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Do século do não ao da esperança!

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

A lei e a ordem do diferente na cidade do Rio de Janeiro, século XIX para XX/XXI.

1. A história do Rio de Janeiro: história e fisionomia.

A cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, possuía durante o segundo reinado a condição de centro político do País. Apresentava-se em sua parte urbana qual um retângulo, com ruas que se entrecruzavam. Havia um grande número de habitantes, porém poucas casas. A cidade desenhava-se por um contorno que começava na região do Arsenal do Exército, junto à Ponte do Calabouço, ao longo da costa marítima, passando a noroeste por São Bento e na praia para o Valongo. Ao norte, seguia pelo Campo de Santana e ia em direção ao Caminho do Mata-Cavalos.

Ao norte avistava-se o Palácio do Bispo e a Fortaleza da Conceição, enquanto ao fundo via-se uma parte da Baía, com os morros que ficavam daquele lado, e a Praça, com o depósito de espermacete na Armação. Nesse lado apresentava-se o paredão rochoso de João de Caraí, depois dos morros. Mastros elevados assinalavam a entrada. Seu ponto mais elevado fazia divisa com o Convento de São Bento. Mais abaixo, estava a Ilha das Cobras, em frente ao edifício da Alfândega. Erguia-se aí a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, que tinha as duas torres mais altas da cidade, na época. A Igreja de Santa Rita possuía torres mais baixas. Para o lado do mar destacavam-se as Igrejas da Lapa, dos Terceiros e da Cruz, com as torres que escondiam o Palácio Imperial. Para o lado da terra apresentava-se a Igreja do Bom Jesus, sobre o morro de pedra atrás de Santa Rita, e o Hospital Militar, que havia sido um antigo colégio de jesuítas. O Morro do Castelo, hoje inexistente, estava limitado pela elevação onde se divisava o telégrafo.

Ao pé do Pão de Açúcar eram visíveis, para o lado oeste, o subúrbio do Catete e parte da barra. Mais próximo estava o Convento de Santo Antônio, e no meio, encontrava-se a rua do Rosário, ou a rua da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Próximo, a Igreja de São Francisco de Paula, e a Academia Militar. Em lado oposto, sobre uma colina, o Convento de Santa Teresa e, aquém, na Praça do Rossio, o Teatro São João. Lá estavam,em primeiro plano, as igrejas, sem torre, da Conceição, a de São Domingos e de São Joaquim, bem como o quartel. Entre o Corcovado, com dois picos, e a distante garganta da montanha fronteira, tínhamos a Intendência Geral da Polícia, instalada no grande Campo de Santana, onde se achava a Igreja do mesmo nome, que fazia limite com o mangue de São Diogo. Mais adiante, ficavam os subúrbios de Catumbi e Mata-Porcos. Dali avistava-se a região localizada atrás da Quinta Imperial do Recreio da Boa Vista.

O centro da cidade não correspondia à boa impressão que seu panorama apresentava. O estilo de construção das casas não seguia um modelo uniforme, a pavimentação era ruim e a iluminação das ruas, muito fraca. Era uma cidade que vivia praticamente às escuras, com graves problemas. As igrejas com suas torres, vistas de longe, surpreendiam pela quantidade ou pela situação, mas, de perto, não satisfaziam. Não faltavam no Rio de Janeiro grandes praças, e as situadas na praia eram aprazíveis, pois estavam sempre arejadas. Dentre os edifícios, o Palácio Imperial se apresentava como o mais distinto. Havia sido residência dos Vice-Reis. Havia também o Convento dos Carmelitas, com dois andares, com a fachada principal voltada para o mar.

O Rio de Janeiro possuía um quadro de edificações bastante irregular. Nesse particular, possuía uma aparência extremamente desordenada. As construções "iam-se erguendo à vontade de cada dono, resultando da sua localização o arruamento, em vez de o arruamento preceder a edificação" (Rosa, 1924, p. 27).

As casas dos subúrbios, como também as da cidade, eram igualmente construídas de pedras e cobertas de telhas, porém tinham somente andar térreo com uma ou duas janelas, no máximo, para a rua. Nessas pequenas residências moravam muitas vezes dez a doze inquilinos, apertados em suas pequenas dependências.

O perímetro urbano localizava-se num pequeno espaço entre quatro morros: fora disso, somente engenhos e fazendas compunham a paisagem. Em Botafogo e na Lagoa Rodrigo de Freitas havia centros açucareiros. Na segunda metade do século XIX, começou de fato seu processo de ocupação urbana, com a implantação das linhas de bondes puxados a burro da Botanical Garden Railway Company (Heiborn e Cavalcanti, 1986, p. 38). Nas Laranjeiras havia um núcleo de transações de cerâmicas e olarias. O acesso aos lugares era muito difícil, em função da falta de estradas e da dificuldade de transportes. O cavalo constituía o principal meio de locomoção. As distâncias eram muito grandes. O calçamento das ruas apresentava-se irregular. Viviam constantemente enlameadas pelas chuvas de enxurradas, o que dificultava sobremaneira a passagem das carruagens da corte. Quando isso ocorria, as Ruas São Clemente e Voluntários da Pátria geralmente ficavam interditadas. Na falta delas, o percurso opcional era o morro do Secretário para se chegar a Gávea, passando pelos caminhos do Pasmado, ou Rua da Passagem e Rua Berquió, antigo caminho da Lagoa, hoje conhecida como General Polidoro.

Existiam nove praças públicas: Largo do Paço, Largo da Carioca, Largo do Rossio, Largo de São Francisco, Largo do Carmo, Largo de São Domingos, Campo de Santana, Largo da Ajuda e Largo da Lapa.

Devido às distâncias e às dificuldades de transportes, as moradas do alto da Tijuca nas freguesias de fora quase sempre se apresentavam apenas como sítio do recreio, refúgios para descansos e férias - nunca como domicílios habituais. O centro é que era área residencial.

O Caminho do Morro do Castelo também era uma área procurada e movimentada; lá estavam instalados o Observatório Astronômico, o Telégrafo, o Hospital Militar e, depois, a Escola de Medicina. Todavia, houve tempo em que essa área transformou-se num ponto para as pessoas passearem aos domingos.

Mesmo sendo convertido num grande centro político, o Rio de Janeiro assustava alguns viajantes, sobretudo aqueles provenientes de locais mais avançados, acostumados a uma urbanização acelerada. Muitos achavam que a cidade era muito atrasada e desorganizada, mofina, escura, suja e fedorenta. Outros percebiam-na como o lugar de desgraça e ruína de europeus imigrantes. Oskar Constatt chega a nos descrever uma passagem dessa ruína:

Um cavalheiro da Silésia, que lá possuíra solar, teve de ganhar a vida como coveiro, no Brasil, enquanto sua mulher, outrora o centro de brilhante sociedade, lavava roupa para fora. A maioria desses imigrantes chega a esse estado devido à bebida ou à invencível aversão ao trabalho. Podíamos continuar a enumerar infinitamente os destinos desses imigrantes alemães, intrusos para o Brasil, mas os poucos exemplos mencionados devem ser bastantes para justificar-se a conclusão de que só certas classes de imigrantes, isto é, os saídos das classes laboriosas e os camponeses, podem ter asseguradas suas esperanças de futuro propício no Brasil. Não é menos prometedora a perspectiva para comerciantes, quando têm alguns recursos e se habituam à ideia de que durante anos, para assegurarem o lucro pecuniário, terão que se privar das coisas agradáveis da vida europeia (Constatt, 1871/1875, p. 44).

No que se refere aos divertimentos, havia muitas variedades, como Eldorado ou Alcazar, Renassance, Hotel des Princes na Praça da Constituição, Freres Provenceaux na Rua do Ouvidor esquina de Latoeiros, atual Rua Gonçalves Dias. Todas essas casas destinavam-se ao entretenimento, tal qual o Cassino Fluminense, que se destacava pelos bailes que promovia:

Nos bailes dados pelo Cassino Fluminense, seus vastos salões ficam povoados de trajes fascinantes, saídos das tesouras do grande Worth. No país dos diamantes, é muito fácil ver cintilar muitos nestas reuniões do mundo elegante; mas, a este respeito, o peito dos maridos faz uma terrível concorrência às espáduas graciosas, pois muitos homens se fazem notar pela riqueza das condecorações, crachás de Ordens, abotoaduras e botões de colete ofuscantes de pedras preciosas (d'Ursel, 1880, p. 48-49).

Havia também os hotéis-restaurantes, como o Hotel Du Louvre, na Praça da Constituição, Hotel D'Europe, na Rua do Carmo, Canto de Ouvidor, e ainda o Hotel do Globo, na Rua Direita, que era muito bem frequentado. Contudo, não eram de boa qualidade. O ambiente era intranquilo como contam os Verburgghe:

Não tardamos a ser envolvidos pelas maneiras discretas das criadas e os olhares das mulheres pintadas; de noite, ouvimos nomes gritados pela janela, barulho, portas e muito movimento na escada. No Rio, as janelas das ruas mais centrais ficam apinhadas de criaturas, que chamam os transeuntes, em pleno dia. A edilidade não procura localizar o problema. Deixa que se espalhe pela cidade toda, quase transformada, na boca da noite, em casa de tolerância. Uma tal acumulação de prostitutas, sem controle algum, constitui um verdadeiro perigo a saúde pública (1880, p. 107-108).
Para ficar em hotéis de padrão decente, os viajantes franceses Louis e Georges Verburgghe indicavam dois outros estabelecimentos: o Carson e o dos Estrangeiros, que ficavam fora da cidade (Verburgghe, 1880).

No Peixe Frito, na vizinhança do Teatro São Pedro, e ainda no Restaurante Labarthe, reuniam-se pessoas bem mais modestas.

O Rio de Janeiro possuía uma divisão administrativa marcada por aspectos eclesiásticos. Diversas freguesias ou paróquias tinham limites de seus territórios definidos por jurisdição religiosa. Com o tempo isso mudou, como afirma Francisco Noronha Santos: "Depois essas mesmas freguesias passaram a abranger os territórios de jurisdição administrativa" (Santos, 1965).

As freguesias eram dezesseis; onze eram urbanas centrais, cinco situavam-se em áreas de pouca densidade populacional e importância econômica. Fundado em 1º de março de 1565, o Rio teve sua primeira freguesia em vinte de fevereiro de 1569, a de São Sebastião. As outras foram surgindo como corolário do aumento populacional e da expansão territorial: Candelária, fundada em 1634; Irajá, em 1644; Jacarepaguá, em 1661; Campo Grande, em 1673; Ilha do Governador, em 1610; Inhaúma, em 1649; São José, em 1751; Santa Rita, em 1720; Guaratiba, em 1755; Engenho Velho, em 1762; Ilha de Paquetá, em 1769; Lagoa Funda, em 1809; Santana, em 1814; Sacramento, em 1826, substituindo São Sebastião; Santa Cruz, em 1833; Glória, em 1834; Santo Antônio, em 1854; São Cristóvão, em 1856; Espírito Santo, em 1856; Engenho Novo e Gávea, em 1873.

Aqui nossa atenção está voltada para a população desocupada, que vivia na marginalidade, pois, excluídos sociais e socioculturais, esquecidos talvez pela sociedade formal, sem cidadania reconhecida e/ou bem vista pelo todo, compunham universo social que chamamos de paralelo, exatamente onde se construirão os possíveis Estados Paralelos, fruto de uma sociedade paralela talvez, na cidade do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX para cá. Por isso, nos preocupamos somente com a divisão das freguesias que compunham a área central da cidade, local de grande concentração demográfica, em que  esses grupos, ou corpos geralmente se localizavam e se organizavam. Era área de grande indústria, que significava, naquela época, "arte e destreza, para granjear a vida; engenho, traçado lavras, fazer obras mecânicas"[1].

Tomando por base as informações contidas em Noronha Santos, a freguesia da Candelária era a mais antiga delas e por isso possuía a denominação de Cidade Velha. Contava com um significativo comércio exportador e importador, e diversas casas de artesanato e de serviços. Em sua orla marítima encontravam-se casas e bancas para vender legumes, cereais e peixes, oficializadas pela Câmara Municipal em 1855, com a criação da Praça do Mercado do Rio de Janeiro. Nessa paróquia encontravam-se grandes edifícios públicos, como o Paço Imperial, a Praça do Comércio, a Caixa de Amortização, criada em 1827, a Alfândega do Rio de Janeiro, antigo local de depósito de escravos que em 1824 fora transferido para o Valongo (freguesia de Santa Rita). Nela situavam-se, ainda, bancos, companhias de navegação, de estradas de ferro, escritórios de sociedades anônimas.

A freguesia de São José foi fundada em dez de maio de 1753, desmembrada da Candelária. Em 1809 e 1834, sofreu uma divisão territorial que gerou outras duas paróquias: Glória e Lagoa. Em 1854 ocorreu a criação da paróquia de Santo Antônio, também extraída de seu território. Era área de inúmeras casas comerciais e algumas fábricas. Dentre as diversas instituições se destacam o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, localizado na Praça de Santa Luzia, a Câmara dos Deputados, no Largo da Assembleia, o edifício da Cadeia Velha, a Escola de Medicina, a Biblioteca Nacional e o Passeio Público.

A freguesia do Espírito Santo teve origem do desmembramento da paróquia de São Cristóvão, Santo Antônio e Engenho Velho, em 1865. Tal fato ocorreu devido à aceleração da urbanização da cidade, que se irradiava por uma área geográfica significativa. Para a ocupação de sua área foi necessário muito aterro, pois a região era de mangues e atoleiros que cercavam Santa Teresa. Tratava-se de uma área de chácaras e sítios, mas, paulatinamente, deu lugar a um bairro residencial de importante comércio varejista e de algumas manufaturas.

A freguesia da Glória, criada em 1834, era inicialmente área de chácaras, atingida pelo processo de irradiação urbana consequente do crescimento da cidade, criou comércio e algumas atividades manufatureiras e artesanais. Possuía grande facilidade de condução, servida pelos bondes da Cia. de Ferro Carril do Jardim Botânico. Ficou conhecida como local de residências, hotéis e casas de pensão habitadas por empregados do comércio e viajantes.

A freguesia de Sacramento fazia limite com a da Candelária e, economicamente, configurava-se como sua continuação. Instituída em 1836, reunia teatros e igrejas, assim como irmandades de negros, possuindo importantes prédios públicos, como o Tesouro Nacional, o Tribunal de Contas e a Escola de Belas-Artes. Fortemente povoada, possuía um importante comércio.

Em Santana, fundada em 1814, encontrava-se outra freguesia importante, tendo como sede a antiga igreja do mesmo nome, demolida posteriormente em 1856. Em seu lugar construiu-se a Estação de Ferro D. Pedro II, hoje Central do Brasil. O templo foi reconstruído em 1878 em novo local, na Rua Barão de Capanema. Tratava-se de uma freguesia urbana caracterizada por grande quantidade de indústria e comércio varejista, que reunia os mais importantes edifícios públicos: Ministério da Guerra, Casa da Moeda, Inspetoria de Obras Públicas e o Quartel Central do Corpo de Bombeiros, dentre outros. Possuía uma população composta, em sua maioria, de pessoas de baixa renda, reunida em muitos cortiços.

Santa Rita, desmembrada desde 1721 da paróquia da Candelária, também pertencia à área urbana. No ano de 1814, uma parte dela passou a formar a freguesia de Santana. Marcada por casas comerciais de café, trapiches, estaleiros e fábricas, também se encontravam ali a Praça do Mercado e o Mercado do Valongo.

A freguesia de São Cristóvão, criada no ano de 1856 por uma separação do Engenho Velho, possuía forte comércio local, muitas fábricas de vidros, cerâmicas, velas nacionais e tecidos. Na Quinta da Boa Vista encontrava-se o Palácio da Família Imperial, local de numerosas residências.

A freguesia de Santo Antônio resultou do desmembramento das de São José, Santana e Sacramento, no ano de 1864. Em 1865 cedeu parte de seu território para a formação da freguesia de Espírito Santo, que veio a se constituir em grande centro de artesanato e manufatura.

A freguesia de São João Batista da Lagoa surgiu em 1809, de uma fragmentação da freguesia de São José. Possuía características de uma região basicamente de residências familiares de alta renda, onde um intenso comércio se desenvolveu para atender ao consumo da população. Compunha-se dos bairros de Botafogo, Urca, Copacabana e Ipanema, este último ainda praticamente desabitado. A Gávea e a Lagoa Rodrigo de Freitas também pertenciam a essa freguesia até 1873. Ali se localizava o cemitério mais importante do final do século: o de São João Batista.

A freguesia do Engenho Velho, criada em 1762, caracterizava-se como centro de casas de recreio, de campo, onde também se localizava o matadouro municipal entre 1853 até 1881.

Em meio a esse perfil sociocultural da cidade urbana do Rio de Janeiro, não se pode esquecer que todos viviam sob a sombra de algo plenamente organizado: o quilombo, instituído após fuga de escravos, momento em que, durante a escravidão, ele poderia adquirir efetivamente a condição de dono de si mesmo. Era com ações que lembravam esse tipo de comportamento que se forjava esse novo caráter organizacional que tanto atormentava os senhores da aristocracia, tanto rural quanto urbana, tanto no interior como na capital do Império. Possuía organização própria visível, com defesa muita bem organizada, economia bastante diferenciada na maioria das vezes, refletindo sempre uma forma avessa de existir do que herdavam da vida como escravo.

Uma análise resumida, em forma de organograma, da Organização Política dos Quilombos no que tange à organização e à dinâmica dos ditos movimentos negros de Resistência Social seria como está no esquema a seguir.

Organização política dos quilombos
Estrutura de
poder interna
Binômio economia-defesa Quilombo do
Ambrósio
   
Organização e dinâmica dos movimentos negros
       
Quilombos e resistência social

2. A cidade do Rio de Janeiro: características de sua sociedade paralela

Visto agora, pode-se verificar o quanto era vital e ao mesmo tempo preocupante a presença da escravidão em nossa sociedade. No Rio de Janeiro, tudo se refletia com mais alarde e explosividade política, pois se tratava da Capital do Império. Como sabemos, era uma cidade que produzia com base no trabalho negro, essencialmente escravo. Mesmo experimentando um crescimento urbano pela própria condição de capital do império, esse tipo de braço não seria abandonado. Nas palavras de Thomas Nelson:

O negro não só é o trabalhador dos campos, mas também o mecânico, não só racha a lenha e vai buscar a água, mas também, com habilidade de suas mãos, contribui para fabricar os luxos da vida civilizada. O brasileiro usa-o em todas as ocasiões e de todos os modos possíveis; desde cumprir a função de mordomo e cozinheiro até servir os propósitos de cavalo; desde fabricar vistosos berloques e fazer a roupa até executar o mais vil dos deveres servis (Nelson apud Conrad, 1978, p. 3).
Em 1849, a população das paróquias urbanas atingia 205.906 pessoas, enquanto o total suburbano era de 60.560, totalizando 266.466 pessoas. Naquele mesmo ano, os negros e/ou pretos, livres e libertos das paróquias urbanas da cidade chegavam a 127.051 habitantes, afora um contingente de 78.855 escravos (Lobo, 1978, p. 473; Karash, 1972, p. 24).

