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Sexualidade, educação e telenovela

Leonardo Soares Quirino da Silva

Introdução

Há muito, a relação entre os brasileiros e a telenovela tem sido explorada por seus autores e produtores para introduzir novos temas ou propiciar a discussão de outros não tão novos, como a homossexualidade. Há muito, também, a relação da sociedade com o folhetim eletrônico tem sido objeto de pesquisas nas universidades.

Senhora do Destino (2004/2005), trama de Aguinaldo Silva, apresentou o desenvolvimento de uma relação homossexual feminina entre a médica Eleonora (Mylla Christie) e a estudante Jennifer (Bárbara Borges). Aproveitando esse mote, a professora de educação física Mayra Baldanza investigou o assunto em sua tese de mestrado - Amor entre mulheres na telenovela em discursos de docentes de Educação Física (2006) -, defendida no Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (Nutes) da UFRJ.

Com base nos estudos de Foucault sobre sexualidade, calcados no método da análise do discurso, Baldanza descobriu, nas falas dos professores entrevistados, a presença dos três principais discursos existentes no Brasil sobre homossexualidade.

O primeiro e mais antigo é o da Igreja Católica, que vê a relação entre iguais como um pecado.

O segundo é o discurso médico, que surgiu na segunda metade do século XIX, quando se formou a ideia de que a saúde da nação era igual à saúde das famílias. Como disse a professora em entrevista para o Portal, "daí em diante, são os médicos que vão reivindicar sua autoridade de falar a verdade sobre a sexualidade, e são eles os agentes da gradual transformação da homossexualidade, de 'crime', 'sem-vergonhice' e 'pecado', para 'doença' nos anos que seguem".

Baldanza explicou que o terceiro discurso surgiu com a contracultura, na segunda metade do século XX, que "aceitava o amor livre, o aborto, o homossexualismo, a nudez em público". Tendo começado entre os jovens da classe média, ele tardou a chegar às classes trabalhadoras, disse a professora.

De posse desses conceitos iniciais, antes de partir para a leitura do texto a seguir, ainda fica a dúvida sobre qual deve ser a atitude do professor em relação à novela. Para Baldanza:

- Todos, principalmente os professores, devem conhecer diferentes representações da nossa cultura. Ir ao teatro, ler, e, ao ver televisão, reconhecer sua importância como veículo, mas não lhe atribuir a última palavra. Com olhar crítico, mas sem tirania.

Para ela, respeitando as dinâmicas das turmas, temas apresentados nas novelas podem ser trabalhados em sala de aula. "Uma proposta é trazer trechos para o início da discussão, e não apresentá-los como a 'moral da história', como uma receita de proceder", declarou.

Sexualidade, educação e telenovela: discursos de professores de educação física.

Mayra Djacui Baldanza

Durante a graduação em Educação Física, iniciei meus estudos sobre corpo, sexualidade e poder, pensando o mercado de lazer e os empreendimentos específicos, cada vez mais em expansão, para o grupo GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Nesse processo percebi a necessidade de aprofundamento nas concepções de gênero e homossexualidade, além da importância da mídia na formação dos discursos e das identidades. No exercício da profissão de professora de Educação Física pude observar o complexo funcionamento do currículo oculto, principalmente no que concerne às questões de sexualidade e gênero: verifica-se um paradoxo, na medida em que essas questões são frequentemente ignoradas nas aulas mas se fazem presentes em cada singular relação entre os diferentes sujeitos e em seus discursos. Também se mostrava marcante a presença das telenovelas na fala dos/as estudantes - muito centrada em questões de gênero e na sexualidade, sem que, no entanto, fossem problematizadas pelos/as docentes. Por isso, passei a interessar-me por um melhor entendimento de como os/as docentes "tomavam para si" as questões sobre sexualidade e gênero representadas nas telenovelas. Assim, este trabalho busca compreender os processos de apropriação das representações midiáticas de personagens homossexuais por professores de Educação Física.

Foram entrevistados quatro docentes, sendo dois de uma escola (A) e dois de outra (B), cujos nomes foram alterados para preservar o sigilo. Paula e Roberto, da escola A, com respectivamente 4 e 30 anos de profissão, foram entrevistados fora da instituição, por falta de recursos para a exibição das imagens. Já Márcia e Luiz, com 10 e 7 anos de profissão, da escola B, puderam assistir na própria escola. Nesta investigação foram apresentadas quatro imagens de diferentes momentos do casal Eleonora e Jennifer, da telenovela Senhora do destino, da Rede Globo de Televisão, escrita por Aguinaldo Silva, muito comentada por apresentar pela primeira vez uma relação sexual entre mulheres. Após as imagens, foi realizada a entrevista semiestruturada e os dados coletados foram estudados através da análise de discurso.

