pediu para eu ficar lá, mas meu pai ainda não aceita. Quando ele bebe, então, isso é o que ele mais joga na minha cara. Mas a gente leva, né? Já a minha mãe ajuda bastante, às vezes acaba a fralda ela vai lá e compra.

PE: E como é seu relacionamento com o pai de seu filho hoje em dia?

Luziene: Eu gosto dele, ele gosta de mim, mas ele é muito ciumento, eu não estou mais com ele. Eu estou sozinha, ele também está. Ele ajuda: todo mês, quando ele recebe, a gente sai para comprar as coisas para o nosso filho, ele vai ao supermercado, faz as compras; depois de 15 dias, se o dinheiro já acabou, eu falo com ele, mando recado para ele pelos meus irmãos pequenos, aí ele vai e compra. Nisso ele é responsável. E quando meu filho nasceu minha sogra me ajudou, me ajudou bastante. Isso eu não posso reclamar não, ela me ajudou à beça.

PE: Qual a maior vantagem que você vê em ter tido filho cedo?

Luziene: Eu acho que a gente ganha mais experiência e mais responsabilidade. Valorizo mais minha mãe, eu vejo o que ela passou comigo que é o que eu estou passando agora com meu filho. Foi melhor para ela porque mal ela ficou grávida foi morar logo com meu pai e está casada com ele até hoje.

PE: Você vê alguma desvantagem por ter tido filho adolescente?

Luziene: Ah, às vezes eu quero fazer alguma coisa, por exemplo, arrumar um serviço, e não posso. Agora eu só posso estudar. E eu só estou estudando também porque ele vai para a creche, eu queria arrumar um serviço, não dá, não tem um horário certo. Ou eu vou largar a escola para trabalhar de manhã, ou eu vou trabalhar de tarde e não vou poder pegar ele. Que horas eu vou pegar ele? Ele sai às quatro e quarenta da creche. Não tem ninguém que possa pegar ele para mim, porque o pai dele trabalha, a minha mãe trabalha, a minha sogra trabalha. Eu não tenho como estudar à noite, então quem é que vai ficar com ele para mim?

PE: Como ficaram seus estudos depois que seu filho nasceu?

Luziene: Eu tive meu filho, e parei de estudar; fiquei dois anos sem estudar. Por isso eu aconselho às adolescentes que estão começando a namorar para curtir bastante, namorar bastante, porque depois que fica grávida é um transtorno. De um lado, é uma coisa boa, porque filho não é uma coisa ruim, mas atrapalha muito, atrapalha muito, não tem como. E olha que eu nunca gostei de sair. Para quem gosta de sair, interfere muito. Toda vez que eu saio, eu fico preocupada na rua, pensando nele em casa. Eu quase não saio. Tem adolescente que tem aquela mãe boazinha demais, que fica com o filho para tudo. Mas tem umas que não ficam, minha mãe só fica se for uma coisa muito urgente. Se for para eu ir ao baile ela não deixa não, se eu for para uma festa eu tenho que levar ele. É isso.

Ter filho na adolescência, porém, nem sempre é algo acidental; existem aquelas meninas que têm filho nessa fase da vida por escolha própria, como Ariana, que aos 16 resolveu engravidar. Hoje, com 23 anos, está cursando o primeiro ano do Ensino Médio da rede estadual, no turno da noite.

PE: Conte um pouco de sua experiência de ter tido filho na adolescência.

Ariana: Eu fiquei grávida com 16 anos e tive minha filha com 17; quando ela fez um ano, eu fiquei grávida da outra; aí, quando a primeira fez 1 e 8 meses, a outra nasceu, só que ela nasceu de 8 meses. Eu casei com 16 anos. Eu conheci meu marido em 98 e casei com ele em 2000, casamos antes de eu engravidar. Vai fazer 7 anos que estamos casados. Naquela época ele tinha 24 anos.

PE: Sua gravidez foi planejada?

Ariana: Eu engravidei propositalmente, porque, como meu marido não gostava de criança, eu achei que se eu não engravidasse naquela época ele não ia mais querer ter filhos, ele já tinha falado que não queria. Eu engravidei de propósito, mas ele sabia e falou: “vamos ver que bicho que vai dar”, e até que deu certo: ele adora as filhas dele.

PE: E como foi a reação da sua família diante da notícia?

Ariana: Quando soube, minha mãe me apoiou. Ela falou: “você que vai cuidar, você que vai alimentar... vocês, aliás. Te dou toda força se você quiser trabalhar e estudar e se precisar que eu fique com ela, eu fico”.

PE: Então você conseguiu continuar estudando?

Ariana: Eu parei de estudar por quatro anos. Tive que parar de trabalhar quando engravidei da segunda, porque estava me sentindo mal com ela ainda dentro de mim, eu não aguentava mais, eu só ficava deitada, me alimentava muito pouco. Nessa época, eu fiquei desempregada e ele também, aí eu fiquei meio que estacionada no mundo, eu fiquei cuidando de mim. Quando ela nasceu, eu fiquei resolvendo os problemas todos.

PE: Você acha que perdeu algo por ter ficado grávida ainda adolescente?