Os escravos apresentaram, no período de 1850 a 1860, crescimento populacional muito lento. Sua população total, que era de 48.282, foi para 50.092. Configurava-se uma redução percentual em relação à população total em 1870.

Os recenseamentos de 1870/72 foram os primeiros feitos sistematicamente baseados em critérios mais seguros, apresentando uma aceitável compatibilidade de afirmações. O aumento de estrangeiros residentes no Rio de Janeiro entre essas datas foi de 2.601 por ano, em média. Havia um número importante deles sem profissão conhecida, relegados à marginalidade ou marcados pela desocupação, o que nos faz supor que também engordavam o ambiente marginal, diferente e do qual nos ocuparemos aqui (Lobo, 1978, p. 469-173).

A demografia da cidade do Rio de Janeiro foi testemunha de transformações importantes em sua estrutura populacional nas cinco últimas décadas do século XIX. Em 1872, moravam na capital 274.972 pessoas. Em 1890, esse número cresceu para 522.651; ou seja, quase dobrou em menos de vinte anos. Tal crescimento representava uma situação inesperada em termos de área territorial. Os reflexos seriam fortemente notados nas relações sociais que a cidade passaria a ter. O contingente de pessoas, aumentando continuamente, trazia consigo uma onda de problemas, que podem ser detectados pela insipiência de seus serviços, a bem da verdade, cada vez mais precários.

Esse crescimento populacional possuía suas causas principalmente na migração de escravos libertos da zona rural para a urbana, na imigração de forma geral e na imagem que a cidade refletia, de melhores condições de vida.

O Rio de Janeiro concentrava grande contingente de negros e mulatos, registrados no censo de 1890. Bom número deles era de origem estrangeira. O censo de 1872 registra grande parcela desse contingente ligada a atividades de pequenos ganhos.

Em 1890, do total de 522.651 pessoas, havia no Rio de Janeiro 163.137 habitantes entre os 15 e 30 anos de idade, equivalente a 31,21% da população. Desse total, 293.657 (56,18%) eram homens e 228.984 (43,81%), mulheres. Daí inferimos que, havendo mais homens do que mulheres, tivéssemos na cidade maior disponibilidade de trabalho masculino que feminino. Também podemos deduzir que os 31,21% da população jovem, ou mais ativa para o trabalho, faziam da cidade uma área com grande potencial de mão-de-obra que se renovava e se tornava produtiva.

Segundo Sydney Chaloub, essas importantes mudanças na demografia da cidade precisam ser percebidas dentro de um quadro mais amplo da constituição do capitalismo no Brasil (Chaloub, 1986, p. 27). No Rio de Janeiro, tanto dentro do setor urbano como na área suburbana, as profundas transformações socioeconômicas associadas à transição de relações sociais durante a segunda metade do século XIX, antes do tipo senhorial/escravista para o tipo burguês/capitalista, provocaram abalos.

A decadência do regime escravocrata e senhorial na Corte operou-se vagarosamente, como em todo o país. Ela deixou várias sequelas, principalmente sociais, que marcaram profundamente a vida das pessoas. Por ser capital do Império, os reflexos desse processo tiveram mais força e significado no cenário nacional.

Entre 1850 e 1890, período que se estende do ano da paralisação do tráfico negreiro ao início da fase republicana, a vida produtiva daqueles que habitavam a cidade passou por profundas mudanças.

No setor urbano, os escravos, os libertos e os livres defrontavam-se com a tarefa de adaptar-se aos novos tempos, marcados por um quadro de transição. As mudanças eram notadas nos hábitos e costumes. Construiu-se no Rio de Janeiro, à margem da sociedade tradicional, uma outra sociedade, caracterizada pela desordem no espaço do trabalho. Sobre o assunto, diz Tavares Bastos (1975, p. 31):

Uma sociedade formada por indivíduos, não só de ínfima classe, em grande parte condenados, como de ambiciosos de dinheiro sem o santificado suor do trabalho, uma sociedade tal considera (...) a capacidade, indústria; a moeda, riqueza; a ignorância, virtude; o fanatismo, religião; o servilismo, respeito; a liberdade de espírito, um pecado que se expia na fogueira; e a independência pessoal, um  crime de lesa-majestade.
Pelo lado dos senhores, um novo perfil de organização do trabalho (assalariamento) se denunciava, marcando suas trajetórias. Vagarosa e gradualmente, eximiram-se da responsabilidade pela manutenção e segurança de seus libertos.

Por outro lado, o Estado Imperial, juntamente com a Igreja Católica, não assumiam encargos especiais para com este tipo de pessoa[2], ou seja, não se firmou qualquer compromisso que estivesse pautado na preparação do indivíduo para o novo regime de organização da vida produtiva e do trabalho. Acrescente-se ainda o fato de ser o Rio de Janeiro uma cidade "onde o bem público era uma palavra sem sentido, porque não havia público" (Sarmiento, 1978, p. 68).

Vozes inquietas de pessoas ilustres insistiam em abrir nossas portas para o estrangeiro, exigindo mudanças de hábitos. Como nas palavras, ainda, de Tavares Bastos:

é preciso mudar de hábitos, é preciso pôr um trauma no corpo do brasileiro. E eu não conheço senão um meio eficaz para isso, a saber: abrir francamente as portas do Império ao estrangeiro, colocar o Brasil no mais estreito contato com as raças viris do Norte do Globo, facilitar as comunicações interiores e exteriores, promover a imigração germânica, inglesa e irlandesa e promulgar leis para a mais plena liberdade religiosa e industrial.
O liberto viu-se, inesperadamente, proprietário de si mesmo (Fernandes, 1978, p. 15). Passou de propriedade a proprietário numa ordem social diversa da originária, tendo que comandar seus destinos em busca de uma vida cidadã. O novo quadro no qual se inseria ao tornar-se liberto exigia-lhe responsabilidades diferentes e novas. Nessa condição, ele seria responsável por si e seus dependentes. Contudo, sem recursos materiais e principalmente morais para lidar com quadros de uma sociedade que mudava vagarosa sua trajetória para um perfil econômico de competição, o Rio de Janeiro refletia uma sintomática diminuição do espaço de trabalho, especialmente para o liberto. Este tem dificultadas suas oportunidades de integração social.

Nesse sentido, Florestan Fernandes afirma que "essas facetas da situação humana do antigo agente do trabalho escravo imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel" (Fernandes, 1978, p. 15).

Rui Barbosa chamou tal situação de ironia atroz (Barbosa, 1945). Em liberdade, faltava-lhe muito, principalmente o direito de errar e acertar. A vida lhe seria bastante ingrata. A liberdade não lhe conferia a felicidade, pois pairava sobre seus ombros a dura tarefa de se adaptar a novas regras sociais sem o menor preparo. Um trecho da obra de Luís Gama dá exemplo de sua angústia:

Que mal te fiz eu, rapaz? diz o senhor. Pois não tem boa cama e boa mesa, roupa e dinheiro? Queres então deixar o cativeiro de um senhor bom como eu, para ires ser infeliz em outra parte? Que te falta lá em casa? Anda! Fala! E o negro, ofegante, cabisbaixo, calava-se. Falta-lhe, responde gracejando Luís Gama, dando uma palmada de amigo no homem de sua cor, falta-lhe a liberdade de ser infeliz onde e como queira! (1887, grifo nosso).
Podemos inferir, portanto, que a escravidão tolhia as liberdades e, além disso, controlava-lhe as ações, padronizava-lhe rigidamente os comportamentos, oferecendo-lhe uma condição de liberto sem o preparo para a nova vida, empurrando-o para o limite do medo daquilo que desconhecia.

As novas regras sociais eram desconhecidas. Não se tratava de escapar apenas, faltava-lhes, na fuga, o tempo e o preparo necessários à tarefa de adaptar-se ao novo. Senhor de si, na fuga ou na condição de liberto, era-lhe árdua a readaptação.

A condição de liberto faria dele um elemento social pendular, pois o tempo hábil para buscar a nova identidade tinha de ser rápido, o que nem sempre era possível. Apesar disso, quando cometia algum erro, era negada a compreensão, sendo então punido com severidade. Como liberto, acabava quase sempre engordando as fileiras da população desocupada na cidade. Vivia cotidianamente desocupações eventuais ou envolvia-se na dita vagabundagem.

Muitos se misturavam no caldo de cultura marginal e/ou de excluído sociocultural da cidade. Na maioria das vezes, abrigavam-se na proteção de Maltas de Capoeiras, onde encontravam algum destaque social dentro do grupo. Chegavam a exercer lideranças nesses grupos, pela habilidade que possuíam na prática desse jogo-dança-luta. Mas, também, apareciam embriagados, praticando desordem pela cidade, pequenos roubos etc.

Florestan Fernandes concluiu que "a preocupação pelo destino do escravo mantivera-se em foco enquanto se ligou a ele o futuro da lavoura" (1987, p. 16). Os vários projetos que objetivavam regular a transição do trabalho escravo para o livre foram pontuais em tratar da questão. Contudo, os senhores mostravam-se sempre preocupados com seus próprios interesses.

No Rio de Janeiro, a preservação da escravidão refletia sempre uma resistência abolicionista. A lavoura de café passou a exercer uma tendência de reservar o braço escravo para as funções essenciais. O cativo passou a ser empregado em tarefas supletivas ou perigosas. Por outro lado, muitas tentativas de introdução do braço europeu livre sinalizava na direção de mudanças de comportamento dos fazendeiros.

Esses novos colonos europeus eram inseridos em fazendas organizadas em bases escravistas. A remuneração que recebiam pautava-se pela já mensurada rentabilidade do trabalho escravo existente. Isso causava frequentes choques entre os grandes proprietários e os colonos que viam desvantagens nessa relação. Tal quadro ajudava a formar um corolário de contornos importantes pelas mudanças que se delineavam.

O tráfico interprovincial colaborou para que não caísse muito a prática escravista na Corte, com suprimento de braços. Atribui-se a isso o fato da resistência do centro-sul em geral e, especialmente, do oeste paulista. Tal comportamento fez-se notar quando entrou em vigor a Lei Emancipadora de 1871. O escravismo havia sido ferido em duas etapas: em 1850, encerrando a especulação com escravos; e em 1871, levando o sentido do investimento escravista a ser condenado a um processo de longo prazo. Isso gerou, em muitos senhores de escravos, forte desinteresse por essa prática, guardando-se algumas proporções, pois é notável a diferença dos ritmos das transformações entre Rio e São Paulo. Aqui, a lentidão foi a marca maior. Havia senhores que adquiriram dívidas de hipotecas com a transformação de suas fazendas de açúcar em fazendas de café. Os empréstimos para o novo cultivo obrigavam a hipotecar seu patrimônio, inclusive o escravo, fato que dificultava o fim dessa prática de produção.

Contudo, ocorreram mudanças. Se, por um lado, era lento mas inexorável o uso do braço livre na lavoura, por outro os mencionados problemas decorrentes das relações de produção trouxeram consequências importantes.

Muitos braços livres insatisfeitos com isso rumavam para a cidade, ajudando a construir uma camada de imigrantes estrangeiros prontos para a vida de competição no mercado. Tal fato iria levar à escassez das oportunidades de trabalho, agravada pela forte opção pelo braço europeu:

na cidade vive toda população que não era nem escrava, nem grande proprietária ou de altos funcionários ou comerciantes fortes. É na cidade que se forma e gradualmente se avoluma essa camada intermediária de representantes de algumas profissões liberais, do baixo clero, da administração civil e militar, de artesãos de todos os tipos, de pequenos e médios comerciantes, de marinheiros (...). A cidade, portanto, representaria a opção para negros libertos e fujões.
O liberto encontrava, assim, seu primeiro obstáculo para se colocar no novo mercado. Se somarmos a isso seu despreparo para a nova vida, podemos inferir que as dificuldades se agigantavam, causando empecilhos difíceis de serem transpostos.

Havia grande oferta de braços para o trabalho na cidade, mas, em sua maioria, era desqualificada. O número de pessoas desocupadas e despreparadas, sem profissão definida, era evidente no censo de 1872 na cidade do Rio de Janeiro.

Essa população formava um caldo de cultura urbana grupal e/ou corpórea possuidora de contornos assimétricos em sua formação e relacionamento. Tal quadro era provocado pela necessária convivência de pessoas de diferentes origens ou hábitos no mesmo espaço territorial. Pessoas que demonstravam a urgente necessidade de defender seus espaços territoriais urbanos.

Nesse panorama, a territorialidade passou a ser marca dos conflitos, ou seja, a defesa do espaço conquistado (Zusman, 1991)[3]. Os excluídos do Mundo do Trabalho formal, vivendo na desocupação e/ou na dita vagabundagem, consituíam-se em formações sociais marginais, pois passavam a ter vida errante. Constantemente se opunham à lei e à ordem, sobrevivendo em bandos sinagelásticos[4] e/ou corpos autônomos, também conhecidos como maltas, na luta por manter seu espaço de domínio. Híbridos, compunham-se, dentre outras, de pessoas oriundas de várias camadas sociais; uns eram excluídos do mundo do trabalho na cidade; outros, como os capoeiras, eram marginalizados da sociedade por causa do tipo de comportamento que tinham na vida cotidiana, pautado pela violação das regras, praticantes comuns da violência física nas turbulências que causavam. Embora fossem eficientes instrumentos políticos de balbúrdia e arruaças em ocasiões de campanhas eleitorais, cooptados pelos partidos da época, como afirma o professor Carlos Eugênio Soares (1993), podemos afirmar que apresentavam formação de bandos.

"O escravismo em crise despejava na cidade um contingente populacional volumoso de libertos. Na medida em que se processava a transição do escravismo para o capitalismo, as contradições nas relações de produção no campo traziam o êxodo do braço europeu" (Soares, 1993, p. 56). Este, dentre outros, também contribuiu para o crescimento, na cidade, do volume de pessoas envolvidas cotidianamente em condições adversas, num jogo de sobrevivência marginal, entre os que não encontravam colocação imediata no mercado de trabalho. A preferência daqueles que ofereciam empregos na cidade convergia para o livre nacional e estrangeiro, principalmente na corrente dos atuantes na parte competitiva da economia. Contudo, a oferta de braços desqualificados era grande, fato que acarretava dificuldades.

A competição no mercado era extremamente desigual, assim como as regras - a Lei de Locação de Serviços (Gebara, 1986, p. 77). Engraxar sapatos, vender jornais ou verduras, transportar peixe ou outras utilidades, explorar comércio de quinquilharias eram ocupações menores. Nelas, o negro escravo aparecia com destaque. Trabalhando, ele não era ameaça à segurança individual de ninguém, sobretudo porque se tratava de trabalho compulsório, submetido a rígidos controles. Acerca disso, afirma a professora Marilene Rosa Nogueira da Silva, respaldada em Leila Mezan Algranti:

É incontestável que a escravidão se adaptou às condições urbanas. Algumas modificações ocorreram no sistema, como a questão do ganho, da flexibilidade de circulação e dos contatos com grupos diferenciados. Entretanto, esses  fatores não desarticularam o sistema, pelo contrário, foram incorporados por ele. Como muito bem esclarece o trabalho de Algranti, o Estado se encarregaria de manter a ordem - na medida em que aumentava a população da cidade, o controle desenvolvido pelo Estado intensificava-se, como resposta à flexibilidade imposta pelos serviços desempenhados pelos escravos, ao empenho dos senhores  em explorar o momento de crescimento não acompanhado pela disponibilidade de mão-de-obra livre, que discriminava determinados serviços consagrados pela ideologia escravista como coisa de escravo (Silva, 2005, p. 37).
Com relação ao escravo, o Estado atraía para a sua responsabilidade a tarefa de controle e manutenção, da ordem interna. Porém, ao observar e comparar a relação da polícia no combate aos turbulentos na cidade do Rio de Janeiro, notamos muita precariedade. Havia sempre um número diminuto de policiais para implementar tal tarefa; as reclamações eram constantes, como veremos mais adiante. Isso denunciava uma face de insuficiência desses órgãos de repressão.

O branco era presença marcante nos serviços não braçais, exceto em atividades de ambulantes, onde o escravo ao ganho era numeroso. Acreditamos ter sido a oferta destas atividades preferencialmente de negros escravos. É comum encontrar relatos que pontuam sua presença na cidade do Rio de Janeiro. O censo de 1872 demonstra que havia um contingente volumoso de pessoas sem profissão definida. Nele, o contingente de libertos era grande, a quem restava uma situação social bastante incômoda. Excetuando o braço escravo, no geral podemos afirmar que a desordem social contava com forte participação do liberto, principalmente do mulato. O livre nacional também aparecia.

As relações de trabalho na cidade do Rio de Janeiro sofreram alterações lentas, pelo confronto de forças oriundas da escravidão dividindo espaço urbano com práticas capitalistas. Pelo lado dos que se libertavam da escravidão, embora tratando do caso paulista, cabe ao Rio de Janeiro a observação do professor Florestan Fernandes:

com os antigos libertos e ex-escravos ocorria que tinha de optar, na quase totalidade, entre a reabsorção no sistema de produção, em condições substancialmente análogas às anteriores, e a degradação de sua situação econômica, incorporando-se à massa  de desocupados e de semiocupados da economia de subsistência do lugar ou de outra região" (Fernandes, 1978, p. 17).
O Rio de Janeiro criava, paulatinamente, um mercado de trabalho marcado por atividades comerciais e industriais, com sua área urbana em franca expansão. A cidade apresentou crescimento e prosperidade muito enérgicas dentro do século XIX, principalmente na sua segunda metade. Tratava-se da capital do Império. O sucesso da cafeicultura no interior da província alimentava e mantinha o crescimento acelerado da capital. Steven Topik diz que, no final do século, essa cidade assistiu a uma transformação três vezes maior que São Paulo, sua rival mais próxima (1991, p. 53). Ele acrescenta que, em 1872, o Rio já tinha superado inclusive a Cidade do México em população. Segundo o autor, um terço do Brasil habitava o Rio de Janeiro, isto porque lideravam populações predominantemente rurais. Na época, apenas 10% dos habitantes viviam em cidades de mais de 20.000 habitantes dentro do Brasil (Merrick e Graham, 1979, p. 232).