Os meios de comunicação e, em particular, a televisão, vêm ocupando de forma crescente espaço na vida de grande parcela da população, sendo tanto fonte de informação quanto estimuladora de desejos, gostos e padrões de comportamento. A mídia exerce importante papel na formação das representações dos sujeitos sobre diversos temas, ora avançando, ora reforçando estereótipos, universalizando conceitos, afastando-se, assim, de uma maior compreensão de suas particularidades.

Para entendermos em que cenário emerge o processo de interação entre aquele que assiste e o que é veiculado, é necessário considerar a ampla gama de modos simbólicos de produção, como sugere Giroux (2001) - imagens eletronicamente produzidas, textos escritos, falas e ações - como textos públicos influentes que constroem significados e operam num contexto de diversidade de lutas sociais e modos de contestação. Os discursos dos Estudos Culturais e do feminismo, entre outros, vêm buscando mostrar que "a questão do poder tem importantes aspectos culturais e ideológicos" (Bailey & Hall, 1992, apud Giroux, 2001). As práticas culturais são produzidas e reproduzidas numa variedade de "locais sociais" e se inscrevem nos corpos agenciando a construção das identidades. Giroux relata ainda que "a esfera política amplia enormemente seu potencial tanto para a hegemonia cultural quanto para a resistência". Os sujeitos não são passivos na formação de suas identidades; pelo contrário, tanto permitem quanto negam ou resistem à influência dos diversos produtos culturais e das diferentes esferas sociais a que são expostos, pelos quais são marcados de diferentes formas. As elaborações foucaultianas avançam no entendimento dessas relações de poder, evidenciando que a cultura não é um campo autônomo nem externamente determinado, mas um local de diferenças e de lutas sociais. Por ser palco de negociações, a cultura não é uma massa uniforme, homogeneizadora, mas está se constituindo.

A partir dos anos 1990, os Estudos Culturais começam a ganhar espaço dentro das universidades, tendo forte influência do pensamento pós-estruturalista. Num primeiro momento, buscam recuperar a homossexualidade na história, como voz esquecida, tabu triplamente negado no século XIX pelo catolicismo (pecado), pela ciência (patologia) e pelo Estado (crime), afirmando os afetos entre pessoas do mesmo sexo como experiência comum na história da humanidade (Lopes, 2002).

Segundo Louro (2004), os movimentos gays e lésbicos colocam a discussão das identidades numa nova base, abandonando formas de desprezo e de rejeição, principalmente através da incorporação, na sociedade, de traços de comportamento, moda, roupas, sem que se desse a eles conotação pejorativa, mas ainda sendo combatidos por instituições religiosas, grupos homofóbicos e conservadores. A emergência dessas formas de identidade (gays, lésbicas, travestis, bissexuais) mostra o quanto a identidade sexual é fluida.

Segundo Lopes (2002, p. 29):

Pensar a sexualidade e a afetividade implica discutir formas de adesão a projetos coletivos e temas que transitem para o conjunto da sociedade civil, como a tentativa de militantes brasileiros de incluir mais decisivamente o preconceito contra homossexuais no espectro da luta por direitos humanos fundamentais, dentro de uma sociedade mais justa para todos.

A base dos estudos gays e lésbicos remete, em última instância, à constituição do que Michel Foucault chamou sexo rei, na segunda metade do século XIX, da proliferação de discursos sobre a sexualidade e da necessidade de marcar a heterossexualidade e a homossexualidade como orientações sexuais bem distintas (Katz, 1996). Para Foucault (2004, p. 230), a partir do cristianismo o sexo passa a ser a 'nossa verdade': "o sexo foi aquilo que, nas sociedades cristãs, era preciso examinar, vigiar, confessar, transformar em discurso". Para ele, a produção de verdades sobre o sexo reflete os efeitos de poder e o lugar onde são produzidos.

A homossexualidade é considerada por Denílson Lopes um "modo de vida" que, segundo Deleuze (1992, p. 123), citando Foucault, "são regras facultativas que produzem a existência como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem modos de existência ou estilos de vida".

Tais elaborações teóricas se desenvolvem a partir da observação do comportamento social, fazendo compreender, dentre outras coisas, a centralidade do corpo e suas práticas na cultura ocidental. Sobre os corpos, diversas formas de significados se estabelecem, tendo, através da educação e especialmente nas práticas curriculares, um lócus privilegiado para adequação aos padrões estabelecidos de comportamento, saúde e valores. O currículo é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e o político (Silva, 2003). É por meio do currículo que diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam suas visões de mundo, seu projeto social.

Portanto, entender o currículo e a cultura como práticas de significação - não apenas como relações sociais - implica considerar as relações de poder presentes tanto na origem como no resultado dessas práticas. O pensamento de Michel Foucault apresenta a impossível dissociação entre saber e poder.

O currículo, tal como a linguagem, não é um meio transparente, como relata Tomaz Tadeu da Silva (2003, p. 64), é "representação: um local onde circulam signos produzidos em outros locais, mas também um local de produção de signos". Os parâmetros curriculares nacionais (PCNs) foram elaborados no sentido de favorecer uma educação que considere uma formação mais global, através, por exemplo, da interdisciplinaridade, entendendo que aluno/a e professor/a trazem consigo valores, crenças e visões de mundo que estarão presentes durante o processo de formação das identidades.

