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A leitura da imagem

Maria do Carmo Rezende Procaci Santiago

Embora a sedução da imagem nos convide a uma certa inércia, ao compararmos a atitude e os procedimentos de um leitor diante de um texto informativo escrito e os de um leitor/espectador maduro diante de uma mensagem visual, como um documentário, por exemplo, observamos que há muitos procedimentos que são comuns às duas atividades, mas há também aspectos diferentes.

Aparentemente o texto visual (a propaganda, o desenho animado, os quadrinhos, o filme, a fotografia, a telenovela etc) já oferece esse aspecto de uma forma mais completa. Elaborar estratégias para que a escola contribua com o desenvolvimento da competência de analisar dos jovens, permitindo que eles compreendam e interpretem de forma crítica a avalanche de imagens à qual estão expostos, é uma questão urgente que exige criatividade, ousadia e experimentação. Normalmente isso nos deixa inseguros, embora seja uma insegurança produtiva que nos faz avançar, pois, em princípio, qualquer material audiovisual pode ser considerado um texto e presta-se ao trabalho com a Língua Portuguesa, já que permite "leitura" e análise da linguagem utilizada.

No mundo atual, a TV é o meio de comunicação predominante, instrumental de socialização, entretenimento, informação, publicidade, composto em função dos interesses dos mercados, por meio da qual gerações aprendem a consumir e a conhecer a si e ao mundo. Como o receptor é sujeito ativo e pertence a contexto sociocultural específico, interpreta mensagens seguindo sua visão de mundo, experiências, valores e a cultura de seu grupo. Assim, a recepção não é só o momento do assistir ao programa; prolonga-se nos cotidianos e em comunicações habituais, constitui- se espaço de produção de sentidos, conhecimentos.

Espera-se que a escola (en)foque o mundo audiovisual, faça da TV objeto de estudo, conheça-lhe linguagem, programação, condições de produção e de recepção e a incorpore pedagogicamente, estimulando competências, não para simplesmente ler, interpretar, mas para compreender meios e mensagens audiovisuais que os jovens consomem e com que se envolvem afetivamente. Inclusive quando se utiliza programas televisivos não originariamente produzidos para ensinar, introduzindo- lhes intenções pedagógicas, determinando as funções dos programas de TV/vídeo nas atividades escolares. Eis o valor da mediação.

Ver TV é um hábito que consome, em média, de 4 a 5 horas diárias da vida das nossas crianças. Essa "ladra do tempo", para o bem ou para o mal, veio para ficar. Não há como ignorá-la: ela dita padrões de comportamento, lança modas e gírias, cria hábitos de consumo, molda a opinião pública, estabelece padrões morais e estéticos, influencia o gosto musical, dissemina valores e crenças, alimenta mitos. Neste artigo, procuramos mostrar como a Escola pode tirar proveito de sua programação para ensinar a "ler" criticamente a TV, a analisar seus conteúdos do ângulo da ética e da cidadania e tentar tirar partido das novelas, dos telejornais, dos filmes, dos anúncios e até dos programas de auditório - que fazem parte do repertório das crianças. Pergunte aos seus alunos o que eles gostam de assistir e porquê, se eles acreditam em tudo que a TV mostra ou diz. Discuta com eles a violência dos filmes, o sensacionalismo de certos apresentadores.

A TV retrata "a vida como ela é"? Faça-os comparar a "realidade da telinha" com o cotidiano deles. Grave trechos de programas para análise. Tire o som das novelas e peça para os alunos criarem os diálogos. As aulas vão ficar mais interessantes. Ajude-os a selecionar o que ver na TV, para enriquecer sua formação. E acompanhe as boas práticas com os programas da TV Escola.

Aprendemos sempre, o conhecimento não é estático e sim dinâmico. Gosto muito desta citação de Drummond: "Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos olhos gulosos a um sol diferente que nos acorda para os descobrimentos. Esta é a magia do tempo!" A magia do tempo é acordar para o novo, para os descobrimentos, como ele próprio disse. Uma fala também muito interessante de Andy Hargreaves: "As regras do mundo estão mudando. É hora de que as regras da escola e do trabalho dos docentes variem com elas".

Temos que levar o educando, também através da TV, a entender qualquer linguagem e fazer-se entender por qualquer linguagem, trabalhando suas habilidades e realidades de sua vida. Aprendemos uns com os outros e somos eternos aprendizes. A ideia de "desmanchar" os materiais televisivos é uma ótima forma de desmitificar, tirar o cunho miraculoso e fantástico da TV. Isso propicia aos jovens um entendimento dos programas televisivos de forma diferente e mais próximo à realidade quanto ao seu funcionamento físico, sua lógica estética, de edição e montagem, os recursos utilizados no passado e as transformações ao longo do tempo, enfim, até seu caráter ilusionista, posto que fortemente baseado nas aparências. Um filme muito legal sobre isso e outras coisas mais é o "V de Vingança". Recomendo.