Em 1850, uma grande quantidade de habitantes do Rio era estrangeira, a maior parte composta de escravos africanos. Após a Abolição, em 1888, o Rio continuou a manter a maior concentração de estrangeiros residentes no Brasil; de 1890 em diante, a cidade só perdia para São Paulo (Topik, 1991, p. 58).

Quanto à migração interna, a cidade conseguiu atrair um número crescente de pessoas a partir de 1872. Elas representavam um quarto da população carioca em 1890. Em nenhum momento do período tratado aqui a superioridade numérica da população em relação a outras cidades foi causada por uma alta taxa de crescimento natural.

O Rio de Janeiro era uma cidade muito mal afamada como meio de cultura de doenças. Uma viajante francesa, Madame Toussaint chegou a reclamar, em 1883: "as praias da Baía de Guanabara não passam de uma privada infecta, de onde entulhos de todos os tipos podem expelir suas emanações nauseantes" (Mauro, 1980, p. 17; Graham, 1988, p. 42).

Por outro lado, enquanto a população e a cidade se urbanizavam, aumentavam na mesma medida as contradições decorrentes da convivência de práticas capitalistas com as pré-capitalistas. O Rio de Janeiro era um grande centro de redistribuição da produção nacional. Entretanto, quase metade da população da cidade estava fora da economia de mercado. O aumento dos salários, dos preços e do número de habitantes transformou a cidade em pólo de atração para produção regional, abastecida de produtos alimentícios do Rio Grande do Sul, de São Paulo e de Minas Gerais (Lobo, 1978, p. 90). Durante os últimos quarenta anos do Império, a Corte respondeu por mais da metade de todo o comércio exterior (Lobo, 1978, p. 266).

O mercado interno se beneficiou do modelo econômico exportador, de uma população em expansão e do relativo declínio da população escrava. Mircea Boescu estimou que os produtos para consumo interno, que contribuíam em apenas 25% do PIB em 1600 e com 43% em 1700, alcançaram participação de 70% em 1850, chegando a 80% em 1900. O aumento do papel do Rio de Janeiro como mercado e como centro de redistribuição refletia o dinamismo interno da economia. Na década de 1870, o Distrito Federal passou a se responsabilizar por mais de um quarto de todo o comércio entre as províncias do Brasil (Boescu, 1979, p. 16).

Embora o surto do café tenha inspirado o crescimento da economia monetária no século XIX, a manufatura só se disseminou na segunda metade do século. A Guerra do Paraguai estimulou a demanda por produtos nacionais, mas em 1872 o Rio de Janeiro empregava menos de 6% da força de trabalho manufatureira do país. A década de oitenta e o início da de 1890 acabaram por testemunhar um esforço adicional para ampliar a capacidade produtiva da Capital, que chegaria a sediar mais de 300 variedades de estabelecimentos fabris (RioNews, 1893, p. 1).

Simbolicamente o Rio havia sido uma cidade colonial, com ruas estreitas e sujas, de poucos lugares públicos e condições de vida insalubres, e os serviços públicos eram bastante obsoletos. Para alguns historiadores, até o final da década de 1890 o Rio apodrecia dentro da sua carapaça colonial. Por outro lado, como capital, a urbe carioca representava a soma do progresso e dos sonhos nacionais. Não era apenas uma cidade para inglês ver, mas um monumento para o deleite da elite nacional (Browser, 1991, p. 69).

Contudo, sua economia mercantil retratava uma convivência contraditória, fato que se refletia nas formações sociais urgidas, principalmente, no contingente de pessoas desocupadas. A vida econômica de competição existente entre a mão-de-obra disponível (praticas capitalistas) era bastante desigual. Seus efeitos foram gradativamente desastrosos para a continuidade da prática escravista. Elas carcomiam e comprometiam drasticamente a posição do liberto como agente nas relações de trabalho. Este, na medida em que perdia importância privilegiada com a libertação, extinguia também o interesse sobre o seu emprego na produção. A permanência do liberto causava efeitos danosos numa sociedade que se tornava, aos poucos, mais dinâmica e móvel. Na proporção em que isto ocorria, ele era jogado num destino incerto, marginal e excluído.

O liberto restringia-se a modestas oportunidades de trabalho muito menos compensadoras do que os livres e estrangeiros. Quando ocupado, aparecia em serviços de artesanato urbano ou outros trabalhos menores, como de doméstica, de transporte de peixe e de verduras, dentre outros. Portanto, havia degradação do seu trabalho.

O negro liberto e o livre que viviam na marginalidade acabavam se ocupando eventualmente de tarefas residuais do grande sistema econômico da cidade. Embora enfocando São Paulo, podemos aplicar para o Rio de Janeiro a afirmação de Florestan Fernandes: "eliminado para setores residuais daquele sistema, o negro ficou à margem do processo, retirando dela proveitos personalizados, secundários e ocasionais" (1978, p. 29).

Além dessa forma de eliminação, havia a dificuldade imposta pela preferência do trabalho livre, de brancos e estrangeiros, que relegava o recém-egresso da escravidão nas atividades melhores, mais qualificadas, até porque o número de libertos qualificados não era significativo.

A burguesia que aqui floresceu era fortemente reunida no setor comercial, vocação da cidade. O pensamento liberal era propaganda forte nos centros urbanos. Havia uma sinalização de progresso. Os escritos de Domingos José Jaguaribe Filho, dentre outros, confirmavam esta tendência (Mombeig, 1953, p. 27; Morse, 1954, p. 183). Ela é clara pela preferência por um trabalho livre, fundado na iniciativa individual, na preferência pelo emprego de mão-de-obra assalariada, praticada por esse tipo de trabalhador como forma de transformação da cidade. Era também a construção da 'Nação Civilizada', contraposta ao 'atraso do País'. Os negros escravos eram exemplos de irresponsabilidade porque, além de sofrerem uma forma de eliminação do trabalho, eram vistos como pessoas rebeldes. Acrescentamos aí ainda o fato de serem vistos como ociosos, vagabundos, ou na criminalidade. Sobre isto, também se aplica a afirmação de Florestan Fernandes:

Vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória (...) procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita meios para salvar as aparências e a  dignidade de 'homem livre' (Fernandes, 1978, p. 28).
A visão escravista do branco seguidor da corrente liberalizante era de rancor às ocorrências que envolvessem os antigos agentes de trabalho. Mas a sociedade que lembrava castas representava ainda um elemento forte, embora decadente, no cenário do Rio de Janeiro da época. Embarcada nessa transição que envolvia práticas pré-capitalistas e capitalistas de produção, a cidade sofria fortes alterações que marcavam cotidianamente cenas sociais, tornando-a profundamente contraditória e complexa.

Os libertos acabavam constatando que a peregrinação feita do campo para a cidade não provocava a redenção daqueles da raça negra. Pelo contrário, relegava uma grande quantidade deles ao abandono, à busca da sobrevivência com suas próprias forças e recursos.

Florestan Fernandes aponta para o problema da irracionalidade do comportamento do negro e do mulato, em particular. Diz que ele procedia de uma situação humana altamente complexa e, principalmente, que as circunstâncias exteriores converteram essa mesma irracionalidade em fator dinâmico de ajustamento. Assevera que o fundo de toda esta questão era produto da relação com o trabalho livre. Ressaltamos que, para o contratante dos serviços puramente mercantis, o que realmente valia era o rendimento no trabalho, a observância das cláusulas dos contratos e o nível de remuneração desse fator da produção. E esses pontos eram atributos do trabalhador livre que vendia sua força de trabalho. Além do mais, o que adquiria caráter fundamental, no centro das avaliações, era a condição moral da pessoa e sua liberdade de decidir como, quando e onde trabalhar. Em verdade, o que valia e passaria a ser respeitado era o livre arbítrio.

Por outro lado, o estrangeiro não via assim. Ele enxergava o trabalho na terra como um veículo de construção de sua independência ou uma nova vida na nova pátria. Buscava libertar-se e construir seu próprio negócio no futuro. Com o negro e o mulato não ocorria tal coisa. Eles viam o trabalho como um fim em si mesmo. Viam-no como uma comprovação de sua dignidade e liberdade enquanto pessoa. Introduziam-se componentes éticos e morais no contrato de trabalho, que eram desiguais, que desmontavam as relações capitalistas entre patrão-assalariado nas quais envolviam direitos e deveres que privilegiassem princípios do capitalismo para criar espaços de relações patrão-assalariado com envolvimento de obrigações e deveres extraeconômicos. Avaliavam essas relações com a herança dos critérios pré-capitalistas.

Para o imigrante (estrangeiro), tornara-se praxe a repulsa às condições de vida que lhe fossem indecentes. Tais exigências chocavam-se com as deformações que delineavam o perfil dos patrões provocado pelo regime servil. Esse choque acabava expurgando parte dos estrangeiros que habitavam a cidade, forçando-os a cair na desocupação.

Na pretensão do padrão de vida ostentado pelos que estavam empregados sob o regime dessa nova relação, os libertos chegavam ao repúdio de certas tarefas e, às vezes, ao modo de uso de seu tempo e energias. Isso resultava em dificuldades no ajustamento do ex-escravo à nova ordem social associada ao trabalho livre. Aumentavam, assim, as fileiras de pessoas desocupadas na cidade. Acrescentemos aí o fato da existência de um grande número de pessoas sem profissão definida no Rio de Janeiro. Este fator agravava mais ainda a vida daqueles que integravam esse contingente. Por último, o peso da herança cultural da escravidão era também um elemento adverso a esse processo de ajustamento.

Pelo lado do escravo, ocorria o fato de não se enquadrar no novo regime, pois estava marcado pela escravidão, agora vista como trabalho improdutivo, lento e que não se enquadrava nas novas formas de relações de produção capitalistas.

O desabamento paulatino da sociedade senhorial e a elaboração lenta de uma ordem social competitiva ligava-se de forma complexa ao avanço da empresa de café. Embora no Rio de Janeiro esse processo tenha sido lento, encontrando maior resistência na grande fazenda desse produto, gerou um quadro de transformações socioeconômicas no perfil da cidade. Provocou o crescimento demográfico e econômico. Ocorreu tanto no campo quanto na cidade. Houve significativa reintegração da ordem social, não tão rápida quanto em São Paulo, mas significativa. Foi diferente da do açúcar. O café não era uma empresa que se fechava sobre si mesma e surgiu num momento em que as relações de importação e exportação estavam mais avançadas. Gerou revitalização dos setores urbanos.

Com esse produto, as cidades, principalmente as portuárias do Centro-sul, como o Rio de Janeiro, passaram a ser as fronteiras econômicas das fazendas. Elas se tornaram conversoras dos interesses mais declarados dessa prática. Suas bases econômicas não vinham da 'acanhada e vacilante' burguesia (Perrot, 1991, p. 275). Originavam-se dos círculos dos homens de negócios da época, detentores da vida econômica e política, basicamente fazendeiros dos agentes da comercialização do processo exportador. Estes eram os possuidores da estrutura ocupacional, econômica e de poder da cidade, na medida em que cresciam as exportações do produto. Configuravam-se em formadores de uma ordem social que, principalmente em São Paulo, não previa o trabalho do liberto, preferindo outro tipo de braço, como já aludimos. Embora o Rio de Janeiro estivesse fortemente ligado ao braço escravo, essas transformações se processavam em ritmo mais vagaroso.

Apesar do lento processo abolicionista, os elementos oriundos da escravidão, ao chegarem à cidade, chocavam-se com as condições adversas que encontravam. O ambiente era hostil às suas pretensões. Chocava-se com a falta de tolerância, de simpatia reinante e de solidariedade da cidade.

No meio urbano, o liberto passou a ser não o 'fermento explosivo' que poderia abalar a sociedade senhorial, agora com o perfil cafeicultor, mas o elemento de maior preocupação pela condição marginal em que se encontrava. Vivendo fora da regra do conjunto da produção, o liberto sofria com o abandono, em virtude das reduzidas oportunidades de trabalho, levando-se em consideração as regras vigentes na época.

Da desocupação, passava a violar as regras e constituía-se na preocupação cotidiana da polícia na Corte. Na condição marginalizada em que se encontrava, misturava-se a outras formas de 'excluídos', segundo o conceito de Michelle Perrot (Dias, 1972, p. 160). O mais contraditório disso tudo é que sobrevivia nessa condição.

A multiplicidade de comportamentos que cotidianamente praticava demonstrava não só o perfil de 'formações grupais sinagelásticas', como também possuidoras de uma ordem social com cultura própria.

A sociedade tradicional no Rio de Janeiro tinha muito da herança que marcou toda a sua formação. Herança que se espelhava num perfil social caracterizado pelo patriarcalismo, sustentado na prática escravista. Apesar dos abalos sofridos durante o século XIX, o país mantinha muito desse legado, marcado por uma ética católica.

Havia uma forte presença da Igreja e da religiosidade na vida social, principalmente da Corte. Permanecia toda a visão tradicional de mundo propalado pela Igreja, dentro de um conceito hierarquizado e estático de organização de classes. Enfatizava fortemente obrigações recíprocas entre as pessoas, bem mais do que direitos individuais. Esse tipo de sociedade primava pelo compromisso, pela obrigação; servia, sobretudo como dificultador, perdoe-nos o neologismo, da mobilidade social. Salientava no comportamento barreiras à liberdade pessoal e sacramentava a desigualdade social com severidade.

A visão providencial de que os senhores nasceram para serem senhores e os escravos para serem escravos estava fortalecida, inclusive dentro da cidade do Rio de Janeiro. E era defendida por uma significativa camada da sociedade aristocrática da corte. Na província, um número expressivo dela se mantinha preso à escravidão, apresentando-se fortemente contrário ao abolicionismo, deflagrado principalmente na segunda metade do século XIX.

Uma sociedade que nasceu à sombra da cruz do catolicismo ainda guardava muito de suas raízes culturais. A crença na fé justificando o trabalho era uma máxima que não encontrava muito eco na sociedade brasileira do século XIX.

Entretanto, o quadro demonstrava que algumas mudanças estavam em curso. No centro urbano, o número de estrangeiros que controlava o comércio menor, varejista, começava a despontar, trazendo uma nova imagem de relações sociais para a urbis carioca. Demonstrava que a tradicional imagem, em que uma minoria controlava os meios de produção do capital e o poder político e, consequentemente, o status institucionalizado, poderia ruir, na medida em que se multiplicavam as atividades das empresas de pequeno porte na vida da cidade.

A burguesia, considerada a camada social empreendedora em termos de ações e aristocrática nas convicções, dividida entre a etiqueta e o lucro, identificava-se mais com a ordem providencial católica do que com a ética protestante (Echos populares, 1890, p. 11). Diante da miscigenação, comportava-se de forma bastante tolerante. A seus olhos, o controle social da mobilidade passava pelo sistema de clientelismo e de patronagem. Ela não via com temor as populações negras, libertas e livres.

Nessa sociedade os negros estavam segregados, num sistema social de difícil mobilidade. As oportunidades econômicas acabavam sendo pequenas. Estavam excluídos social e economicamente de espaços como a participação política. Sua ascensão social acontecia quando autorizada pela elite senhorial. Este setor social vivia, na cidade, uma dupla vida. Primeiro como escravo, cumpridor de suas obrigações, como propriedade e principalmente como coisa. Segundo, como elemento componente de uma população urbana envolvido no caldo de cultura construído na rua (escravo ao ganho), compunha maltas de capoeiras, grupos eventuais da marginalidade da cidade. Tinha a oportunidade do contato com grupos sociais diversos, principalmente, aqueles compostos de desocupados da cidade em sua parte vagabunda. Esses excluídos somente ofereciam perigo quando se envolviam com esses componentes da marginalidade, pois estavam presos a um sistema econômico que dificultava a liberdade.

Ao liberto, negro ou mulato, além das dificuldades no campo econômico, apresentavam-se as barreiras existentes para posicionarem-se socialmente na cidade. Viviam geralmente na desocupação ou ocupação eventual, sendo objeto da preocupação dos órgãos de repressão.

O livre nacional e o estrangeiro, quando não ocupados no trabalho regular, engordavam essa parte maldita (marginal, feita de excluídos sociais e socioculturais) da cidade, colaborando para construir uma forma cultural específica e especial, da qual trataremos mais adiante.

Entretanto, a nova filosofia e a crítica social, responsáveis pela semente do abolicionismo, e o avanço do uso do trabalho livre, principalmente especializado, preferencialmente imigrante, contribuíram para abalar as estruturas dessa sociedade. Contudo, as mudanças não se apresentaram rapidamente.

No Rio de Janeiro, a vagarosidade da implantação desses avanços e a substituição do trabalho escravo foram marcantes. Conviveram, por muito tempo, hibridamente, escravismo e capitalismo. Na cidade, o clientelismo e a patronagem vigoraram com relativa força até a década de setenta, quando o escravismo toma o segundo golpe do abolicionismo, expresso no avanço das leis de libertação do braço cativo. A segunda metade do século XIX representou um momento fértil de transformações. A cidade apresentava forte vida comercial.

Nesse setor, as diferenças entre patrões e empregados eram atenuadas, pois se tratava de uma atividade que, majoritariamente, ainda não separava com nitidez as pessoas do capital e do trabalho, embora correspondesse também a uma relação promotora de acumulação primitiva de capital. Por sua vez, a relação do patronato era clara.

O trabalho na cidade apresentava-se por demais extenuante, a exploração da mão-de-obra relegava a população ocupada a uma vida de sofrimentos; vivia-se numa relação de produção que levava ao esgotamento físico; no jornal do Club Protetor dos Chapeleiros, está registrado o "demasiado o sofrimento desta classe, (...) rodeada de diversas moléstias, (...) trabalhar ao pé de grandes maquinismos a vapor, em espaço acanhadíssimo, sem nenhuma entrada para o ar e mesmo sem luz do dia" (Echos Populares, 1890, p. 11).

Explorava-se tanto que, por exemplo, nas alfaiatarias não se pagava salário durante a fase de aprendizagem, havendo casos que os aprendizes pagavam aos mestres para conhecerem o ofício. Trabalhavam em péssimas condições: aninhados no chão, usavam seus joelhos como mesa, comiam somente quando os mestres anunciavam que podiam. Era comum muitos deles acabarem tuberculosos. As costureiras, cerzideiras, bordadeiras, tinham jornada de trabalho que começava às 8 horas e terminava às 19, quando a proprietária do ateliê não prorrogava para 22 horas, sempre pelo mesmo salário (Rodrigues, 1979, p. 103).