Compreendendo a fala dos professores de Educação Física

A apropriação dos textos midiáticos evidenciou definições e posicionamentos diversos em relação às representações sobre homossexualidade feminina, revelando adesões e resistências a determinados hábitos e valores. A seguir estão os comentários que emergiram ao longo da apresentação das cenas da novela.

Na cena do dia 22 de setembro de 2004, as meninas estão se conhecendo, conversando em local público, estreitando laços. Os jovens circunstantes representam aqueles que declaram abertamente seu preconceito, acreditando que, no amor entre mulheres, falte o personagem masculino, um pensamento que parte de princípios que têm o machismo como fomentador.

Nos quadros a seguir, com o texto das cenas, ELE é Eleonora, JEN é Jennifer, J1 e J2 são jovens que contracenam com as personagens estudadas.

Eleonora e Jennifer chegam a um aglomerado de pessoas embaixo de um outdoor com fotos de Daniele (madrasta de Jennifer, numa revista masculina). Um grupo de jovens observa sua conversa. As meninas encontram-se em primeiro plano e os rapazes jovens em segundo plano na imagem. Eleonora pergunta:

ELE: Que circo é esse?

JEN: Ah, nem me fale! É o lançamento da Daniele como celebridade instantânea. Se tudo der certo, amanhã ela vai estar nas páginas de todos os jornais.

Um rapaz intercede:

J1: Ah, aí as duas sapatas, tô dizendo!

Os outros jovens reclamam de sua atitude:

J2: Cala a boca, rapaz!

As duas se entreolham. Jennifer pergunta:

JEN: Você ouviu o que eles disseram?

ELE: Não. (Apesar de também ter se surpreendido com o comentário.)

JEN: Sapata?

J2: A sapata do meu barraco, lá em casa...

ELE: Liga não!

Jennifer fica pensativa, enquanto olha de soslaio para  J1.

A sapatão representa, em termos de papéis sexuais, a figura invertida da bicha. Para Fry & Mcrae (1986), a sapatão representa uma mulher em termos fisiológicos que desempenha o papel masculino, e a bicha um homem que representa o papel feminino. Pensando nos papéis sexuais, as relações podem ser consideradas através de uma lógica heteronormativa, um indivíduo 'ativo' se relaciona com outro 'passivo'. As mulheres que possuem qualidades de independência, questionamento, autoafirmação e ideais feministas não raramente eram consideradas sapata, sapatão, mulher-macho, pois possuíam atributos tradicionalmente associados ao papel masculino.

Quando apresentada à imagem, Paula a observa detidamente e exclama ao final: "Que horror", e acrescenta: "que meninos preconceituosos". Salienta que atualmente, mesmo com os avanços tecnológicos, esse tipo de preconceito ainda existe; lamenta o fato. Roberto levanta as sobrancelhas ao assistir a cena, afirma "eles não têm o que fazer", atribuindo as atitudes dos jovens à desocupação e à inexperiência. Márcia fala: "É isso mesmo. Muitos jovens ainda são assim, preconceituosos. É como se eles fossem fiscais da vida alheia". Alega que a preocupação com a sexualidade de outrem deriva de um desconhecimento da sua. Luiz comenta que é contra esse tipo de atitude e que ele luta contra preconceitos através de seu trabalho na escola: "É isso que a gente não quer ver alguém daqui fazer. Isso é um desrespeito", "Deixem as meninas em paz!". Salienta que, para ele, o preconceito é fruto de falta de educação para o respeito às diferenças.

Os professores afirmam serem contra qualquer tipo de preconceito. Diversas campanhas sociais se apresentam no sentido de combater os preconceitos. É como se atualmente estivesse "fora de moda" ser preconceituoso, e aqueles que apresentam claramente posições de exclusão são logo corrigidos ou criticados. Esses posicionamentos, então, se apresentam de formas mais sutis.

Em seguida, foi apresentada a cena do dia 6 de outubro de 2004, em que Jennifer, sem entender ao certo o que estava ocorrendo entre as duas, procura Eleonora. Essa cena fez com que Paula desse um breve suspiro: "Que barra, não é? Imagina se uma amiga minha vem e fala isso!". Ela se compadece com o sofrimento de Jennifer, acredita que a jovem fora traída pela amiga. Salienta: "eu sei que nessa novela elas vão ser um casal mesmo, mas se acontece comigo... eu ia ficar desapontada".

Roberto comenta: "Nossa, não precisa ser tão dramática! Se não quiser é só falar. Comigo é assim, quando eu não quero, falo: não é o que gosto, pronto! Eles respeitam". Revela acreditar que as pessoas têm o direito de escolher como viver a sexualidade.