Transformar a mídia, em especial a televisão, em objeto de estudo no cotidiano das práticas escolares é essencial nos dias de hoje. Considero que o currículo é um dispositivo bem mais amplo do que a grade sequencial de disciplinas e conteúdos de um determinado nível de ensino e defendo que a produção de significações nos diferentes espaços da cultura, a elaboração e a veiculação de uma série de produtos como os que circulam nas rádios, no cinema, na televisão, nos jornais e revistas estão relacionadas direta e profundamente às práticas e aos currículos escolares. Vivemos em um tempo caracterizado por uma verdadeira revolução cultural, propiciada pelas forças que assumem no cotidiano da sociedade contemporânea as distintas formas de comunicação e informação. Ou seja, a mudança histórica que experimentamos não pode ser entendida, hoje, sem que se considere a centralidade da cultura, dos múltiplos processos de atribuição de sentido às práticas sociais, no âmbito do amplo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Lutas de poder, em nosso tempo, tornam-se, crescentemente, lutas em que predomina o simbólico, o discursivo. No âmbito específico das práticas escolares, o próprio sentido do que seja "educação" amplia-se em direção ao entendimento de que os aprendizados sobre modos de existência, sobre modos de comportar-se, sobre modos de constituir a si mesmo, quase todos se fazem com a contribuição inegável dos meios de comunicação. Estes não constituiriam apenas uma das fontes básicas de informação e lazer: trata-se bem mais de um lugar extremamente poderoso no que tange à produção e à circulação de uma série de valores, concepções, representações, a maioria relacionada a um aprendizado cotidiano sobre quem nós somos, o que devemos fazer com nosso corpo, como devemos educar nossos filhos, de que modo deve ser feita nossa alimentação diária, como devem ser vistos por nós, os negros, as mulheres, pessoas das camadas populares, portadores de deficiências, grupos religiosos, partidos políticos e assim por diante. Torna-se impossível fechar os olhos e negar-se a ver que os espaços da mídia constituem-se também como lugares de formação ao lado da escola, da família, das instituições religiosas. Entendo que a televisão é parte integrante e fundamental de complexos processos de veiculação e de produção de significações, de sentidos, os quais por sua vez estão relacionados a modos de ser, a modos de pensar, a modos de conhecer o mundo, de se relacionar com a vida. Para realizarmos um trabalho pedagógico coerente com as exigências destes tempos, é necessário nos voltarmos justamente para o estudo da mídia (e da publicidade, de modo particular) como lugar por excelência da produção de sentidos na sociedade.

Minha proposta é que nos dediquemos a "desmanchar" os materiais televisivos, levando a nossa prática pedagógica a diferentes formas de agir, sentir, atribuir valores e assim por diante. Trazer professores, crianças, adolescentes e jovens para uma tarefa de leitura criteriosa da esfera cultural, tarefa que certamente inclui o debate a respeito das formas de controle da sociedade civil sobre aquilo que é produzido e veiculado pela televisão. O trabalho pedagógico insere-se justamente aí, na tarefa de discriminação que educadores e estudantes precisam exercitar cotidianamente em sua prática pedagógica, e que, a meu ver, inclui desde uma franca abertura à fruição (no caso, de programas de TV, comerciais, criações em vídeo, filmes veiculados pela TV etc.) até um trabalho detalhado e generoso sobre a construção de linguagem em questão e sobre a ampla gama de informações reunidas nesses produtos, sem falar nas emoções e sentimentos que cada uma das narrativas suscita no espectador. Trata-se de uma proposta destinada, nos diferentes níveis de escolarização, a mergulhar na ampla diversidade da produção audiovisual disponível em filmes, vídeos, programas de televisão, e que certamente nos informará sobre profundas alterações ocorridas nas últimas décadas nos conceitos de cultura erudita, cultura popular, cultura de massa, artes visuais, e assim por diante, mas especialmente sobre importantes mudanças nos modos de subjetivação, de constituição do sujeito contemporâneo.

É necessário ampliar nossa compreensão sobre as formas concretas com que somos diariamente informados, os modos como nossas emoções são mobilizadas, as estratégias de construção de sentidos na TV sobre a sociedade mais ampla, a vida social e política deste país, comportamentos e valores, sentimentos e prazeres. O ato de olhar criteriosamente a TV remete a um trabalho possível (e necessário) em relação a ultrapassar as chamadas evidências, a ir além do que nos é dado ver de imediato. Significa também assumir que sempre olhamos de algum lugar, a partir de um ponto de vista intuído, exercitado ou aprendido. Como nos ensina Foucault, o grande exercício do pensamento é justamente aceitar pensar de uma forma diferente daquela que nós mesmos pensamos.

Publicado em 23 de janeiro de 2007.

Publicado em 23 de janeiro de 2007

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