Havia uma desarticulação da pequena agricultura para o mercado interno, provocada pela expansão da agricultura de exportação na província do Rio de Janeiro. Sebastião Ferreira Soares apontava para esse fato num trabalho pioneiro sobre a produção agrícola e a carestia dos gêneros alimentícios no Império, o que tornava a vida mais difícil, principalmente para aqueles que viviam na desocupação:

Os braços, que até certa época se empregavam promiscuamente na cultura de gêneros exportáveis e nos de mais comum alimentação, têm sido nos últimos tempos ocupados exclusivamente na grande lavoura, desprezando-se a pequena agricultura por menos lucrativa, como seja a do feijão, milho, mandioca  etc. (Soares, 1977, p. 17).
Na capital do Império havia um controle direto da produção pelo capital comercial, que fazia do grande fazendeiro o intermediário desse processo. E, sendo ele o setor dominante, promotor do  clientelismo e da patronagem, delineava um quadro social da cidade a seu feitio e interesse. O mais urbano acabava sendo uma extensão do campo. Um setor da grande estrutura agrária que, realizador da produção em níveis comerciais, viabilizava seu escoamento, atendendo a seus interesses.
O sistema era uma caricatura do capitalismo manufatureiro, ao qual faltava o essencial - uma classe operária. Pois esta se reproduzia e, ao reproduzir, reproduzia também o sistema (Singer, 1988, p. 46).
O modelo colonial traduzido no perfil urbano de uma cidade atrelada ao campo começaria a ruir dentro do período que tratamos. A burguesia existia como exterioridade da comercialização em relação à produção. Ela se mostrava estranha às cidades. Por sua vez, a cidade era a representação da hegemonia do campo produtor. As mudanças já citadas, ocorridas no processo de urbanização, respondem por isso. Tal fenômeno de transformação iniciara-se com a vinda da Corte para o Brasil, quando se revogou a proibição de manufaturas no país, acrescida dos acordos com a Inglaterra e a instalação da máquina burocrática do Estado português. Foi o momento da gênese de criação das condições para apropriação do espaço urbano na Corte pelo capital comercial. Dessa época em diante transformaram-se as práticas de produção, num jogo de resistência e avanço de forças transformadoras que, embora gradual, abriu espaço para a construção do problema que ora apresentamos.

3. Sociedade Paralela - A Ordem do Diferente e/ou O anverso da ordem?

A cidade do Rio de Janeiro sofreu diversas transformações durante a segunda metade do século XIX, ligadas basicamente a dois fatores: a crise da cafeicultura fluminense e a explosão demográfica (Schmith, 1990, p. 261). No que tange ao espaço e, principalmente, ao problema da moradia, as mudanças também foram significativas. Um grande número de fazendeiros e comerciantes deslocou-se para confortáveis solares localizados na parte ocidental da cidade, abandonando, assim, o centro comercial.

Este, contudo, continuou a abrigar os antigos casarões, que foram subdivididos em pequenos recintos e passaram a ser alugados pelos aristrocratas. Eram as casas de cômodos e/ou estalagens, alugadas para os aristocratas ou instituições filantrópicas (Gomes; Ferreira, 1987, p. 11; Carvalho, 1987, p.16). Situavam-se nas freguesias conhecidas como Sacramento, Candelária, São José e Santa Rita.

Além desses espaços, ocupados por pessoas consideradas de baixa renda, a cidade contava com casebres e cortiços. Verdadeiros esconderijos que surgiram sob a forma de toscas habitações, construídos com restos de madeira e caixotes, antes utilizados para embalagem e transporte de banha, bacalhau e outros gêneros. Entre a população urbana marginal que denominamos excluídos sociais (Perrot, 1991, p. 275; Forrester, 1997) concentrada nessas moradias improvisadas, encontrava-se todo tipo de pessoas, inclusive turbulentos e capoeiras (Carvalho, 1987, p. 15).

A historiografia contemporânea pouco privilegia aqueles que permaneceram à margem dos setores produtivos da sociedade. Jean Claude Schmith, que admite se sentir limitado quando procura abraçar em suas análises a totalidade social, sugere-nos a necessidade de um olhar que se estenda ao objeto através de suas franjas, como fala o marxismo. Uma história invertida, assim recomendada por ser reveladora de múltiplos pontos de observação, deve espelhar a crise de consciência da sociedade em que se inscreve e levar em conta igualmente seus problemas materiais.

Verificar a problemática do excluído social pelas formas de reprodução da ordem gera a necessidade do estudo de questões como as formas de exploração e dominação de uma determinada sociedade. Observar quantitativamente o número de pessoas é apenas o primeiro passo. Há que se verificar a amplitude das injustiças sociais que são inerentes ao próprio funcionamento da sociedade.

O professor Bronislaw Geremek apresentou dois planos de realidades sociais para abordar a problemática do excluído social: socioculturais e socioeconômicas (Geremek, 1976, p. 34). Elas ocorrem quando um indivíduo ou mesmo um grupo, podendo participar de um determinado conjunto de relações de produção, coloca-se na condição de excluído da hierarquia de valores dessa sociedade. Pela recusa, afasta-se também do referencial que a ordena, razão pela qual acaba assumindo a condição de excluído social. Nesse caso, ela pode codificar as passagens da cidadania plena para a marginal e desta para a de excluído, estabelecendo para isso até mesmo o ritual de tal mudança.

Geremek levanta ainda a hipótese de que nem toda marginalidade pode ser considerada vil, já que existiram algumas positivas. No caso brasileiro, por exemplo, os vínculos de dependência entre a população oriunda da escravidão, fossem eles libertos ou mesmo escravos, eram muito fortes e geravam ligações perigosas tanto para dominadores como para dominados. No Segundo Reinado, o declínio paulatino da escravidão garantiu novas formas de relações que, como é sabido, lembravam as antigas. Os escravos ao ganho mantinham acentuada dependência no interior do espaço urbano. O mesmo ocorria com o liberto e até com o brasileiro livre.

Michelle Perrot fala de uma camada de pessoas excluídas socialmente pelo analfabetismo. As formas de tratamento que a sociedade lhes impõe, negando-lhes a palavra, não promovem sua destruição. Outro elemento do elenco de ingredientes do excluído social é a "vergonha social" (Perrot, 1991, p. 238). Tais pessoas acabavam vivendo em grupos, constituindo os denominados "bandos de companheiros" (Perrot, 1991, p. 315).

Maria Helena P. T. Machado defende a existência de uma camada de trabalhadores informais e flutuantes na cidade de São Paulo entre 1890 a 1914. Registra que o aumento demográfico e o desenvolvimento econômico possibilitaram o aparecimento de tais tipos de trabalhadores casuais, apresentando, como consequência: "o inchaço do setor informal da economia, o crescimento desmesurado de formas múltiplas de trabalho temporário, do subemprego e do emprego flutuante" (Machado, 1984, p. II). Ela afirma ainda que esse grupo, em sua luta diária para sobreviver, desenvolvia uma "experiência cumulativa de improvisação" que o fazia mudar "quotidianamente de ofício" (Machado, 1984, p. 111). Contudo, sua abordagem privilegia São Paulo de 1890 até 1914, período posterior ao que analisamos.

O professor Thomas H. Holloway trata da relação polícia versus resistência à repressão. Apresenta quadros estatísticos onde são claros os volumes de prisões efetuadas (Holloway, 1997). Entretanto, não se preocupa em verificar os mesmos dados numa tabela mais sequencial, em que os intervalos de tempo são menores. Ele não trata da corporificação do grupismo, que vai apresentando características de um ganho de autonomia cada vez maior, visto hoje como corpos socioculturais autônomos (Katz, 2003), que pontuamos aqui e que tem sido por nós denominado sociedade paralela: o anverso da ordem. Holloway observa apenas a instituição policial e seus problemas. Em nossa pesquisa investigamo-la com uma lente ampliadora dos problemas menores e muitas vezes ocultos no underground de suas ações e relações, porquanto nos ajuda a conhecer melhor o marginal, o excluído sociocultural.

Quando trata das fronteiras internas da marginalidade, ou da excludência, Jean Claude Schmith considera que seus espaços são fragmentados, que não há economia de mercado eficiente, corporificada e unificadora de todo o universo conhecido. Porém, não se pode descartar a existência de sinais avassaladores de uma forma de anverso sociocultural em toda a sua existência.

Contudo, demonstra que as direções apontadas revelam vários espaços justapostos e imbricados. Isso porque as pessoas que habitam os corpos da sociedade paralela atuam por seu livre arbítrio, "avançando ou recuando sucessivamente ao sabor da extensão de suas culturas" (Schmith, 1999, p. 268).

Muitos dessa população caíram na condição de excluídos socioculturais pela prática da mendicância, da vagabundagem e da criminalidade, com seus espíritos atormentados, provocando todo um conjunto de comportamentos defensivos e de rejeição por parte da sociedade tradicional. É nesse quadro que se insere nossa observação. Aqui nossa preocupação é verificar a inabilidade dos responsáveis pela elaboração das leis no país, ler ações, a organização e os movimentos da marginalidade que chamamos de sociedade paralela e do excluído social. Constituíam um mundo social extra.

A sociedade paralela é aquela ordenada diferentemente da que vive sob a égide da lei. Configura-se num anverso da ordem. Uma sociedade que, segundo Jean Claude Schmith, à luz dos dominantes "se define negativamente (...) gente sem senhor, inútil ao mundo" (Schmith, 1999, p. 263), mas que, ao simples exame do espaço da marginalidade e/ou excludência, revela-se corporificada em um tecido sociocultural paralelo com uma teia de relações impenetráveis. Trata-se do marginal que, durante a construção de minha tese, Corpo e alma dos capoeiras, revelou-se consciente e contestatório, com formas variadas de comportamento, marcado por ser um excluído, violador das regras e violento nos atos, em que, tomado de consciência e tomado de palavras ganhou categoria distinta e nova.

Agora trataremos da relação do marginal, do excluído social e da lei na época em questão. A palavra marginal é aqui empregada em função do espaço de complexidade existente na sociedade, no momento em que o indivíduo se encontra preso a uma suposta situação de convívio não organizado, ou aparentemente desorganizado ou fora da ordem, como um corpo autônomo sociocultural. Seu universo configura-se como um mundo diferente, que se justifica pela visão paradigmática de um mundo ordenado e regido por normas que determinam atitudes e comportamentos dos seus grupos ou corpos sociais.

Quando as determinações e exigências estabelecidas não atendem mais às expectativas de uma sociedade como um todo, a tendência é haver rompimento das estruturas sustentadoras dos corpos sociais ou até de determinado grupismo. Um exemplo é o paulatino avanço das práticas capitalistas sobre as escravistas no Brasil, que inviabilizou e superou um modo de vida social. É que, ao longo do Segundo Reinado, muitas atividades, antes oriundas da escravidão, vagarosamente começaram a perder a razão de ser frente ao novo processo de produção que se estabelecia.

Embora lento, o (re)ordenamento de profissões e seus ocupantes, acompanhado de seu reajustamento, deu-se ao longo das novas exigências da vida econômica. Grande quantidade de pessoas foi excluída, relegada a trabalhos eventuais, e outras tantas ficaram sem nenhum. Uns em vida miserável como excluídos sociais, outros ocasionalmente nela. Nesse contingente encontravam-se escravos, libertos, livres, tanto nacionais quanto estrangeiros. Sabemos que, com a evolução da humanidade e seu crescimento em nível tecnológico, cultural, moral, sempre surgem necessidades cada vez mais difíceis de serem atendidas, pois é patente que toda a produção de bens, tanto materiais quanto culturais, dificilmente está disponível para toda a sociedade em seu sentido amplo. O capitalismo é excludente, e sempre o foi. Como apenas uma pequena parcela da sociedade se beneficia desses bens, a grande maioria caminha a passos largos para uma existência de exclusão, tanto social quanto sociocultural.

Pensar a situação da cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, em específico a vida marginal ou a excludência, leva a considerar que uma enorme parcela de seus habitantes não tinha acesso a vantagens econômicas e educacionais, o que contribuía para uma crescente dificuldade na apropriação de bens culturais produzidos pela própria cidade.

Uma vez que o amparo e aconchego das letras lhes era negado por várias razões, que possibilidades teriam essas pessoas ou mesmo seus grupos sociais de avançar na leitura de suas vidas e do mundo que os cercava (Silva, 1987, p. 2; Bastos, 1987, p. 43)? Que novos espaços lhes eram reservados e a partir de que condições? Essas populações empobrecidas, vivendo na mais absoluta condição de miséria, buscavam uma saída nos espaços alternativos da subvida no underground em que se encontravam. Nesses ambientes, auto-organizavam-se, criando formas de convivência semelhantes aos bandos, transformando-se em verdadeiros corpos socioculturais que, de tão organizados, chegam hoje a levantar suposições de constituírem verdadeiros Estados paralelos[5], o que também defendemos.

A marginalidade e/ou excludência carioca alicerçava-se em uma especial e verdadeira tríade causal, cujo primeiro elemento era a violação. O segundo era a violência e o terceiro era a condição de excluído. Como fenômeno sociopolítico, a dita marginalidade ocorre quando um determinado papel social é considerado pelo grupo dominante como dispensável e indesejável ao seu status social padrão. Nessas circunstâncias, o exercício da autoridade, o espaço social e as possibilidades de aquisição de bens simbólicos institucionalizados tornam-se restritos pelos mecanismos de controle social. Aí, em consequência, o agente excluído objetiva sua participação em espaços sociais alternativos, num diálogo de confrontos e acordos sempre informais, dinamizados por dispositivos que envolvem sempre um jogo de reação & resistências.

Não custa lembrar que, oportunamente, o professor Petrus Maria Vlasman fala do conceito de marginal dizendo que não parte de análises quantitativas. Não se refere ao contexto sócio-econômico-cultural em que a maioria de um determinado povo vive, vive como anverso, que configura um conceito ideológico de normalidade (norma), definida por classes hegemônicas de formadores de opinião que estabelecem o nível esperado em termos de qualidade de vida, extraída dos parâmetros de sua própria vida, que passa a ser modelo. O autor registra que o mesmo processo de conceituação acontece com o vocábulo desenvolvimento, definido a partir dos padrões daqueles que se consideram desenvolvidos. Ele observa ainda que a marginalidade é vista como uma situação-problema de indivíduos e pode ser resumida na expressão "pobreza, com suas sequelas lógicas de ignorância, apatia, doença, baixa renda, desemprego ou subemprego, etc." (Vlasman, 1993; Azevedo, 1940).

Assim sendo, marginal e/ou excluído é todo aquele que desobedece às normas de uma sociedade pela qual termina sendo abandonado, pois não se enquadra nas regras determinadas pelo grupo hegemônico. Todavia, a marginalidade passa a ser uma situação-problema de indivíduos que nem sempre se encontram reduzidos à condição de pobreza. Ela se identifica basicamente com aqueles indivíduos que não cumprem as normas da sociedade. Portanto, nem todo pobre é marginal e nem todo marginal é pobre. O escravo, mesmo sendo uma mercadoria à luz da lei, colocava-se em condição marginal quando burlava as normas de conduta estipuladas pela sociedade.

Lembramos também que, na década de 1970, Aníbal Quijano refletiu sobre a questão ao tentar explicar o processo de urbanização nos países latino-americanos. Para ele, a marginalidade é "uma forma particular de integração dos indivíduos numa estrutura mais ampla" (Quijano, 1978, p. 61). Não se trata de uma situação de mera exclusão na sociedade, mas de um modo específico de integração, algo inerente ao sistema. Contudo, ele se depara com dificuldades ao definir a forma de participação do então denominado marginal na sociedade. Seria, talvez, uma não percebida participação não participativa?

A obra de Lúcio Kowarick postula que uma maneira não básica de participação sempre pressupõe a existência de outra básica; é mais próxima do que desejamos aqui. É atribuída a Quijano uma posição conhecida como neodualismo, que se trata de uma nova configuração do dualismo, já que incute a ideia de pólos opostos, como o marginal e o não marginal. Kowarick acredita ser esta "uma forma maniqueísta de dimensionar a questão, como sugerem os antigos argumentos entre a rigidez do bem e do mal" (Kowarick, 1975). Tudo nos parece simples demais, esconde sua real complexidade, apaga o brilho de sua complexidade e dinâmica, reduz tudo a um jogo conhecido da dialética. Não acreditamos que seja somente assim.

Não se pode negar que a noção de participação ganhou certo número de elementos à medida que deixou de ter autonomia e se isolou do conjunto das relações sociais, articulando-se com uma abordagem que observa as formas de inserção dos indivíduos na sociedade. Contudo, as discussões sobre o tema não param por aí.

O professor Luís Pereira, estudioso dessa questão, envolve os tipos de participação ligados à prática do marginalismo, revela tendências ao excluir as pessoas que não são ou não estão preparadas no sistema capitalista, principalmente, nas formações sociais. Pessoas que, geralmente, são habitantes da chamada periferia dos centros urbanos, pessoas que geralmente sobrevivem à margem da vida urbana legalmente constituída.

No Segundo Reinado no Brasil, o país passava por uma transição do regime de trabalho escravista para outro, marcado pelo assalariamento pleno da mão-de-obra, o que configura uma passagem latente ao capitalismo pleno, e não ao híbrido modelo de que nos ocupamos aqui (Pereira, 1971; Alencastro, 1988, p. 30).

Durante essa passagem, as regras de comportamento social acabaram por sofrer profundas mudanças. Segundo Pereira, havia sido extinto o banimento do meio social sofrido pelo escravo, mas sua participação nas formações sociais tradicionais gerou processo de participação que chamou de participação-exclusão. Isso não configura uma nova maneira de denominar a existência avessa e/ou anverso do ex-escravo na sociedade como lateralizado a ela? Esse conceito é mais próximo do entendimento que encaminhamos pela referida tese, porquanto permite que se suponha que a sociedade urbana determine este fenômeno, principalmente no quadro das formações capitalistas ou mesmo pré-capitalistas, ou até mesmo do chamado capitalismo tardio, extemporâneo.

Para a professora Marialice M. Foracchi concorda com as ideias apresentadas por Luis Pereira (Foracchi, mimeo). Inclusive as aproveita, avança chegando a superar algumas limitações do autor. Ele também incorpora a categoria da dominação como determinadora das investigações sobre a marginalidade ou talvez a lateralidade social. Associa a noção de participação-exclusão ao universo das representações simbólicas, justamente entendida como internalização das condições objetivas. Essa é a forma que a autora usa para articular o vínculo entre a estrutura de dominação e a situação marginal e/ou exclusão sociocultural. Tal vínculo pode ser reconstituído através dos discursos dos próprios agentes, ou por meio dos relatos de terceiros, mas não podemos esquecer que são apenas relatos de terceiros, eivados de imaginações construídas através de impressões extraídas das imagens que acabam por possuir uma certa carga ou sombra do engano. Continuar pesquisando é necessário! Assim, a despeito do que apresentamos aqui, procuramos observar a questão histórica do universo marginal usando o discurso pinçado de matérias jornalísticas, mas já sabíamos quais riscos corríamos. As crônicas e os registros policiais estavam, como estão, carregados de um localismo não ainda global, ou seja, naquele tempo ainda não se cogitavam coisas como localismo global versus globalismo local a que a professora Luiza Cortezão (2003) modernamente se referiu.