Márcia exclama: "As bonitinhas sofredoras! Você pode ver que se eles colocam uma personagem lésbica é como se dissessem: As lindas podem tudo, até ser lésbicas. Quem nos tempos de hoje não ia sacar... ninguém foi enganada ali". Márcia acredita que haja, em suas palavras, uma pasteurização dos temas, que são apresentados de forma muito superficial.

Luiz fala: "Normal, ela parece ser muito nova, daí o susto"; e analisa: "é bom mesmo aparecer na novela, pra que as pessoas deixem de ter preconceito; é normal, como qualquer outro relacionamento". Acredita que o lesbianismo apresentado na novela mostra algo que está há muito tempo presente em nossas vidas, mas que ainda tentamos negar.

Jennifer chega ansiosa ao hospital onde Eleonora trabalha. Eleonora pergunta:

ELE: Tá tudo bem?

JEN: Você é quem vai me dizer. Sabia que ficam falando mal da gente pelos cantos?

ELE: As pessoas são muito maldosas.

JEN: É, são, sim. Mas quando eu estava vindo pro hospital eu pensei muito sobre a gente. Sobre a nossa amizade. E cheguei à conclusão de que a gente deu bandeira, Léo! Quer dizer, a gente deu margem pras pessoas falarem. Eu sei que não tem nada a ver, mas as pessoas olham com maldade (olha nos olhos de Eleonora). Da minha parte não tem nada a ver. Da sua parte também não, né?

ELE (olha com ternura): Da minha parte também sim!

JEN: Então você tá dizendo que...

ELE: Isso mesmo, Jennifer, eu me envolvi com você. (...)

Jennifer chora transtornada e pergunta:

JEN: Você tá achando que esse alguém sou eu?

ELE: Eu adoraria que fosse... (fala pegando as mãos de Jennifer)

JEN: Esse alguém não sou eu! Tira a mão de mim!

Jennifer sai correndo, Eleonora a segue. (...)

JEN: Não! Não é isso que eu quero pra minha vida! Não vou me tornar uma...

ELE: Lésbica?

JEN: Me faz um favor, nunca mais olha na minha cara! (sai correndo muito nervosa, deixando Eleonora aos prantos).

As opiniões divergem na apropriação feita da segunda cena. Enquanto Paula mostra descontentamento com a atitude da personagem Eleonora, achando que ela traíra a confiança de Jennifer, os outros professores/as compreendem o 'choque' que Jennifer tivera com a situação, mas não acreditam que fora traída. Para eles, ela já se sentira atraída pela amiga, mas tivera medo de assumir-se, até pela conotação pejorativa socialmente estabelecida associada aos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo.

A terceira cena apresentada mostrou-se polêmica quando foi veiculada, gerando discussões em revistas, jornais e outros meios de comunicação. Foi a primeira vez que um casal lésbico aparecia fazendo amor em uma novela.

As duas jovens deitadas (seminuas) na cama conversam após se reconciliarem.

JEN: Como você acha que vai ser daqui pra frente, Léo? Agora que estamos juntas, como vai ser em relação aos outros?

ELE: Se dependesse só de mim, não haveria mentiras, nem subterfúgio na nossa história. Eu contaria tudo pra todo mundo.

JEN: Também pros seus pais?

ELE: Também, e pros seus, principalmente pro seu irmão, que manda umas piadinhas bem preconceituosas.

JEN: Eu nunca teria coragem.

ELE: Por quê? Você sente vergonha?

JEN: Não, não é isso! É que eu tenho medo. Medo de magoar a minha família. Eu não quero causar sofrimento às pessoas que eu amo. E eu tenho certeza de que eles não vão entender. Não vão entender nem suportar.

ELE: Vai ser muito pior se fizermos as coisas escondidas, como duas criminosas.

JEN: Será que nós não somos isso?

ELE: Não, a gente não tá fazendo nada de errado. É uma escolha nossa, e estamos felizes, não estamos? Então, vamos contar tudo pra quem a gente ama... Se você quiser conto hoje mesmo pra minha família.

JEN: Ô Léo, dá só mais um tempo pra eu pensar nisso?

ELE: Claro, você tem todo o tempo do mundo.

Paula comentou desgostosa: "Que nojo! Acho isso um absurdo. Como é que eles colocam duas lésbicas na cama a essa hora?! Deve estar cheio de crianças assistindo. Não acho certo, pra mim, homem tem que casar com mulher, tudo certinho, conforme manda o figurino. Acho que tem que mostrar, mas aos poucos, não assim. Isso choca". Paula critica veementemente a cena, relata que não acha a homossexualidade normal, mas a aceita. Diz se sentir invadida ao ver tal cena: "Aceito se não invadir minha privacidade; assim não".

Já Roberto comenta: "elas são bonitas!", e continua: "sou a favor da verdade sem hipocrisias", esclarecendo que concorda com a exibição das imagens por ver nelas uma verdade negada nas telenovelas normalmente.

Márcia vê a cena em silêncio e diz estar gostando da forma com que o autor tem tratado a questão: "estão mostrando o casal de uma forma bonita. Pelo menos não as mataram, como aquelas personagens em Torre de Babel".