Ariana: Eu não senti que perdi nada em ter ficado grávida tão cedo. Eu não gosto de baile, eu não gosto de pagode, essas coisas, eu não gosto de sair. Para mim, minha filha foi tudo, completou a minha vida e a do pai também. Foi tranquilo. 

PE: E quais são seus objetivos agora?

Ariana: Agora eu tenho que estudar para dar um futuro melhor para elas. Eu espero que elas façam como eu fiz, seja tudo programado.

PE: Como vocês se sustentam financeiramente hoje?

Ariana: Meu marido trabalha de carteira assinada já há quatro anos, e ele que põe comida dentro de casa, roupa, e o meu dinheiro vai mais para comprar brinquedo, uma ajuda para pagar as compras. Eu agora trabalho e estudo e minha mãe fica com as meninas. Ela se ofereceu para poder ficar. Minha mãe é ótima, maravilhosa, eu adoro ela.

PE: Você teria algum conselho para dar às adolescentes grávidas?

Ariana: O conselho que eu dou é que quando a gente tem um filho, a gente tem uma responsabilidade, eles não têm culpa de terem vindo ao mundo. Eu trabalho justamente por causa das minhas filhas, senão eu não trabalharia. É importante que as adolescentes tenham responsabilidade, ponham a cabeça no lugar, pois hoje em dia essas garotas querem saber de bailes, curtir essas coisas e deixar as crianças de lado. Eu acho que tem que ter responsabilidade com a criança. É assim que eu penso.

Após essas duas experiências distintas sobre gravidez na adolescência, é a vez de Thaísa Ferraz, coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Antônio Houaiss, falar um pouco sobre a relação dos estudantes e da escola com esse fenômeno. 

PE: O Colégio Estadual Antônio Houaiss tem um grande número de adolescentes. Como a escola trabalha o tema gravidez na adolescência?

Thaísa: Esse problema existe desde o início da escola, quando nós começamos já tínhamos algumas alunas grávidas. Nós trouxemos pessoas para fazerem aconselhamento. Aconteceram oficinas, dinâmicas, fizemos um convênio com a UERJ, que trabalhava em cima da proposta de sexualidade na escola, formavam alunos multiplicadores, que distribuíam camisinhas, faziam campanhas com relação a isso. As alunas que estavam grávidas eram encaminhadas para esses lugares. Mas agora esse convênio acabou.

PE: Depois que o filho nasce as adolescentes continuam estudando?

Thaísa: Elas retornam, elas não abandonam, mas elas têm muita dificuldade, porque deixam as mães tomando conta dos filhos e muitas vezes suas mães trabalham. Hoje mesmo vou receber uma aluna que teve bebê agora, com 16 anos, e vai ter que ficar com a criança de dia e estudar de noite, porque a mãe trabalha, então a gente está adiantando as avaliações do bimestre para ela ter nota direitinho para poder dar continuidade à noite, o que é um complicador.

PE: Muitas alunas passam ao ensino noturno após terem seus filhos; como você vê isso?

Thaísa: O grupo da noite tem outro perfil. As alunas da manhã, apesar de estarem grávidas, não têm maturidade. Eu costumo dizer que o grupo da noite é um grupo de supletivo, são alunos que perderam algo há muito tempo; não é o caso das nossas alunas. Elas tinham um trabalho, que tinha que dar sequência e vai ficar defasado, porque o nível é outro. Mas elas tentam retornar.

PE: Como é o perfil das meninas grávidas? E dos meninos que são pais adolescentes?

Thaísa: Geralmente são mães solteiras. Os meninos, os rapazes, os pais não assumem. Em relação aos meninos, são poucos os que falam. Antes tinha o trabalho aqui desenvolvido pela UERJ. Agora fica mais difícil, porque eles não procuram a gente para dizer, eles só vão falar depois que a gente percebe que tem alguma coisa diferente.

PE: Os casos de gravidez na adolescência estão relacionados às classes sociais?

Thaísa: Quando dizem que esse fenômeno de adolescentes grávidas tem ocorrência maior nas classes mais baixas, eu não concordo. Até acho que nessas classes há uma tendência maior de mães solteiras, de meninos que não assumem, as meninas acabam assumindo mais. Isso principalmente acontece com os negros. Nas classes mais baixas, tem um número maior de negros, e nesses casos o número de mães solteiras é imenso. Estatisticamente também é provado que é bem maior, elas acabam assumindo a casa, assumindo tudo, não têm como estudar. Param tudo, né?

PE: E qual é o papel da escola nesses casos?

Thaísa: Tem que ter alguém que acompanhe esse problema. A escola tem que estar preparada para entender quais são os problemas dessa juventude, porque muitas vezes a gente não discute isso, quem são esses alunos, quais são os problemas que estão relacionados a eles, e temos que ter pessoas preparadas para lidar com esse tema. Quanto aos professores, eu acho que é complicado ficar atribuindo mais uma tarefa. Eles até podem conversar, mas não são a pessoa que vai fazer o encaminhamento. Em Biologia, no ano passado, a gente fez com que a atividade complementar fosse trabalhada em cima disso; este ano está voltado para o meio ambiente. Temos pensar em estratégia, só que a escola tem muita demanda.

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Publicado em 2 de outubro de 2007.

Publicado em 02 de outubro de 2007

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