Expressas na exclusão dos agentes, as contradições objetivas surgem como um tipo de participação específica enquanto excluído, cujo sentido real não é captado pelos agentes, sem, contudo, passar-lhes despercebido. Quer dizer com isso que o excluído se coloca fora do processo de desenvolvimento social e ao mesmo tempo dele participa, sempre lateralmente, mesmo negando esse tipo de atuação. A verdade é que esse comportamento também se constitui em uma forma de participação. Ao portar-se assim, o marginal acaba optando por alternativa de vida com regras próprias e surpreendentemente novas, havendo inclusive entre eles uma maneira igualmente nova de disputar e ocupar espaços - até mesmo físicos e geográficos - nos centros urbanos. Tal verificação é importante, trata do universo de interesse deste trabalho.

A violação daí oriunda é uma questão relativa ao fenômeno da territorialidade, ou seja, da disputa pela ocupação do espaço urbano entre habitantes que convivem nesse mesmo ambiente. Assim é possível explicar fenômenos como o comportamentalismo dos capoeiras e dos turbulentos.

Negar as regras é uma forma contraculturalista de participar! Por essa ótica, o universo social paralelo acaba sendo o exemplo da sociedade alternativa pela negação. Mas não era vista assim até bem pouco tempo. Ela, na verdade, constitui outra forma de vida social. Maria Célia P. M. Paoli (1974) desenvolveu um ponto de vista semelhante ao que se propõe aqui, porém restrito à contemporaneidade. Não há qualquer incursão da autora no tempo histórico de que nos ocupamos.

Segundo a pesquisadora, a participação-exclusão designa a condição que os corpos socioculturais possuem em relação à produção capitalista periférica e à estrutura de distribuição dada, revelada simbolicamente na produção de um modus vivendi específico, particular, marcado pela condição de excluído. Ora, sabe-se que essa condição gera um tipo especial de participação que merece atenção. Assim, o comportamento do marginal em sua sociedade será sempre alternativo ao oficial, embora de escolha infeliz, miserável ou mesmo ausente das chamadas opções de vida formal. Qualquer que seja o comportamento daquele componente em seu ambiente, estará sempre nas proximidades da ilicitude, praticando coisas como a ilegalidade.

É inegável a discussão existente sobre a questão causal da acumulação capitalista. Ela reúne e combina formas desiguais de produção e, consequentemente, relações diferenciadas de produção, o que é indiscutível e óbvio. Defendido este ponto por Lúcio Kowarick e outros, verifica-se que a questão não termina por aí. Dentro do quadro da marginalidade há variações que são motivo de preocupação. Não se trata somente da questão apresentada, não obstante seja ela a que mais aflora no âmbito das formações sociais.

Sem dúvida, é correto o ponto de vista de Lúcio Kovarick, guardados os possíveis erros, enganos e exageros. Contudo, aprofundando as observações, verificam-se outros aspectos. Um deles é a característica de negação no comportamento do marginal, que acaba promovendo uma sociedade diferente da convencional. O conjunto de comportamentos denomina a sociedade paralela como organização diferencial e autônoma. Apresenta-se com regras específicas, um tipo variante de poder, daí a suposição da existência até de um Estado paralelo, e tal situação-problema passa a conviver como paralela à vida da cidade institucional, e ambas se fazem vasos-comunicantes quando os setores de repressão ou mesmo de correção, nem sempre de educação, tentam reintegrá-la, devolvê-la ao seio da vida que se acredita correta. Onde então se está errando? Trata-se de uma comunicação muitas vezes geradora de choques e até de conflitos, pela incoerência dos métodos usados e por que penetra no desconhecido universo cultural quase sempre sem o saber, inclusive do próprio corpo e/ou grupo, provocando sempre uma plêiade de divergências não raro repletas de polêmicas.

O contato entre a polícia e o excluído sociocultural quase sempre se caracteriza pela violação de alguma norma descumprida no todo social. A presença da polícia gera a imposição do poder por razões óbvias, através da violência das armas e, às vezes, pela absoluta ausência de diálogo. Daí a impenetrabilidade de universos compactos de ambos os lados. Isso suscita um certo tipo de respeito/medo, traduzido pela prudência no trato.

Tal retrato está na forma policial surgida no Brasil durante a segunda metade do século XIX, conhecida como polícia científica, ao exemplo da escola europeia, mais uma forma de mímese, identificando no crime uma certa inteligência que precisaria ser entendida para ser combatida com a eficiência devida. Nesse quadro, o marginal que se observa não é mais um simples arruaceiro. No mundo do crime, ele tem outras qualificações que o tornam aprimorado na prática criminosa.

No tocante à relação do marginal com o crime, podemos dizer que se trata da condição de o agente ser veículo do ato criminoso. Neste sentido, o crime praticado confere a seu autor a condição que ostenta. Ou seja, um justifica o outro! Nessa relação, evidencia-se a necessidade de verificar a condição do poder. Um poder que, aos olhos dos criminosos, é percebido como algo cristalizado! É difícil, para eles, avaliar que a potência oposta no crime se mantém através de uma capacidade realimentadora, que explica o mecanismo de reforço, isto é, da "necessidade de se justificar sempre com mais um crime" (Hobsbawn, 1976, p. 128).

Há um componente em tudo isso que não se pode deixar de registrar: a urgência em manter-se poderoso, e tanto pode situar-se através da intelligentsia como, mais frequentemente, da força física. O fato de planejar é sempre um sinal de grande liderança, porquanto cria a estratégia e também a tática. Na hierarquia, fica reservada para outros a tarefa da execução. Surge então uma escala de valores que é garantida pela liderança e pelas forças estratégicas, concentradoras e distribuidoras.

Reiteramos que há formas hierárquicas de potência nos corpos marginalizados. Lúcio Kovarick apresenta a questão afirmando que os grupos marginais são conceituados a partir das exigências de acumulação do capital, segundo uma forma peculiar de inserção na divisão social do trabalho. Desse ângulo, os estudos do exército industrial de reserva e do custo de reprodução da força de trabalho são questões da maior relevância. Procuram mostrar que a marginalidade nasce de contradições básicas e essenciais, não se tratando apenas de desajuste entre as partes constituídas da sociedade. Tal posição não é descartável! Entretanto, existem aspectos que devem ser observados, além dos que são mencionados por Kovarick,  pois ele trata de uma sociedade industrial, que não é o nosso caso.

Fernando Henrique Cardoso traz a questão da participação a partir de uma análise crítica das conotações da ideia da participação enquanto consenso, recolocando a questão num contexto de dominação. Coloca os marginais como beneficiários de parte dos frutos da sociedade, embora sob um modelo distinto de vida. Não se está vendo um tipo de participação engajada na concepção de um Estado oposto ao de marginalidade, impossível do ponto de vista das contradições do sistema capitalista. Mas as variáveis sociais oferecidas pelo comportamento marginal situam-se fora da norma.

Nesse caso, permite-nos crer no fato de haver um Estado oposto mas também paralelo ao da sociedade tradicional, no que tange aos comportamentos, configurando o anverso. Cardoso afirma ainda que, para que a ideia de participação não se limitasse a uma vaga afirmação valorativa, dever-se-ia indicar que grupos, aqui tratados como corpos, mas talvez setores, ou ainda mais comportadamente classes, são capazes, num dado momento, mobilizar e organizar os espaços socialmente dominados para que estes tratem de obter seus objetivos sociais (Cardoso, 1972, p. 84). Manoel I. Berlinck parte de outro pressuposto, "o de que não existe marginalidade, mas sim pobreza, engendrada e mantida pelo sistema econômico" (Berlinck, 1977, p. 11).

Ao tentar demonstrar a inexistência empírica da marginalidade social, o autor buscou identificar algumas organizações sociais concretas que permitem a sobrevivência e adaptação do setor marginal, demonstrando que tais entidades não são qualitativamente diferentes das existentes no setor integrado da sociedade paulista. Contudo, trata-se de um caso alheio à cidade do Rio de Janeiro, embora do mesmo país e da mesma época pesquisada. Sabemos da existência de vasos comunicantes entre esses supostos dois mundos. Eles não se distinguem estruturalmente, mas sim na sua dinâmica.

Além disso, verificamos a questão por outros aspectos, inclusive observando o quadro complexo do conjunto de componentes da prática marginal, dos corpos socioculturais autônomos que habitam o ambiente no caso dos excluídos socioeconômicos. Berlinck não deixa de ter suas razões quando apresenta causas econômicas para a pobreza, pois elas de fato existem, porém se constituem num dos caminhos para a marginalidade e a condição de excluído social. Sabe-se que não são somente as únicas responsáveis absolutas e diretas pelo surgimento da exclusão e do crime em seu universo. Talvez o sejam por trazerem o problema para a superfície do tecido social, tornando-o emergente e, portanto, a clamar providências urgentes e decisivas.

4. O mundo das regras (legislação): os avanços e conquistas na construção das leis do século XIX ao século da esperança (considerações preliminares)

Antes de observarmos lei e crime no Rio de Janeiro de 1850 até 1891, tocaremos no que consideramos a mais importante questão de comparações do nosso país frente ao quadro internacional da época. Enquanto a Europa florescia e avançava em ideias e novas propostas dentro do campo jurídico, aqui se caminhava com grandes dificuldades nessa área, porque o que se propunha em termos de legislação criminal estava muito avançado para nossa realidade, porque tudo estava ancorado na prática histórica da mímese que praticávamos e que ainda habita nossos costumes. Sabemos que a lei sempre expressa o desejo de uma sociedade e acaba constantemente obsoleta, porque nem sempre atinge a todos, devido a vários fatores, inclusive a multiplicidade de comportamentos praticados nos vários segmentos sociais.

Dentre esses fatores, estão: o rápido processo de mudança das relações sociais, principalmente nos centros urbanos e a forte distância existente entre o desejo e a realidade das várias práticas de vida. Dentre todos os componentes que contribuíam para isso, estava a convivência híbrida dessas práticas socioeconômicas da época. Elas exigem sempre uma abordagem complexa, uma vez que sua composição, marcada pelo hibridismo, também se traduz pela possibilidade de conter o choque de trabalho e trabalhadores claramente definidos. Sabemos que muitos que se envolviam em ocorrências policiais possuíam profissões e muitas vezes eram trabalhadores regulares.

Na segunda metade do século XIX, por um lado, o escravismo era combatido e entrava em uma verdadeira decadência como forma dominante de trabalho, levando ao fracasso paulatino seu conjunto de relações sociais; por outro, paralelamente, surgia um tipo especial de capitalismo (que denominamos tardio) que, de início, não se configurou plenamente como uma forma dominante de modo de produção, permitindo que se visse o período que tratamos como abrigo de um processo de transição no que se relaciona ao campo do trabalho, em que as mudanças vieram bastante imbricadas, sugerindo-nos classificação cuidadosa na construção de um categorial sistêmico.

O tema relativo à lei e aos ditos marginais e/ou criminosos no período que observamos é bastante distinto e, se insere em um especial quadro de transformações.

Para a cidade do Rio de Janeiro convergiam todos os problemas do Império. O Rio, por ser capital, capitalizava os recursos e também as decisões dos problemas. Tinha um governo que cultivava uma certa estatolatria (Silva, 1991, p. 26), pois a construção do Estado nacional teve participação direta das classes dominantes. Mesmo em seu processo de elaboração, as discussões ficavam restritas a essas elites dominantes que capturavam o poder, através do controle dos mecanismos de funcionamento do Estado. Nessa estatolatria, havia a possibilidade de viabilizar a tortura como meio de obter a confissão dos presos. Embora saibamos, não é inoportuno lembrar, que isso findara na Europa no século XVIII, com o término da Revolução Francesa, possuidora de processo diferente do nosso no que concerne à construção do seu Estado nacional. Lá todas as classes apareciam apresentando uma forma de organização participativa. Aqui, tal comportamento servia para a manutenção do status quo da classe dominante. Esse quadro contribuía para uma situação que possibilitava o aparecimento de elementos que explicaremos posteriormente.

A Europa, em termos de jurisdição, teve em Beccaria, durante o século XVII, um homem que levantou questões polêmicas e novas. Falou sobre a entrada da Justiça no campo da ciência (Silva, 1991). Carrara já falava da necessidade de estabelecer o princípio da razão para as normas penais (Silva, 1991, p. 18). Começava-se a construir, com ele, o delito como ente jurídico, com validade geral das normas penais, independentemente da personalidade dos indivíduos singulares, com a técnica da grande divisão entre imputáveis e inimputáveis. Fazia-se a correlação entre o delito e a pena. Assim, a justiça, na Europa do século XIX, ficava profundamente marcada pela razão. Havia grande valorização do homem. Discutia-se, no Velho Continente, questões modernas e fortemente explosivas. O cenário europeu era palco de figuras como Enrico Ferri, homem importante que, embora não tenha sido contra os direitos humanos, insurgia-se contra o que chamou de excessos irracionais do individualismo, capazes de sacrificar as legítimas garantias da sociedade frente ao delito e a quem o praticava ao apresentar sua repulsa à prática da estatolatria.

Pessoas como Euzébio Gómez, da Escola Positivista, cuja proposta influenciava muito a época, contribuíram para solucionar a problemática da Justiça com propostas como: individualização da pena, da periculosidade e da medida de segurança, esta sem preocupação punitiva, mas tendo por fim a prevenção do crime e especialmente da reincidência. Nesse particular, mais importante que o ato incriminador era o exame da personalidade do seu autor. Tratava-se da protodefesa social. Abria-se, assim, o caminho para a aproximação entre os juristas e os criminólogos, o que se efetuaria em 1889 (Silva, 1991, p. 18) - nos estertores da delimitação de tempo do presente trabalho - com a produção de um código criminal e processual avançadíssimo para o tipo de sociedade que tínhamos.

Havia choques e contradições variadas. O elemento criminoso quase sempre era escravo ou oriundo da escravidão; poucos eram livres. Tais elementos faziam parte de uma sociedade subterrânea, do underground, formada por excluídos sociais que se tornariam, na pós-escravidão, excluídos socioculturais, uma vez que configurariam como corpos sociais autônomos que se caracterizavam por tomar parte de uma sociedade paralela cuja ordem era não só diferente, mas passaria a representar uma alternativa de vida para os que não se enquadravam na ordem oficial da época.

No caso específico do escravo encontramos importantes contradições. Por exemplo: era tratado como mercadoria, mas mesmo assim podia ser julgado como se fosse um cidadão errante, outra confusão dos que interpretavam a lei, passando a ser visto como tal quando criminalizador. Como se fazia essa transferência jurídica? O que podemos dizer? É bastante complexo! O escravo não era escravo quando praticava um ilícito, ou mesmo um ato crime. Ele acabava sendo transformado rapidamente em ser humano. Era visto como um elemento participante da sociedade que estava perdendo, ironicamente, seus fabulosos direitos adquiridos. Adquiridos? Como se os tivesse enquanto era escravo...

O escravo, dizem os marxistas, sempre que visto sob a luz do sistema, deve ser classificado como mera categoria de trabalho compulsório; entretanto, ao ser vendido ou comprado, sua figura jurídica ganha atribuição de condição de ser uma mera mercadoria, um elemento coisificado. Reduzido a tipificação. Assim, a condição de cidadão a que aludimos era uma espécie de terceira figura atribuída a ele no Brasil. Note o grau de complexidade que ele adquiria: tal e qual repleto de vulgaridades, condenado, reduzido a uma condição de total destituição de direitos, os quais nunca teve e nunca teria dentro desta condição!

É realmente complexo! O Direito, dentro do século XIX, avançava a passos largos na Europa. Eram notáveis as discussões de grandes questões, como a preocupação em aprofundar o que hoje chamamos Nova Defesa Social, que é a expressão moderna da conquista da Revolução Francesa e da antevisão de Beccaria (Höffe, 1991). Escrevia ele:

o movimento moderno de política criminal de defesa social nasceu de uma reafirmação dos direitos do homem, da dignidade do ser humano e de sua proteção efetiva na comunidade social (...) ele é o resultado por sua vez da corrente libertada e humanitária de 1789 e da tradição cristã em sua vocação humanista (Ancel, 1985, p. XXI).
Enquanto a Europa brilhava com novas ideias e discussões nesse campo, aqui também se notavam fortes reflexos disso. Mas havia aplicabilidade, uma vez que a comunicação com as camadas pertencentes às chamadas arraias miúdas era sempre de forma a traduzir um comportamento autoritário e mandonista, mesmo nos centros urbanos. Aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, para ser mais específico, havia uma distância entre o que determinava a lei e a realidade dos fatos na relação polícia/justiça e o subterrâneo da sociedade paralela, o underground do underground, abrigo do crime. Quase sempre a violência imperava. Por isso mesmo, o jogo entre a reação e a resistência escrava era mais acentuado e distinto nos dois lados (Silva, 1988). Vale lembrar que nosso código criminal do século XIX era um dos mais avançados para a época e foi base para muitos outros dentro da América Latina. O mundo das leis, principalmente na Europa, começava a entrar na difícil e complexa discussão do Direito Social e Criminal. Na medida em que avançavam os movimentos em favor do abolicionismo e da imigração, despejava-se grande contingente de pessoas desocupadas na capital do Império, havendo também a necessidade de entabular as mesmas discussões. Contudo, as dificuldades de ter plenamente em funcionamento as práticas capitalistas garantiam um cenário bastante complexo. Tínhamos uma situação sui generis no que se refere aos avanços conquistados pela criminologia e sua aplicação, levando em consideração inclusive as contribuições vindas da Europa.

Nosso país imperial possuía um Estado capturado pela classe senhorial dos latifundiários (Oliveira, 1978), que se opunha ao seu serviço. Assim, para analisá-lo sentimos necessidade de nos valermos de contribuições deixadas por outros teóricos, mesmo que estivessem vendo outras realidades. Thompson ensina que a lei e a legislação podem ser vistas instrumentalmente medindo e reforçando relações de classes, ou em termos ideológicos, legitimando a estrutura de classe já existente e seus critérios lógicos com referência a padrões de universalidade e de equilíbrio (Thompson, 1974, p. 25). No que se refere ao assunto dentro da realidade brasileira, ele tem uma posição acertada, principalmente quanto ao aspecto ideológico da lei. Aqui ela permitia, de fato, reduzida mobilidade social, pois na sua composição demonstrava a existência de um Estado capturado. Suas exigências e o péssimo cumprimento das leis conjugados revelavam a tendência de proteger uns e desproteger outros, colocando em dúvida os procedimentos e, em última análise, preservando os interesses dos captores.