Luiz considera importante mostrar como é uma relação entre mulheres. "Claro que eles mostram só um pouco do que é verdade, mas acho importante mostrarem que elas têm uma sexualidade normal". Ele revela acreditar que os personagens homossexuais são mostrados como se não se relacionassem sexualmente, lembra a excessiva apresentação de cenas heterossexuais em cenas tórridas, que "não são tão condenadas".

Ao assistir a essa cena, Paula disse sentir nojo, lembra do horário em que a novela é apresentada (21h). Fala das crianças como se elas pudessem ser influenciadas de alguma forma por aquela sexualidade que considera desviante. Reclama, pois acredita que a heterossexualidade e o casamento são a única condição sadia de exercer a sexualidade. Curioso é observar, como salienta Luiz, que casais heterossexuais diariamente são apresentados em cenas tórridas, o que não é digno de nota para Paula; para ela, essas cenas são consideradas "normais". Esses discursos são facilmente encontrados nos meios sociais, embora atualmente já se façam presentes muitas outras perspectivas. Márcia, Luiz e Roberto acreditam que veicular essas imagens, que apresentam um casal lésbico, mostra que a narrativa está comprometida com o esclarecimento, a "verdade" das relações, visto que, anteriormente, os personagens homossexuais eram apresentados como seres castrados, que não tinham desejo nem se relacionavam sexualmente.

A última cena, veiculada no dia 18 de janeiro de 2005, mostra as personagens conversando sobre o apartamento onde vão morar. Os lábios das jovens ao final da cena, praticamente se tocam, mas o beijo não é concretizado.

As personagens Eleonora e Jennifer estão conversando dentro de um carro, parado numa rua. Eleonora procura um apartamento para morarem.

JEN: Você vai querer sair aqui da baixada?

ELE: Não, eu nasci, cresci, trabalho aqui. Só se eu pedisse uma transferência ou alguma coisa assim, mas já estou tão acostumada com esse lugar...

JEN: Quando eu era mais nova, tinha a maior vontade de morar lá pra baixo, sabe? Mas hoje em dia isso passou totalmente, meu lugar é aqui.

ELE: Eu só estou procurando em Caxias. Olha só quantos apartamentos eu vou ver amanhã (mostra um caderno cheio de recortes de anúncios de jornal). Pena que você não vai comigo!

JEN: É... Eu adoraria, Léo, se não fosse a minha prova...

ELE: Eu não vou decidir nada sem te mostrar! Afinal, essa vai ser a nossa casa, né?

Eleonora olha com tristeza para Jennifer, que pergunta:

JEN: Que foi, bonitinha?

ELE (chorando): É que eu fico imaginando a gente na nossa caminha, o Renato no quarto dele dormindo feito um anjo. É tudo que eu preciso na vida para ser feliz.

JEN: Vou te fazer muito feliz, Léo!

As duas aproximam os rostos para se beijarem, no momento em que os lábios se tocam um farol de carro lhes tira a atenção. Saem com o carro.

Paula olha a cena e exclama: "normal!", e conclui: "assim é mais singelo, não é tão agressivo". Estabelece, assim, limites quanto "ao máximo" até onde podem ir os personagens homossexuais, o "quase" beijo. Ela acredita que os personagens devem existir, mas sem que a narrativa entre em detalhes sobre a relação, senão se sente invadida, agredida.

Roberto fala com certa ironia: "depois da cama, esse beijinho até fica sem graça!". Para ele, o beijo entre um casal é tão comum que se torna até 'sem graça'. Para Duarte & Konder (2003), acontece uma certa naturalização do corpo, fazendo com que esses estímulos gerem desinteresse:

Os corpos 'desejáveis' que vemos, em larga escala, estampados nas paredes e nas telas são, para a esmagadora maioria dos que os veem, totalmente inacessíveis, intocáveis. Além disso, a exibição constante deles, que deveria nos tocar e produzir prazer, acaba por funcionar de forma inversa, ou seja, ao invés de mobilizarem o erótico e o sensual que existe em nós, imagens aparentemente sensuais provocam uma certa frustração difusa, desalento, tédio.

Márcia comenta: "Eles cortam bem na hora do beijo, repara! É só observar, quando mostram é rapidinho, exceto naquela cena da cama". Ela se mostra acostumada à censura dos temas mais polêmicos e surpresa por ter visto a cena da cama.

Luiz diz: "como eu disse, é normal!". Não revela espanto, alegria ou indignação. Fala como se estivesse acostumado a ver essas cenas. Mulheres nuas ou parcialmente despidas são comumente vistas na televisão, não só na telenovela. O corpo feminino é mostrado sem pudores, ao contrário do masculino. Nas novelas raramente se vê o corpo nu masculino, o que mostra como a mulher, independentemente da opção sexual, ainda é apresentada numa perspectiva machista.

Após a apresentação das imagens, foi feita a entrevista semiaberta, que proporcionou aos professores a oportunidade de se expressarem abertamente, ainda que os temas fossem sugeridos. Quando perguntada sobre sua opinião em relação às imagens, Paula, a mais jovem, parece a mais abalada com a apresentação da homossexualidade na telenovela: "como somos muito conservadores, então, de repente, pode ter muita gente que ache mais legal do que eu acho; cada um com seu cada um".

Sua fala se alinha àquelas veiculadas nas matérias jornalísticas que evidenciam a repercussão junto à população dos "prometidos" beijos entre as personagens Na entrevista com Luiz, um fato ocorrido com duas de suas alunas permite refletir sobre o que é ou não possível no processo de negociação dos espaços e constituição das identidades. Está transcrito a seguir um trecho da entrevista.

Você lembra de alguma fala dos alunos em relação à questão da homossexualidade?

Luiz: Sim, mas na escola isso é trabalhado de uma forma bem bacana. Nós já tivemos inclusive casos de beijo na hora do recreio, como se fosse um casal normal. 'Normal', olha que preconceito o meu, é normal, só é fora dos padrões. (...) Inclusive, uma delas continua aqui e viu que essa não era a praia dela. Foi uma experiência, e hoje só se relaciona com homens.

Como vocês tomaram conhecimento do relacionamento?

Luiz: Uma delas tinha um jeito masculino; usava terno, não feminino, terno mesmo, usava um cabelo curto, mas acho isso muito pouco para fazer uma análise... Tivemos outros casos que não citei aqui... Com comportamento normal. Os alunos tratam como se fosse... normal (se corrige). Tratam como têm que ser tratados, não tem diferença nenhuma.

Podemos notar no discurso do professor Luiz o conflito presente na adoção do conceito de normalidade. A preocupação de reformular sua oração, quando fala "como se fosse um casal normal", salientando "olha que preconceito o meu", denota as diversas identidades possíveis imbricadas na análise das situações sociais. A identidade estabelecida, neste caso o professor, busca formular respostas que considerem os olhares da Educação para a diferença, como o currículo da escola em que leciona orienta (conforme relatado por ele na entrevista) e como ele próprio, enquanto professor, acredita que seja o discurso ideal ao tratar com os alunos.

O professor corrige, reformula, busca fazer-se claro. Procura demonstrar em seu discurso que vê a homossexualidade como normal, "não tem diferença nenhuma". Macedo (1998) acredita que a diferença existe e não deve ser negada, mas deve ser observada como constituinte da sociedade. O professor relata ainda que as jovens que se beijavam no recreio foram convidadas a conversar com o diretor. Este pediu que evitassem os beijos, temendo represálias dos colegas. O próprio professor observa que tal conversa não ocorre com os casais heterossexuais que comumente se beijam no recreio. Na sua fala "Inclusive uma delas continua aqui e viu que essa não era a praia dela", parece que o padrão de normalidade se restabeleceu; "hoje já se relaciona com homens"; ela demonstra a preocupação do professor em salientar que a homossexualidade pode ser uma fase, entendendo que a heterossexualidade é uma condição final, o destino dos relacionamentos saudáveis, como entendia Freud.

No entanto, temos que salientar a pluralidade dos olhares sobre a homossexualidade presentes nas falas dos professores. Márcia relata que durante suas aulas notara demonstrações de estigmatização por parte de alguns alunos:

Eu tenho um aluno que tem comprometimento na articulação da fala e os colegas ficam zoando, não só por acharem que ele é gay, mas por ele ser diferente. Eu pus um vídeo para eles, em função de um gesto que o menino fez; os outros alunos foram completamente preconceituosos, chegando mesmo a chamar a atenção da turma para o fato. Eles pontuaram essa desconfiança dele. (...) Tenho noção de que identificar um homossexual por determinadas características é aderir a uma maioria, é reproduzir um pensamento muito comum e preconceituoso.

Em sua fala, a professora se mostra crítica da definição de características para a homossexualidade. Acredita que estabelecê-las é enquadrar-se em determinados padrões de normalidade que reproduzem a exclusão e o preconceito. Entende que as características atribuídas a ela são construídas social e culturalmente e busca atividades que façam com que os alunos reflitam sobre uma perspectiva mais "científica" dos fatos, tentando em suas aulas "desmistificar" o contato entre pessoas do mesmo sexo.

É interessante notar como os professores foram mais enfáticos em demonstrar sua não-adesão às novelas, enquanto as professoras falaram somente que não assistiam, ou assistiam eventualmente. Isso pode se dever ao fato de tradicionalmente as novelas serem associadas à figura feminina, "coisa de mulher", como apontado por Ribeiro e Siqueira (2005).