Para Genovese, a legislação constituía o principal mecanismo de preservação da hegemonia das classes dominantes; ela não pode ser estudada como um fenômeno passivo, principalmente no caso da sociedade escravista, em que se tornava um efetivo instrumento de defesa dos interesses da classe senhorial no Estado. Constituía força ativa entre a classe captora do Estado, sendo também autônoma; nela, as reivindicações de seus representantes deviam ser necessariamente acolhidas e acomodadas. Aqui também verificamos preocupação com a manutenção do poder que a lei garante para cada setor social, além de tal poder permitir mensurar as relações entre as classes. Contudo, preocupamo-nos especificamente com uma camada social sob a luz da lei, vista pelo lado lógico e previsível de seu comportamento. A legislação da época, além de precária, possuía a prática da exclusão social. Era fortemente tendenciosa, parcial e escravista, por motivos óbvios. Entretanto, mesmo assim, no que se relaciona ao crime, nosso Código Penal de 1830 foi considerado um avanço para a época, servindo de modelo para todos os que surgiram na América Latina.

Voltando à questão da lei, Ademir Gebara, concordando com Thompson, reafirma que ela servia, teoricamente, como mediadora e reforçadora das relações de classe. Diz também que legitimava as relações. Constatamos que aparecia sempre como um reflexo típico da realidade que se tinha no país, cuja multiplicidade e a multiface das relações eram marcadas por uma pesada compulsoriedade do trabalho, em que seres humanos eram reduzidos a escravos-mercadoria. Afirmamos que a lei se aplicava quase sempre para garantir a permanência dos poderosos, mantendo o status quo.

Levando em consideração que o escravismo colonial perdurou até o fim da escravidão, acreditamos que as leis da época eram reflexo do conjunto de interesses das camadas sociais que capturavam a administração do Estado. Tal situação era fruto da preocupação de legitimar a já decadente prática da escravidão na face econômica.

A lei, além de mediar e legitimar esses interesses, tinha como característica preceder o costume, devido à natureza da colonização (Gorati, 1972). Tudo isso explica a estrutura de controle mandonista instaurada no Brasil principalmente durante o período imperial, uma vez que as leis não exprimiam a vontade da totalidade dos segmentos sociais, como se surgisse do consenso de representantes de todos os setores da sociedade o que, inclusive, é cristalino em nossa história.

As classes senhoriais, condutoras do processo junto com a realeza, e preparadas para exercer forte influência nas decisões do poder, faziam-no de tal forma que sua pressão carregada de exemplos múltiplos de desumanidade promovia aplicações da lei considerada expressão da vontade dela mesma (Gorati, 1972).

A face jurídica que regia o Brasil apresentava múltiplas vertentes. A rigor, crime ou delito, no direito penal brasileiro sobre as infrações, eram apenadas com reclusão, ou seja, aquelas que importavam em maior rigor penitenciário, detenção. Eram exageradas também aquelas que pressupunham algum rigor penitenciário. Raramente se aplicava multa de maneira isolada, a alternativa era geralmente com caráter cumulativo. Havia contravenções sobre as infrações penais, que a lei combinava com pena de prisão simples ou multa, aplicadas isolada ou cumulativamente (FGV, 1986, p. 282). Turbulentos, palavra de conceito difícil porque muito ampla, estava prevista em lei no Império. Camuflava tipos diferentes de pessoas e delitos. Na verdade, havia preocupação em julgar os casos que se enquadrassem nessa categoria de maneira errada e genérica. A existência de um precário e diferente referencial conceptual ético-social sobre o crime e suas variações no Brasil acabava por permitir atos de violência e exageros.

O Segundo Reinado, no que se refere ao aparelho administrativo de poder na segunda metade do século XIX, sofria pressões de toda ordem, através de posições políticas antagônicas - como a republicana, que, na clandestinidade até 1870, conseguia reunir cafeicultores insatisfeitos basicamente contra o regime vigente, que já apresentava sinais de representar o ultrapassado.

O conceito de crime, no regime imperial, era fruto principalmente dos interesses dos segmentos de liderança da vida socioeconômica do País. Eles não absorviam as conquistas modernas que estavam sendo usadas na Europa. No Segundo Reinado, já se reclamava uma ação mais participativa das camadas sociais organizadas no poder, por um lado, enquanto envelheciam as práticas escravistas de produção, o que dava espaço para o desenvolvimento tímido do capitalismo, por outro.

5. O Código Penal de 1830: suas influências e críticas

A constituição de 1824 previa um código civil, mas tal elaboração só se efetuou em l916. Contudo, no que se refere à existência de um Código Criminal, a confecção foi rápida. Punir era a meta primeira e principal. Iniciou-se em 1827 mas, concluído e transformado em lei em 1830, passou a vigorar no mesmo ano da sua conclusão. Na época, ocorreu um erro que não foi corrigido em sua confecção: denominar criminal um código que não tratava especificamente dos crimes, mas das penas. Também não cuidou dos aspectos processuais (Silva apud Ribeiro, 1991). Tal erro já havia sido apontado anteriormente por Victor Foucher pelo trabalho de Nelson Hungria. Ele nos mostrou que o Código Criminal de 1830 foi o primeiro com caráter autônomo da América Latina, o que na sua época não só era notável, mas inegável obra de legislação, devendo ser sublinhada, como assinala também o advogado Ladislau Thot, sua influência sobre quase toda a legislação penal produzida na América Latina. Acreditamos que, em muitos pontos, o que se fez na América Latina foi apoiado no padrão brasileiro. Nosso código serviu de modelo para toda a América de língua espanhola (Silva, 1991).

Na elaboração do referido código, consta muita controvérsia quanto a suas fontes. Alguns acreditam que foi baseado no Código Penal Francês de 1810, ou no projeto de código penal para o Estado de Luisiana (EUA), elaborado por Livingston em 1824, ou ainda nas Institutiones Iuris Criminalis Lusitana, de Melo Freire, influenciadas pelo que escreveu Cesare Bonesana, Marques de Beccaria, em 1764, sob o título Dos Delitos e das Penas. Beccaria baseava-se no valor e no Império da razão para produzir seus escritos. Basileu Garcia concorda com as citadas influências, acrescentando ainda o Código da Baviera de 1813 como mais um dos influenciadores (Silva, 1991). J. José Gomes Câmara não sustenta que o código criminal promulgado por Bonaparte tenha sido o modelo. Acredita o que a grande influência no nosso código penal foi o Código de Luisiana, como já era de se esperar, mais uma forma de mimese, pois nosso caráter contemplativo acabava sendo responsável por tudo isso. Chega a citar, para garantir sua argumentação, a passagem de Silva Lisboa contida em discurso proferido na sessão do Senado de 23 de novembro de 1830. Contudo, o código penal de Luisiana foi um projeto que não chegou a ser transformado em lei. Portanto, não se concretizou efetivamente na prática dentro da área geográfica da Luisiana.

Heleno Campos Fragoso, nas considerações feitas em torno do trabalho do jurista norte-americano, diz que se tratava de obra extraordinária para seu tempo, grandemente influenciada pelo utilitarismo de Bentham, gerando grande influência na codificação brasileira de 1830, assim como nos códigos penais da Guatemala e da Rússia.

Podemos adiantar que o Código Criminal do Império se forjou nas ideias difundidas na época da sua elaboração. Tal fato reafirma nossa proposta de que realmente tínhamos um código bastante avançado, moderno para a realidade vivenciada no Brasil Imperial e principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Um dos princípios fundamentais que norteou a elaboração do Código Criminal foi o de que não havia crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, ou seja, nullum crimen sine lege, nulla pena sine previa lege.

Assim, o Código Penal Brasileiro de 1831 manteve-se fiel ao princípio da proporcionalidade entre o crime e a pena, bem como ao que tornou a pena como exclusiva do condenado e, portanto, só a ele endereçada. Era moderno demais para um país que convivia com as dificuldades da escravidão. Antes, os crimes e os criminosos eram julgados e penalizados, contudo, a penalização acabava se configurando cerceadora de direitos dos seus parentes próximos, como mulher e filhos. Exemplo disso foi o ocorrido com Tiradentes. Na sua sentença temos o seguinte:

Declaram o réu infame, e infames seus filhos e netos, tendo-os, e seus bens se aplicam para o fisco e a câmara real, e a casa em que vivia em Villa Rica ser arrasada e salgada, e que nunca mais o chão se edifique, e não sem do próprio, serão avaliados e pagos ao seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantar um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu (Silva, 1991).
A sentença, ultrapassando a pessoa do condenado, atingiu seus descendentes. E já estávamos em 1792. Mesmo na nossa condição de colônia tocada pelos ares do desejo de independência, já se observava o impacto da maré revolucionária francesa pelo mundo. O Código Penal Brasileiro de 1831 resolvia essa questão de uma vez por todas. Criava e apresentava a proporcionalidade entre o crime e a pena e aplicava a pena exclusivamente ao condenado. Contudo, dentre as várias falhas apresentadas no Código de 1831, uma era de grande importância e dizia respeito à modalidade de crime culposo, que não era previsto em qualquer de seus dispositivos legais. Desse modo, acabavam livres de punições aqueles que, por imprudência, imperícia ou negligência, atentassem contra a integridade física de outrem. Tal falha só foi reparada na Lei 2.033 de 1871, passando o crime culposo a ser regulamentado.

A criação de tal código e sua capacidade de penetração e aplicabilidade na sociedade brasileira da época conviviam com o elemento escravo, que vagava nas ruas até determinadas horas por autorizações feitas pelos seus donos. Referimo-nos aos bilhetes, que aparecem citados nos anúncios de jornais e ocorrências policiais da época, como comprovam vários relatórios de chefes de polícia publicados no Jornal do Commercio. O mais importante é que esses portadores, elementos que quase sempre estavam metidos em atividades turbulentas, vagabundagem e outras, eram numerosos na documentação de tais ocorrências policiais da época.

O Código Penal durou de 1830 até 1893, data em que foi substituído (Silva, 1991). Junto com ele foi promulgada a lei de 7 de novembro de 1831, em que o governo brasileiro cumpria sua parte de um acordo anteriormente feito com a Inglaterra (1810), de extinguir o tráfico negreiro; essa lei declarava livres todos os escravos que entrassem no Brasil depois daquela data. Todavia, sabemos que foi papel morto nesse aspecto. A escravidão continuou. Acabar com ela era como se dizia à boca pequena: coisa pra inglês ver, frase que demonstra que vivíamos um país de aparências.

6. O código de processo criminal e o quadro político brasileiro

Quando passou a vigorar o Código Criminal, o passo mais imediato do legislador do Império foi a elaboração do Código de Processo correspondente, que veio à luz em 1831, passando a vigorar em 1832. Com tal código suprimia-se o sistema inquisitório do Livro quinto das Ordenações Filipinas. Esse código não aproveitou quase nada do que se tinha da legislação anterior; inspirou-se antes de tudo nos modelos inglês e francês.

Contudo, notamos que, sendo o sistema processual inglês do tipo acusatório e sendo o francês do modelo inquisitório, apartando-se um do outro de forma significativa, a união dos dois deu ao legislador do Brasil os elementos rudimentares para construir um sistema considerado misto ou eclético. Tal sistema buscava combinar aspectos de tendências das referidas legislações estrangeiras.

Havia a questão da prova, acompanhada de forte discussão em torno do fato de que ela que incrimina e decide, não que nega. Inaugurava-se um período de reação às leis repressoras monstruosas da monarquia portuguesa, do qual o Código de Processo Criminal de 1832 constitui o diploma legal culminante e mais expressivo, síntese que era dos anseios humanitários e liberais que palpitavam no seio do povo e da nação.

Hélio Tornaghi assinala que a forma acusatória apareceu acompanhada da moralidade e de publicidade, enquanto a forma inquisitória apareceu acompanhada do sigilo e escritura. Aos poucos caminhávamos para uma leitura mais próxima da nossa realidade.

A cada avanço notamos uma preocupação de aproximar lei e vivência nacional. Tivemos um período em que o café despontava economicamente e trazia uma camada social que propunha ideias diferentes daquelas dos antigos senhores latifundiários de açúcar. Além do mais, o Primeiro Reinado entrava em profunda crise de impopularidade, dificultando a aceitação da figura do imperador diante da nação. Os interesses externos, principalmente econômicos, começavam a se chocar, acelerando a transformação do modo de produção interno, de escravista para capitalista assalariado. Concomitantemente, sabemos que os reflexos disso eram notados no aumento do mercado consumidor interno. O salário, elemento que promove a circulação do capital e também um dos instrumentos de distribuição da riqueza, acaba por gerar mercado consumidor ou aumentar o já existente.

Tais interesses chocavam-se com os daqueles que dirigiam o Estado e que eram os promotores da permanência dos interesses escravistas. Portanto, como vemos, o Brasil mudava.

Em 1841 o referido código sofreu uma desastrosa modificação, através da Lei 261, de 3 de dezembro: dava à polícia atribuições de judiciário. Em compensação, a reforma de 1871, ao revogar tais atribuições, trouxe algumas inovações que até hoje perduram, como a criação do inquérito policial e modificações nos institutos da prisão preventiva, da fiança, dos recursos e no habeas corpus. Mas não era aplicado com plenitude na vida real. O desejo era justamente o que se expressava com mais força e presença. Ficava, porém, somente nele mesmo. Poucos foram os que desfrutaram de tais prerrogativas.

7. Leis de abolição (1850-1871 / 1885-1888) e o mercado de trabalho na sociedade tradicional do Segundo Reinado: Lei Euzébio de Queiroz (1850)

Com a extinção do tráfego negreiro (1850) e a partir de um projeto existente desde 1817, seriam entregues ao jurídico da Auditoria da Marinha o julgamento de contraventores, em primeira instância; em segunda, ao Conselho de Estado. Com isso, pretendia-se evitar o julgamento por júri, normalmente formado por fazendeiros proprietários de escravos. Após 1850 houve grande quantidade de queixas de falta de mão-de-obra por parte dos senhores de escravos, até mesmo no Vale do Paraíba. Isso foi inevitável: primeiro, pelo fato de já haver a humilhante presença inglesa no nosso litoral, confiscando os navios negreiros com base no famoso Bill Aberdeen. Tal atitude vinha embasada no pretexto de evitar que aqui entrassem escravos. Segundo, porque o reflexo disso já havia sido notado na diminuição de braços para a lavoura. A renovação de mão-de-obra também estava seriamente afetada.

Isso caracterizou a desfiguração jurídica do país, que acabou tendo o desprazer de ser tutelado, fiscalizado pela Inglaterra em uma questão que era de decisão estritamente nacional, inclusive ao externar que era baseada em lei votada no parlamento inglês para ser aplicada aqui. Todavia, o maior objetivo dos imperialistas estava no fato de provocar as transformações desejadas no mercado consumidor interno que, com o aumento, beneficiaria diretamente as indústrias inglesas, o que iria provocar a aceleração do assalariamento do trabalho propício ao capitalismo. Internamente, havia fortes resistências daqueles que envidavam esforços para evitar o fim da escravidão.

Nesse momento, a cafeicultura despontava no cenário político-econômico do país. Entretanto, o Rio de Janeiro vivia uma situação sui generis. Os latifundiários do açúcar, que fracassavam devido a fortes concorrências internacionais, optavam pelo café. Buscavam, para tanto, financiamentos através de empréstimos de toda ordem. Colocavam como garantia hipotecárias, junto aos bancos, todos os tipos de bens, inclusive os escravos. Tais senhores foram os maiores adversários do abolicionismo, que caminhava a passos largos. Para alguns, a Abolição representou falência absoluta. Por outro lado, encontrávamos senhores que não sofriam desse problema. Contudo, no Rio de Janeiro se concentrou a maior corrente antiabolicionista do País.

Enquanto isso, crescia o tráfico interprovincial, decorrente do fracasso das fazendas do nordeste. A capital do Império recebia grande contingente de escravos; era o centro de confluência em todos os sentidos.

Tal quadro, para uma cidade como o Rio, eminentemente comercial e portuária, vivendo uma vida intensamente dinâmica, provocava a necessidade de se adaptar rapidamente às circunstâncias. O crescimento, principalmente econômico, era rápido e, por conseguinte, provocava situações novas na vida fluminense. O número de crimes avolumava-se e a criminalidade tornava-se significativa na medida do crescimento da sua população, pois havia um certo preconceito com relação ao emprego da mão-de-obra nacional, principalmente aquela oriunda do escravismo. Aqui optava-se pela mão-de-obra imigrante. O nacional, principalmente de origem escrava, vivia em grande número na desocupação, vagabundeando pela cidade.

As alegações eram as mais variadas para a opção pela mão-de-obra estrangeira: a mais frequente, a crença na sua qualificação para o trabalho na cidade. Ora, como já dissemos em outros artigos, tudo não passava de pura mímese.

A Lei Euzébio de Queiroz provocou impacto muito forte nas várias e cotidianas maneiras de se relacionar na cidade do Rio de Janeiro. Provocou também grande impacto econômico, com o necessário remanejamento do capital, que estava anteriormente investido na prática do escravismo, principalmente no que se refere ao trabalho na fazenda. O mesmo ocorreu com os capitais que estavam empregados na área do tráfico.

Esses mesmos capitais estavam sendo aproveitados no incentivo a uma tímida tentativa de industrializar o país, esboçada sob a liderança de Irineu Evangelista de Souza. Com a Guerra do Paraguai, ficou clara a fraqueza e a dependência do fluxo da mão-de-obra externa, juntamente com a submissão de seus escravos atendendo aos serviços militares (Gebara, 1986, p. 43). Tal quadro ocorreu porque eles acabavam adquirindo poderes de farda que, durante e após a guerra, chocavam-se constantemente com os da polícia na cidade do Rio de Janeiro, além de gerar grande confusão.

Muitos soldados eram recrutados também na sociedade paralela (Silva, 1997), geralmente abrigos de criminosos, vagabundos, turbulentos de toda ordem. Vivendo organizados diferencialmente, ou em bandos, nas chamadas maltas de capoeiras da época, geralmente de vida errante, no comportamento desviante, ou seja, no crime, prática comum da vida subterrânea do Império que, parece, perpetuou-se no início da República.

Com a Guerra, a imigração também diminuiu bastante. Os que vieram nesse período eram, em sua maioria, portugueses (Gebara, 1986, p. 47). A Guerra garantiu aos escravos maior possibilidade de fuga e de protestos, ajudando inclusive aos abolicionistas, opositores do país defendido por eles. O resultado foi uma mudança no pensamento das elites, abrindo espaço para um conjunto de reformas no sistema escravista até a sua extinção.

As classes dominantes estavam percebendo que os escravos estavam mais ativos, conscientes da força que poderiam exercer sobre o processo de abolição. Somava-se a essa preocupação toda movimentação de oposição dos que habitavam os corpos socioculturais autônomos, constituintes de uma força marginal, igualmente paralela ao poder. Assim, a conjugação dessas duas preocupações objetivou a elaboração de uma nova legislação escravista para o mercado de trabalho. A reforma de 1871 surgiu também para disciplinar a tarefa de controle e organização do mercado.

O quadro social se agravava, no Rio de Janeiro, pelas transformações ocorridas. O aumento da oferta de mão-de-obra e as dificuldades com sua absorção provocavam um crescimento volumoso das camadas sociais desocupadas. Habitariam um outro mundo, e por consequente necessidade de sobrevivência, um mundo do crime. Era um quadro novo com que o governo imperial, desafiado a decodificá-lo, tinha de aprender a conviver. Parece-nos que as instituições da época não tinham conhecimento profundo desses habitantes. Também nos parece que, até hoje, essa sociedade habita nosso meio urbano, com complexidade nova, com o ganho de uma certa roupagem nova que lhes dá um diferente perfil, a cada momento que nos atrevemos a lê-la.

8. Lei Rio Branco (1871)

Ao analisar a Lei Rio Branco, não podemos esquecer que foi proposta dentro de um sistema nacional de leis que tinha grande poder no controle social, porque tal fato reforça bastante sua importância no cenário nacional da época. Observamos também que foi proposta por segmentos sociais que pretendiam consolidar definitivamente sua hegemonia através dela. Com isso, a escravidão começava a ser legalmente extinta, e a libertação dos escravos provocava certo abalo na formação do mercado de trabalho livre, não significando, porém, o fim do controle desse mesmo mercado pela elite senhorial.

Havia muito que fazer pela frente, no que tange ao controle dos novos ares que respiraria o país, substantivamente tocado com a nova oferta de braços para o trabalho a partir da nova legislação. Esta, porém, carecia de regulamentos feitos pelas autoridades municipais em relação ao mercado de trabalho livre, como diz Ademir Gebara (1986, p. 34). A cidade havia crescido, multiplicando suas atividades, enfim, se complexificava.

Tais regulamentos acabavam sendo vitais para a sua vida. A lei tinha a seguinte configuração: evidenciava que os filhos de escravos nascidos após o dia 28 de setembro de 1871 seriam livres. Essas crianças permaneceriam sob os cuidados de seus antigos donos, que por sua vez, seriam obrigados a educá-las até o oitavo ano de vida. Depois, o proprietário poderia receber uma indenização ou utilizar os serviços do menor até a idade de vinte e um anos. Além disso, a lei criava um fundo de emancipação para libertar tantos escravos quanto o fundo permitisse, de acordo com a sua renda. Esse fundo era financiado por impostos, tributos e loterias anuais. A lei criava ainda sociedades emancipadoras e libertava os escravos pertencentes ao Estado, os abandonados por seus proprietários ou que fossem parte de heranças não reclamadas (Gebara, 1986, p. 52).

Portanto, a ideia geral era fazer a transição para o trabalho livre, de forma que os donos de escravos tivessem tempo para ajustar suas fazendas para um novo sistema de trabalho; é certo que surgiram problemas, como a vigilância sem repressão, mas apenas o tempo iria consolidar essa posição estabelecida no mercado de trabalho livre.

A legislação de 1871 mostrava que o Estado não estava disposto a manter a escravidão indefinidamente. Tinha como principal objetivo organizar as relações de trabalho na transição para o mercado livre.

Nessa época, o plantio do café declinava, em relação a São Paulo, e o porto do Rio de Janeiro exportava cada vez menos esse tipo de produto. Mas a atividade portuária não parou de funcionar, pois importava e distribuía, para as indústrias, matéria-prima e equipamentos que seriam transportados pelas ferrovias.

Os centros urbanos estavam em grande crescimento. Aí estavam os bancos estrangeiros e a única bolsa de valores do país. Os imigrantes participavam cada vez mais do mercado de trabalho, disputando-o com ex-excravos. A Lei Rio Branco foi uma saída que acabou por atingir todos os grupos envolvidos no processo de reformas.

Ao questionar a posição dos fazendeiros em relação à lei, através dos documentos, concluímos que esta acabou recebendo apoio deles; por outro lado, havia grande pessimismo de alguns agricultores a respeito do futuro da agricultura pós-1871; esse pessimismo, entretanto, pode ser mais bem explicado pela queda dos preços do café no mercado internacional.

José Murilo de Carvalho mostrou que os relatórios do Ministério da Agricultura posteriores a 1871 eram unânimes em demonstrar que a lei não tivera qualquer efeito dramático durante a década. A lei conseguia a submissão e a aquiescência dos escravos para o processo de emancipação gradual. A submissão era demonstrada não apenas através das posturas municipais, mas também em nível nacional, pela incorporação de escravos e suas famílias no processo de libertação legal. A partir de sua aprovação, tornou-se mais complicada a posição arbitrária de Pedro II; ela foi responsável por deflagrar o movimento abolicionista dos anos 1880.

A partir da Abolição, toda a estrutura de relações de produção com base na mão-de-obra escrava definitivamente desabava sobre os ombros daqueles que viviam desse tipo de trabalho. A própria cidade do Rio de Janeiro, no caso particular, sofreria profundas transformações na sua vida cotidiana, uma vez que teria que se adaptar aos novos padrões da vida legal do país, ao mesmo tempo que sofria verdadeira explosão populacional, que abalava de vez suas estruturas físico-geográficas.

9. Lei dos Sexagenários (1885)

Surgida durante o ano de 1884, quando foi feito um projeto que buscava atender aos objetivos somente atingidos em 1885, encontramos a chamada lei do Gabinete Dantas. Na ocasião, Souza Dantas, liberal, nomeado presidente do Conselho de Ministros, apresentou projeto que consistia na libertação dos escravos sexagenários sem indenização e no reforço do fundo de emancipação, custando o aumento generalizado de impostos. Após a queda de Dantas, o projeto transitou através de demorado processo de recomposição e aprovação do Ministério Saraiva Cotegipe (Gorender, 1991, p. 179). Logo depois, surgiu a Lei de 28 de setembro de 1885, cuja regulamentação foi feita pelo ministro da Agricultura, Antônio Prado.

A lei consistia em que os sexagenários libertos ficassem obrigados a trabalhar por mais três  anos consecutivos para os seus senhores até a idade de sessenta e cinco anos e a cinco anos de permanência no município onde viviam. Os preços das alforrias de mercado ficariam bem maiores que os anteriores, além de garantir altas indenizações a seus senhores.

Por fim, a lei também estabeleceu pena severa para o crime de açoitamento, enquadrando o criminoso no Artigo 260 do código criminal. A lei proibiu o tráfico entre províncias, mas na capital era permitida a transferência de escravos.

As fugas de escravos e as perseguições aos protetores de fugitivos, que já aconteciam com muita frequência, foram intensificadas, é óbvio. Pois era uma forma de o escravo reagir ao regime que se extinguia paulatinamente na vida nacional. Vários episódios poderiam ser citados como ilustração da violência que se multiplicava nesse período, abalando as relações entre o poder e aqueles oriundos da escravidão. Um deles foi o espancamento de Cesário Mendes Ribeiro, presidente da sociedade abolicionista Clube Carig, que, vitimado em sua própria casa e depois levado em prisão pela acusação de açoitador de escravos, teve sua casa invadida e depredada (Gorender, 1991, p. 185).

Efetivava-se, assim, pela violência que a lei multiplicava sobre o escravo em processo de libertação, a preocupação com a possibilidade de ele se organizar com elementos resistentes e reagentes ao poder instituído. Tratava-se de um elemento idoso, provavelmente com grandes dificuldades de produzir satisfatoriamente gerando lucro para seu senhor. Contudo, sua manutenção na condição de submisso ao poder senhorial garantia uma suposta forma de controle dos passos e ações desses experientes futuros ex-escravos. Certamente a sociedade paralela se beneficiaria bastante com a presença e sabedoria desses novos libertos, mesmo numa vida urbana.

10. Lei Áurea (1888)

O conjunto das leis apresentadas traduz, assim, um contínuo avanço em direção à libertação total do braço escravo no país. Todavia, seu caminhar paulatino e gradual interessava a setores sociais definidamente captores do Estado na época. Oriundos do açúcar vinham de há muito sofrendo com a débâcle da comercialização do produto no mercado internacional, uma vez que não obtinham respostas incentivadoras do capital investido na referida produção. Mesmo assim, continuavam apegados ao Estado. As leis provocaram uma avalanche de mão-de-obra na cidade. Agora era imprescindível a contratação de novos braços estrangeiros. Começava uma nova fase da vida do país. Entravam levas numerosas de imigrantes incentivados por propagandas que prometiam o éden aqui (Beiguelman, 1982). Despejavam-se na capital mais pessoas que, ao se frustrarem nas novas formas de trabalho, afluíam em êxodo incontrolável para a cidade, formando um contingente de desocupados que contribuía para reforçar mais ainda os habitantes da sociedade paralela.

A Lei de 13 de maio de 1888, assinada pela Princesa Isabel, só ratificou um fato consumado, salvando a dominação da classe dos proprietários rurais, ao despojá-los oportunamente dos restos da prática escravista que ainda existia entre nós. A Abolição não garantia a cidadania ao recém-saído da escravidão. Não lhe garantia indenização. A abolição foi principalmente o resultado revolucionário da luta autônoma e surda dos escravos, aliada aos militantes do abolicionismo urbano-popular radical. No nordeste, o quadro de fragilidade da escravidão e o emprego crescente de trabalhadores livres nos decênios anteriores, sob a condição de agregados, atenuavam os efeitos da lei. O Barão de Cotegipe foi o último a tentar frear o avanço do movimento abolicionista no país.

Com a assinatura da Lei Áurea, ocorreu a decolagem definitiva das práticas capitalistas de assalariamento da mão-de-obra no Brasil. Assim, podemos observar uma das razões de nosso capitalismo ser chamado tardio. O quadro começava a se caracterizar mais nitidamente pendendo para interesses daqueles que se opunham à classe dos latifundistas escravistas que capturavam o Estado dentro do país.

11. Leis Derivadas (até 1891)

O ano de 1871 foi um momento de virada, por haver firmado a estratégia de retirar do país essa instituição. A Lei do Ventre Livre foi aprovada por tratar da transição da escravidão para o mercado de trabalho livre, como mostra Ademir Gebara (1986, p. 138). Com a aprovação dessa lei, criou-se uma nova realidade que impôs aos escravos uma percepção diferente do universo que os cercava, reforçada pelas atitudes de protesto que defendiam os interesses senhoriais, defendidos agora por escravistas. O processo abolicionista estagnou-se, sendo retomado somente em 1885, com a Libertação dos Sexagenários. Durante esse período, as leis que apoiaram a abolição não progrediram, restando como única solução aos escravos os protestos, rebeliões e fugas. Talvez seja uma das razões do crescimento de atos violentos e da própria violência de lá para cá no meio urbano.

Os primeiros foram controlados através das leis, mas as fugas não puderam ser controladas. O ano de 1871 foi um divisor de águas. Representou também uma forma de resistência, uma manifestação de inconformismo e protesto, em que as já propaladas fugas tiveram significado político forte e diferente. Elas abalavam e apareciam como algo extremamente perigoso para a transição gradual e segura.

Na cidade do Rio de Janeiro, o quadro não poderia sofrer menos com tal situação. Avolumavam-se os populares desempregados, que se localizavam na cidade como mendigos, vadios, vagabundos, turbulentos e bebuns. Ao mesmo tempo representavam um forte exército-de-reserva de mão-de-obra para serem absorvidos pelo mercado de trabalho, que deveria crescer em forma compatível com o novo quadro que se desenhava na capital.

O número de profissionais informais e de trabalhadores não regulamentados aumentava fortemente e garantia uma variedade de atividades que nasciam da necessidade de sobreviver expressada por essa população que, aos olhos dos poderes constituídos, vivia na desocupação.

O fenômeno da desocupação, com seus habitantes permanentes e/ou eventuais no que concebemos aqui como vida subterrânea do Império, de uma sociedade paralela e/ou de corpos autônomos, configurava-se como um verdadeiro anverso da ordem. O governo imperial mostrava-se não só impotente como também em profunda crise político-administrativa. Envolvido com questões, como a militar, a religiosa etc., desviava as atenções para outros problemas que se multiplicavam. Com isso, sobrecarregava o trabalho da incipiente polícia da época e da Justiça na tarefa de controlá-los. Em 1879, pela preocupação com os novos ares que estava respirando o país, em termos de relações de capital-trabalho, foi criada a Lei de Locação de Serviços.

A falta de combate ou a incompetência apresentada na busca de controlar essa sociedade paralela devia-se talvez à incapacidade de traduzir seus signos, seus símbolos, sua cultura, suas regras produzidas na adversidade, no diferente, no outro lado da vida oficial, no anverso da ordem. As leis produzidas significaram sempre a busca do desejo; nunca traduziam a realidade da vida cotidiana e dos fatos produzidos na cidade.

12. Do século XX ao século da esperança

Durante todo o século XX e também na passagem para o XXI, nota-se que o profissional moderno necessita, além de qualificação profissional, de habilidades específicas para lidar com as significativas e crescentes mudanças que os novos tempos exigem, levando a transformações e desafios da docência para sua formação. As sucessivas crises que passamos no século XX, "o século do não", mostraram, até agora, que a velha mão-de-obra foi praticamente alijada das práticas de produção industrial. Essa mudança foi por demais cruel, consequência do amadurecimento do capital. Atualmente, o fenômeno está chegando ao que denominamos espaço de trabalho rural. O avanço recente da transgenia e da biogenética é um grande responsável pelo fenômeno.

O século XX foi marcado por guerras, catástrofes de toda ordem; foi o século em que a burguesia sofreu muito com fenômenos que nunca imaginara. Foi o início da pós-escravidão que perdura até hoje, exigindo de todos um pensar mais efetivo no processo de desescravização. Não podemos fechar os olhos para o mercado competitivo que se apresenta hoje nos grandes centros urbanos. Nossa era está marcada por grande fluxo de informações provenientes de várias culturas, permanentemente sujeitas a modificações, inserções e diversas interpretações, em velocidade exponencial, em meio a incertezas apresentadas pelo mercado de trabalho, por instabilidade empresarial e problemas sociopolíticos e econômico-tecnológicos. O sistema econômico internacional, neste complexo mundo de permanentes transformações, tem sofrido com crises e inevitáveis problemas. O fechamento de empresas aumenta o número de desempregados, dificultando o sucesso de profissionais autônomos e liberais. Constantemente temos observado excessiva ênfase no patrimônio financeiro, que ainda se encontra preso à velha reprodução do modelo de mão-de-obra, oriunda quase sempre de uma indústria maquinofatureira e manomecanicista, desprezando de maneira contumaz o moderno e revolucionário capital intelectual, que privilegia os valores humanos como instrumentos de trabalho. É óbvio que o resultado se desenha como uma séria crise socioadministrativa, filha do caos em que mergulha o novo mundo do fazer em nosso país.

As histórias do trabalho até os dias atuais têm mostrado a necessidade de transformação da prática pedagógica no interior da Escola. Embora tenha crescido a oferta de vagas, o quantitativo de evasão é significativo, obviamente influenciado também por questões de ordem social, ou seja, o desencanto pelo futuro!

A primeira Revolução Industrial (1760) criou a maquinofatura e o maquinismo responsável pela estandardização do comportamento do trabalhador, a relação no universo capital/trabalho envolveu um tempo mecânico, no qual o homem passou a ser apenas uma complementação da máquina. Tudo girava então em torno da necessidade de maior quantidade do produzido. Surgiu daí a mão-de-obra operária que, como sabemos, disputou espaço com a máquina, ambas envolvidas em uma traquitana infernal que começou a desprezar parte do fazer do homem. Muito mais do que a presença da máquina, o trabalhador acabou sendo aprisionado pelo avassalador e devorador tormento de medir forças com o novidadeiro maquinismo.

A segunda Revolução Industrial (1850/70) trouxe a energia elétrica, o telefone, o telégrafo, a locomotiva, a máquina de escrever, a velocidade ao comportamento do homem no que tange às relações humanas, mudando-as de maneira alucinante. Sem dúvida, sair da carroça para o automóvel foi um salto espetacular na passagem do século XIX para o XX. Um avanço estonteante: era a passagem da velha indústria maquinofatureira para a manomecânica (Hobsbawn, 1995). Na maioria deles, o homem, antes profissional acabado, produzido pela escola que garantia estar aprontando-o para operar máquinas, consertar e construí-las, viu-se cada vez mais afastado de suas funções. A manomecanicidade aproximava a máquina do robô e da robotização da produção e anunciava claramente sua independência do trabalho feito pelo homem. Grande parte do fazer profissional humano absorvido por ela atribuía ao homem uma vida de obsolescência. A velha mão-de-obra e seus métodos de fazer estavam se transferindo inexoravelmente.

Entre 1900 e 1950 houve grande aumento da população mundial e o crescimento do produto econômico mundial foi ainda mais rápido. O desenvolvimento de produtos novos ampliou as alternativas no mercado, satisfazendo mais as necessidades do consumidor e consequentemente melhorando os padrões de vida. Isso poderia dar a ideia de um impressionante progresso, porém o que se observou nas três décadas após 1910 foi o retrocesso mais calamitoso de toda a história econômica da humanidade. Esse período assistiu às duas únicas guerras mundiais, que causaram danos irreparáveis às pessoas e às propriedades, superando qualquer outro prejuízo causado pelo homem.

A Revolução Industrial, apesar de ter sido um grande salto em termos de oportunidade econômica, gerou conflitos entre incluídos e excluídos socioculturais, principalmente no jogo dos benefícios e oportunidades. Esses conflitos, somados a outros agravantes, manifestaram-se de modo extremado através da guerra e da destruição das pessoas e das propriedades. Como a 1ª Guerra Mundial não conseguiu solucionar essas questões, houve repetição dos conflitos na 2ª Guerra Mundial, deixando a busca das soluções para o pós-1945.

O custo das duas guerras foi imenso para os governos responsáveis. Por exemplo: houve queda da população agrícola mundial para um terço do seu nível antes da guerra. O retrocesso de cerca de oito anos na Europa e de cinco anos no mundo afetou a prolongada ascensão do nível de produção total de então.