Os professores dizem não assistir com frequência às telenovelas, mas, em função de familiares, alunos e meios de divulgação de massa, mencionam saber pelo menos dos temas tratados por elas. Quando perguntados sobre a apresentação da homossexualidade, as diferenças na concepção dos professores sobre o tema começaram a emergir, desde aqueles que concordam com uma mídia que avança no sentido de esclarecer os temas 'tabus':

Acho que tudo que aparece na mídia, ainda mais na novela (a que um grande número de pessoas assiste) é para tentar conscientizar as pessoas de que existe, está aí, e cada um tem uma opinião. Como a gente é muito conservadora, então, de repente, pode ter muita gente que acha mais legal do que eu acho, cada um com seu cada um; se você não interfere no meu limite, não entra na minha individualidade... (Paula).

Ou há aqueles que concordam com uma caricatura que não corresponde à realidade:

Tem, aquela caricatura do gay estereotipado, mas com relação às meninas é uma coisa muito recente" (Roberto).

"É o estereótipo de que tem que ter uma conduta homossexual, tudo muito estereotipado. (...) Quando é gay masculino é afeminado. A sensação é de que sempre pretendem passar uma lição de moral. Como são lindos, lindos podem tudo, até ser gays. O gay sempre tem que ser engraçado, normalmente se realiza com a família, o tema central nunca é a relação, a sexualidade" (Márcia).

Voltemos, então, à fala de Paula, que usa a palavra "individualidade". É fato que, desde o surgimento da televisão, fatores como as guerras e a divisão do trabalho, dentre outros, favoreceram a centralização da família. Em seus lares, as famílias assistem ao mundo constantemente filtrado, reduzido a notícias rápidas. Não invadir a individualidade de Paula é não aparecer a seus olhos, não fazê-la 'ver'. Não é difícil encontrar similaridade entre as queixas dos telespectadores e o posicionamento dela; ambos querem que permaneça o silêncio. Silêncio ao qual a homossexualidade vem sendo confinada ao longo de muito tempo.

Posicionar-se a favor do silêncio é aderir a toda essa representação estereotipada, que tende a reduzir a homossexualidade a uma categoria estanque, sem considerar a diversidade que habita o termo. É importante pensar na presença de uma pluralidade de sexualidades, entendendo que estas podem ganhar diferentes conotações de acordo com a cultura a que são expostas. Como diz o dito popular, "quem cala consente". Foucault propõe "imaginar o mundo gay", dizendo acreditar que apenas se pensarmos num mundo gay poderemos estar avançando no sentido da aceitação, de acreditar num mundo composto pelas diferenças e não por desviantes.

As formas de poder são exercidas em todas as relações humanas, tendo nos discursos o veículo para existir e se perpetuar. Podemos observar alguns grandes discursos no Brasil sobre a homossexualidade. A Igreja Católica foi a primeira instituição a se preocupar com a homossexualidade, atribuindo a ela adjetivos como 'pecado', entre outros. Na fala de Paula observa-se essa influência através do discurso sobre a família e os filhos:

Se tem que achar normal, eu não acho normal, na minha concepção, não é normal, se eu pudesse escolher, os homens casariam com as mulheres, continuariam tendo filhos, para que as coisas continuassem bonitinhas, como manda o figurino, que a gente acredita que é o correto. (...) Acho mais correto que você tenha uma família organizada, ter a hierarquia, com o homem da casa, a mulher da casa. Decerto que hoje as coisas estão diferentes, por causa da economia, que está difícil... Ter um homem que proteja a mulher, que é mais sensível, os filhos que vão ter os pais.

A ideia de que a mulher é afeita às prendas do lar, que o homem é forte e protetor, que os filhos são o destino feliz de um casamento ainda é muito presente na concepção de muitas pessoas, e essa ideia é reforçada constantemente pelas telenovelas, como podemos ver nos finais, que quase sempre têm em seu desfecho um casamento e a promessa de amor para toda a vida. Sobre essa visão romantizada do amor, Giddens (1993, p. 10) traz contribuição importante quando afirma:

O ethos do amor romântico teve um impacto duplo sobre a situação das mulheres. Por um lado, ajudou a pôr as mulheres em seu 'lugar' - o lar. Por outro, o amor romântico pode ser encarado como um compromisso com o machismo.

Dessa forma, sinaliza que a promoção dos ideais românticos favorece, na mulher, uma posição de submissão em relação ao desejo masculino. Giddens indica ainda que a transformação da intimidade poderia ter influência subversiva sobre as instituições modernas. Podemos observar nas últimas décadas novas conformações do desejo feminino, incluindo uma postura mais afirmativa das mulheres em relação ao sexo, fruto de lutas e movimentos para a igualdade entre homens e mulheres. Com isso, a intimidade vem se transformando e, por exemplo, a virgindade, antes imprescindível num casamento, atualmente já não aparece como fundamental em muitos contextos.

As mulheres começaram a perceber o prazer físico como requisito fundamental para um casamento satisfatório. Cada vez mais independentes, as mulheres escolhem seus parceiros, mas ainda assim observa-se a ideia da mulher dependente emocionalmente em vários grupos sociais, principalmente naqueles com forte apelo religioso.