Certamente foi o fato que animou os representantes internacionais na Conferência de Bretton Wood em 1945 a abandonar o padrão ouro e criar o cálculo do Produto Interno Bruto - PIB e o Fundo Monetário Internacional - FMI.

O PIB foi também um grande erro, pois objetivava incentivar a produção nacional e recuperar as economias combalidas pelo período de conflitos. Enfim, ocupar as multidões de desempregados da época. Não observou a razão da situação, ou seja, a mão-de-obra que estava ficando tecnologicamente obsoleta para o avanço industrial em que se encontrava o mundo da manomecanicista indústria que se irradiava no mundo do trabalho. Como dizia Hobsbawn, vivia-se a era das catástrofes! Podemos ainda acrescentar o fato de os conferencistas envolvidos não perceberem que a indústria já se aproximava da terceira Revolução Industrial (1950), anunciando que, num futuro bem próximo, não haveria mais necessidade do velho modelo de mão-de-obra que a escola insistia em formar de maneira reprodutiva (Castells, 1999).

Com a proximidade da robotização da produção, um novo trabalhador era preciso, então: o cérebro-de-obra! Não havia, contudo, grande preocupação com o capital. A escola envelhecia por força das circunstâncias e, em alguns países da denominada economia periférica, mergulhados em um marginalismo econômico de perfil dualista, era sucateada por políticas imperialistas de exportação de tecnologias obsoletas daqueles que se modernizavam de maneira extremamente veloz. A vantagem é que, temporariamente, o processo de exploração se dava sem atropelo, sem embaraço e de maneira pouco sensível às realidades locais, ou o já conhecido localismo, que rapidamente se tornaria global. O país de primeiro mundo vendia seu modelo de exploração e dependência para seus consumidores do segundo e do terceiro mundos, com toda a sua população trabalhadora assalariada presa a velhos métodos de produção e profissionalização.

Contudo, a robotização e a informática, com sua novidadeira infomotricidade, baseada em uma também surpreendente e complexa infotecnologia, entre outros, encarregavam-se de violentar as relações de exploração. A globalização das comunicações aproximava mundos e facilitava contatos. Alertava o mundo para a novidade da mundialização da tecnologia, mudanças que radicalmente inseria tanto quanto excluía os que nela não se enquadrassem.

Em pouco tempo o fenômeno da infotecnologia (tecnologia da informação - TI) anunciava, de maneira intensa, na segunda metade do século XX, suas novas exigências profissionais. A Escola teria que se enquadrar nelas, sob pena de desaparecer por senilidade profunda. Nos últimos trinta anos do século XX, o problema se avolumou assustadoramente, pois a velocidade das mudanças no mundo do trabalho foi surpreendente.

A marca mais significativa a surgir nas discussões acadêmicas é a globalização, a inoperância da relação Estado/nação/cidadania por absoluto envelhecimento das práticas do fazer humano em grande parte do planeta. O urbano macrocéfalo, multicultural e complexo apresentava-se desafiador.

O campo, abalado por inventos como a colheitadeira mecânica, que desempregou bastante na primeira metade do século XX, agora assistia à presença da transgenia e da biogenética, também desempregadoras. O homem se viu exigido a qualificar-se mais profissionalmente, e a Escola, obrigada a avançar, fazendo a roda das novidades girar mais rápido! Nesse processo, muitas pessoas ficaram impiedosamente no mais profundo desamparo, por absoluta obsolescência funcional. O superespecialista passou a ser a exigência do mercado em um mundo marcado pelo não-desperdício, principalmente do homem e de sua vida natural. O contraponto entre a natureza natural e a natureza artificialmarcou a virada do milênio, deixando o ser humano num misto de terror e estupefação com tudo aquilo que se agigantava diante de seus olhos. O homem e sua preservação no ambiente natural passou a ser a preocupação central no planeta.

O toyotismo dos anos 50 havia promovido um grande boom revolucionário e certamente a velocidade marcada pelo just-in time foi sua marca maior! Exigiam-se então profissionais diferenciados, qualificados para o instinto de preservação, competitivo, mas constantemente aconselhados a melhorar suas habilidades profissionais.

O mundo do trabalho ficava cada vez mais competitivo e seletivo. A escola teria que avançar e acompanhar os movimentos modernos. Muitas delas, porém, não conseguiram. O resultado hoje é preocupante: 78% da população da América Latina (De Sotto, 2002) vive na mais absoluta exclusão social. Por sua vez, a inclusão social passou a ser imperativo maior e a escola é a primeira a ter a obrigação de tomar para si o problema. Criatividade, ou seja, poiese, é a palavra de ordem na formação profissional. Nela estará o resultado: o cérebro-de-obra.

O tema centraliza uma importante variável social, de difícil mensuração, e cada vez mais valorizada nesta era da informação e do conhecimento: o capital intelectual. Sob esse título situam-se as patentes, as marcas e o know-how obtido pelas empresas, pelo professor, pelo aluno e pelo trabalhador. Mais especificamente, torna-se indiscutível a importância do capital intelectual e humano. O acervo de informação, conhecimento, cultura e vivência individual em um mundo marcado por grande velocidade de atualização de conhecimento e trânsito de informação não pode jamais cair na mesmice da mímica, seu maior câncer, pois, pela excessiva repetição que provocaria, causaria certamente sua saturação como um todo.

O trabalho se baseia na falta de preparo fundamental verificada nos estudantes em termos de leitura, escrita e discernimento geral, gerada pelo fato de nossa sociedade, até aqui, ter valorizado tipologias de patrimônios culturais e modos de produção nos quais o capital intelectual - caracterizado por cultura geral, aperfeiçoamento pessoal que valorize virtudes, desenvolvimento da inteligência criativa, e instrumentos de trabalho - foi sempre depreciado no que se refere à mão-de-obra. As crises administrativas do Estado/nação no já velho século XX clamam até hoje por melhores leituras quando se trata do profissional, do trabalhador. A rapidez com que ele envelhece em relação aos avanços da tecnologia que o substitui tem sido espantosa. As frequentes oscilações do mercado internacional em meio a uma educação excessivamente tecnocrática, que às vezes chega a doer no ser humano que dela dispõe, por causa desses modismos e facilidades a que sozinha não atende mais, preocupam a todos que se debruçam sobre esse tema.

Nesse sentido, questiona-se: até que ponto a formação docente atende à necessidade profissional hoje exigida frente à avalanche de informações exponenciais que afetam o dia-a-dia da sociedade moderna? Torna-se evidente que a competitividade das organizações relaciona-se não somente à sua assustadora imagem, à qualidade de produtos e serviços ou poder financeiro, mas também ao potencial e à habilidade de cada colaborador que esteja buscando incessantemente conhecimento e sabedoria que se inovam diariamente, com o auxílio da informática, de idiomas e demais acessórios profissionais, em direção a formação, treinamento, desenvolvimento de profissionais diferenciados, de maneira compatível com as rápidas transformações sociotecnológicas, inerentes à presente era do capital intelectual (Novaes, 2003).

Conscientizar os docentes para a necessidade de formação de futuros profissionais bem informados, treinados e esclarecidos de maneira diversificada, para atuar numa sociedade em constante mudança e demanda, sempre atualizados em seus papéis como cidadãos, com perfil intelectual criativo, capazes de gerar projetos relevantes e atuar de maneira original diante dos infindos problemas multifacetados e interdisciplinares, talvez até transdisciplinares, que afligem a moderna sociedade da informação é uma tarefa nobre, gratificantes e indispensáveis nos dias atuais.

A justificativa deste trabalho encontra-se na indiscutível necessidade de ênfase na importância do capital intelectual e humano em todos os níveis escolares, em um novo enfoque para nossa era escolar. Ela apresenta inequívoca tendência à valorização dos talentos humanos, em seus aspectos vocacional e de desenvolvimento intelectual, cujo eixo realmente tem compromisso, ou seja, acredita-se estar no binômio raciocínio/criatividade (Santos, 2001), indispensável ao posicionamento estratégico capaz de adequar grande parte dos excluídos sociais a um universo global de novidades. Evidência social global cada vez mais inquietante é a incapacidade de a escola formar cidadãos críticos (Sevcenko, 2001; Novello, 1998) e criativos, capazes de enfrentar com expertise os desafios da vida moderna.

A percepção nítida de falha na atuação profissional diante dos problemas diários, em geral multifatoriais, sempre extremamente originais e desafiantes, exige a formação de profissionais capacitados para lidar com os inúmeros e complexos desafios, sempre em permanente transformação. A ênfase na atenção, redobrada com relação à também imperiosa necessidade de direcionamento para formação de profissionais reflexivos com um capital intelectual efetivamente sólido, contribui para a formação de indivíduos mais produtivos e eficazes em sua atuação, em busca de um novo profissional de que a sociedade atual necessita.

Mas como buscar, desenvolver esse novo profissional? Uma vez apresentado, como entendê-lo? São verdadeiros 'dois mundos' tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo; poderíamos dizer, com muito boa vontade, quase a mesma geografia urbana. Mundo de poucos, com grandiosas possibilidades de estudos, envoltos com diferentes meios de comunicação e informação. Um mundo marcado pela infotecnologia, pela infomotricidade, pelo infobjeto, que viabiliza as atuações críticas, conscientes. Mas que reflete um outro aspecto fundamental: a solidão, o distanciamento de um mundo real, marcado pelo outro lado, pela educação da maioria, pelos excluídos socioculturais, sem voz e, em alguns momentos, sem ouvidos, porém, criativos, solidários, inventivos e novidadeiros de forma quase sempre surpreendente. Que procuram se desenvolver, com criatividade e poética, construindo uma sociedade que o outro não conhece, por isso mesmo sociedade paralela e até mesmo possuidora de um estado paralelo.  Nesse sentido, mister se faz  gritar bem alto:

que longe, bem longe dos poderes econômicos e administrativos, o povo fala. (...) Palavra ora sedutora ora perigosa, única, perdida (malgrado violentas e breves irrupções), constituída em voz do povo por sua própria repressão, objeto de nostalgias, controles e sobretudo imensas campanhas que a rearticularam sobre a escritura por meio da escola. Hoje, registrada de todas as maneiras, normalizada, audível em toda parte, mas uma vez gravada, mediatizada pelo rádio, pela televisão ou pelo disco e depurada pelas técnicas de sua difusão. Onde ela mesma se infiltra, ruído do corpo, torna-se muitas vezes a imitação daquilo que a mídia produz e reproduz dela - a cópia de seu artefato (Certeu, 1994, p. 222).
Nesse sentido, para compreender a dinâmica da Escola, é necessária a compreensão dos discursos maiores, sempre à sombra do que se nos apresenta, uma vez que a materialização desses discursos acontece no fazer diário, surgindo novos discursos contrapondo-se aos hegemônicos.

Os objetivos que orientaram este estudo foram: investigar as dificuldades de aprendizado de alunos em determinados municípios do Estado do Rio de Janeiro; analisar as principais experiências escolares que enfatizam a formação educacional do novo profissional frente às novas tecnologias educacionais em que o presencial é praticamente ausente, classificando sua funcionalidade no mercado em que as demandas conseguem ser plenamente atendidas no urbano.

Para tanto, faz-se também mister, aqui, a amostragem que complementa o entendimento das demandas educacionais modernas em nosso estado, assim como as experiências existentes para proceder à busca no sentido de solucioná-las. Seguramente, o trabalho com gráficos expositivos, curvas estatísticas amostrais, permitirá o desenho dos perfis e dos níveis da produção escolar em andamento da cidade. Poderemos, ao final, avaliar também recursos e demandas que municiarão um diagnóstico mais próximo da realidade cotidiana de uma cidade de contrastes claros e assustadoramente novidadeiros, assim como elencar soluções urgentes já em andamento em alguns lugares, sob o medo de permitir o aumento, em escala descomunal, do fenômeno da exclusão social (Perrot, 1991; Forrester, 1997.

O trabalho de pesquisa visa chamar a atenção da comunidade acadêmica para o fato de estarmos vivendo tempos de necessidades e cuidados para com a atualização permanente de informações de toda ordem. A conceituação da formação e educação de um profissional reflexivo tem-se sustentado em autores como Boff, Boaventura, Dellors, Morin e Schön.

Boff argumenta que a crise que afeta a humanidade baseia-se na falta de cuidado, de humanidade entre os seres humanos, ou seja, a essência humana. Sair dessa crise implica buscar uma nova ética, valorizando a natureza mãe. Contudo, ele não percebe que a vida já anuncia mudanças significativas no todo sociocultural, ou seja, a nova característica que tomamos, que nos é definida pelas humanidades (Berlin, 2002). Mas quando afirma que hoje nos encontramos numa fase nova no viver da humanidade, dizendo que todos estamos regressando ao que denomina casa comum, a Terra, no que concerne aos povos, as sociedades, as culturas e as religiões, conclui que todos trocamos experiências e valores. Todos nos enriquecemos e nos completamos mutuamente.

Em Dellors (2001) vemos a afirmação de que a educação tem elos entre o passado e o futuro, entre os sujeitos e as sociedades e entre o desenvolvimento de competências e a formação de identidades. É o caminho pelo qual as sociedades compartilham seu legado cultural, para que os momentos da história possam ser edificados sobre o que várias gerações construíram, do mesmo modo tornando possível que os sujeitos se apropriem desse legado e dele construam uma identidade própria que os distinga em seu trajeto de vida. Menciona ainda que, frente aos numerosos desafios do futuro, que já é presente, a educação constitui, como constituiu, instrumento indispensável para que a humanidade, ou as humanidades, possa progredir face aos ideais de paz, liberdade e justiça social.

Assim, todo ritual de aula deve se orientar para a garantia do acesso às fontes de informação, estímulo ao trabalho intelectual, à mobilização das fronteiras próprias e coletivas do saber, colocando-o em circulação e incorporando-o à geração de novo conhecimento.

Novaes (2002, p. 191) ressalta que os saberes científicos constituem-se em uma verdade transitória, sujeitos a permanente atualização conceitual. O autor se refere à atual imensa quantidade de informações com que lida o cientista, de maneira global, conectando regiões distantes em espantosa velocidade. Reflete que a educação hoje tem a responsabilidade permanente de atualizar o profissional com relação a um mundo cada vez mais sofisticado e novidadeiro, com terminologias cada vez mais numerosas e específicas, com reajustes cada vez mais constantes e de maneira totalmente indeterminada.

Schön (Novaes, 2002, p. 5) desenvolve o argumento de que a educação deve repensar a epistemologia da prática e os pressupostos pedagógicos sobre os quais os currículos estão embasados, acrescentando o conceito de formação de um profissional reflexivo como elemento-chave, direcionando a um maior diálogo entre aluno-professor e ao desenvolvimento do talento artístico como propostas fundamentais à superação das dificuldades de aprendizado e de atendimento às zonas indeterminadas da prática.

Faz-se premente a necessidade da conscientização, por parte da docência em geral, à inadiável carência de treinamento intelectual e criativo dos alunos, para, por fim, trabalhar seu lado criativo, e/ou poietico. Trabalhar realmente o lado da poiese, da capacidade da criatividade. Em caráter abrangente, com especial privilégio à leitura e ao diálogo, durante as aulas, escritos sempre como resultado da função reflexiva, precedida do discurso oriundo de debates em grupo como resultado da atualização permanente e simulações que desafiam o raciocínio de ordenamento lógico o mais variado possível. A prática do possível deve se dar sempre em detrimento das aulas meramente diretivas e expositivas. A ênfase é para a reflexão-na-ação, desenvolvendo, treinando e utilizando estratégias para descrever, analisar e avaliar in-time os vestígios deixados na memória por intervenções anteriores, transcendendo o currículo.

Nosso objetivo, neste artigo, é dar continuidade às verificações então feitas acerca da situação do excluído social na cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, na pós-escravidão em suas principais características, considerando a passagem de uma condição apenas miserável economicamente para uma situação social configurada no que chamamos de sociedade paralela, agora possuidora de um reconhecido Estado paralelo, como foi afirmado pelo secretário José Mariano Beltrame, em uma forma anversa da ordem. O propósito aqui é construir a trajetória de luta de furor legiferante que nos acometeu na virada do século XIX para o que denominamos Século do Não.

Sabemos que a sociedade representava o espaço dos abandonados, compositores de outra ordem social, alternativa, um outro mundo de relações absolutamente independentes e diferentes. Aqui, nossa preocupação é verificar apenas a situação do excluído social perante as leis da época e sua condição criminosa dentro da realidade da cidade do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX.

Em momento algum pretendemos esgotar o assunto, apenas lançar novos olhos sobre o tema, com a preocupação de contribuir para seu estudo, tendo lei e crime como base de sustentação. Comparando os avanços de nossa legislação dentro da relação desejo/realidade na vida nacional do Império, observando os avanços alcançados na Europa e aqui, se considerarmos o hábito mimese e colocando o escravo, agora ex-escravo, como uma terceira figura jurídica no cenário nacional, notamos que o tema se reverberou sobremaneira sobre nós.

12. CONCLUSÃO

Como já foi dito, a cidade do Rio de Janeiro sofreu várias transformações durante a segunda metade do século XIX, todas elas com reflexos assustadores para nossa formação sociocultural, ligadas basicamente à crise da cafeicultura fluminense e à (de certa forma) inaudível explosão demográfica. Na relação espaço/moradia, as mudanças foram significativas, todas geradoras de explosão que somente foram sentidas no transcorrer dos séculos XX e XXI.

A historiografia contemporânea pouco privilegiou aqueles que permaneceram à margem, como excluídos sociais e socioculturais, levando em consideração os setores produtivos da sociedade oficial. Nesses setores deu-se realmente uma história invertida. Por ser reveladora também de múltiplos pontos de observação para qualquer cientista mais preocupado, espelhou uma crise de consciência da sociedade.

O excluído social forma um quadro extremamente complexo. Tratamos aqui da sua relação e da lei, com olhar voltado para época em questão. A palavra marginal ocorreu porque precisávamos de definição melhor do seu espaço de complexidade social, no exato momento em que o indivíduo encontra-se preso a uma suposta situação de convívio não organizado e/ou aparentemente desorganizado. Advertimos reiteradas vezes para o fato de seu mundo configurar-se como um mundo não só do diferente, mas diferente, justificado pela visão paradigmática de um universo ordenado e regido por normas que determinavam atitudes e comportamentos dos grupos sociais a que pertenciam.

Determinações e exigências estabelecidas não atendiam, como não atendem, às expectativas de uma sociedade como um todo; a tendência é haver um rompimento dessas expectativas.

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Publicado em 2 de outubro de 2007

Publicado em 02 de outubro de 2007

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