No discurso de Roberto, observa-se tensão entre a naturalização dos comportamentos sexuais e as novas concepções trazidas pelas transformações mencionadas:

Acredito que tenha um forte componente genético. Estamos numa fase de transformação social. (...) Deus colocou o homem e a mulher na Terra para reproduzir, mas acontece que somos seres pensantes, e até entre os animais acontece o desvirtuamento, desde cachorro maluco até aquele que encosta o rabinho... é meio chegado.

É possível notar que, mesmo utilizando o discurso médico ("Acredito num forte componente genético"), a tradição católica ("Deus colocou o homem na Terra para reproduzir") não deixa de ser contemplada, o que demonstra que um tipo de discurso não necessariamente substitui o outro. A fala de Roberto é uma apropriação de elementos de ambos os discursos, entendendo a homossexualidade, tanto como "desvirtuamento" quanto como algo "geneticamente" determinado. Essa fase que vivemos, chamada por Roberto "fase de transformação social", coincide com a ascensão dos Estudos Culturais, que não entende as identidades como fixas e imutáveis. Roberto vê a ruptura das noções de identidade. Entende a homossexualidade como inerente à condição humana, mas que adquiriu maior visibilidade atualmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas falas dos professores, pode-se notar que os significados sobre gênero e homossexualidade são construídos em parte a partir de um sistema de representação criado pelas narrativas televisivas. Os sujeitos da pesquisa mostraram familiaridade com o tratamento dado pelas telenovelas a essas questões, emitindo posicionamentos e os mais variados juízos sobre as representações. Nesse processo de negociação com os significados, envolvem-se em processos de formação pessoal e de autocompreensão.

Entender o lugar reservado aos homossexuais ao longo da história é fundamental para que possamos compreender que os discursos ligados à sexualidade e às diversas formas de prazer tão presentes na sociedade em que vivemos emergem num emaranhado de relações sociais complexas. A presença de personagens homossexuais nas novelas, principalmente das lésbicas, longe de ser apenas uma variante para as narrativas, denota a emergência e a circulação de novos discursos na sociedade. No entanto, ainda observamos nas representações dos personagens homossexuais uma lógica heterossexual marcante, como na marcação de um dos indivíduos como 'ativo' e do outro como 'passivo'. Evidencia-se também frequentemente um reforço de arranjos tradicionais - em grande parte não mais existentes - do homem forte e protetor, da mulher afeita às prendas do lar e dos filhos como desfecho feliz de um casamento.

Os sujeitos são, assim, interpelados pela mídia de forma contraditória. Ao mesmo tempo que cria novos repertórios - mostrando, por exemplo, novas formas de exercício da intimidade - que facilitam o alargamento das perspectivas dos sujeitos,  ela reforça padrões tradicionais e preconceitos.

Seus discursos mostraram-se atravessados pelos discursos de 'outros', corroborando a noção de que o 'eu' nunca é individual, mas social. Isso se verificou ao incorporarem alguns dos 'grandes discursos', como o da Igreja Católica sobre a família e os filhos, com suas noções sobre 'normalidade' e 'anormalidade' em relação aos comportamentos sexuais. Da mesma forma, em algumas instâncias uma patologização do homossexualismo se fez presente, trazendo marcas do discurso médico. Em outras falas observamos tensão entre a naturalização dos comportamentos sexuais e as novas concepções que rompem com as tradicionais, influenciadas pelas transformações que marcam a contemporaneidade.

Como sinalizado por Thompson (2004), a recepção é uma atividade situada à medida que os produtos da mídia são recebidos por indivíduos que estão sempre instalados em contextos sócio-históricos específicos. Neste trabalho, tivemos por sujeitos professores que, no contexto escolar, convivem com signos e significações específicos. Nos últimos anos, eles vêm sendo interpelados pelo discurso oficial, através dos PCNs, a aceitar as diferenças em relação à sexualidade, por exemplo. Pelo que percebemos no estudo, em grande medida esses professores ainda não "tomaram para si", o discurso dos PCNs no que tange a essa dimensão do exercício da sexualidade.

Esta investigação não se propõe a ser conclusiva; pelo contrário, é simpática à ideia de que outros trabalhos aprofundem o conhecimento aqui iniciado, fornecendo subsídios para o necessário e ainda incipiente entendimento desse campo de deslocamentos importantes que é o da recepção, no que tange às ressignificações do homossexualismo feminino por professores, mediadas pela mídia televisiva.

Finalmente, acreditamos na importância de ações educativas - na formação inicial e na continuada desses professores - que facilitem o reconhecimento das diferentes lógicas de significação construídas pela mídia e a desconstrução do consenso que estabelece relações binárias e excludentes.

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Mayra Djacui Baldanza é mestre em Tecnologia Educacional nas Ciências e na Saúde pelo Nutes/UFRJ; membro do grupo Linguagens, Subjetividade e Educação ─ Laboratório de Linguagens e Mediações (LLM).

Publicado em 9 de outubro de 2007.

Publicado em 09 de outubro de 2007

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